STF Mar24 - Lei Maria da Penha - Revogação de Prisão Preventiva a Condenado no Regime Aberto - Incompatibilidade

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


Inteiro Teor

DECISÃO: Vistos. 

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de XXXXX contra decisão monocrática proferida por Ministro do Superior Tribunal de Justiça (e-doc. 2). 

Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 4 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, pela prática dos delitos capitulados nos arts. 147 e 250§ 1º, inciso II, alínea a, ambos do Código Penal, além de 4 meses e 5 dias de detenção, pela prática do delito capitulado no art. 24-A da Lei n. 11.340/2006, e de 17 dias de prisão simples, como incurso no art. 21, caput, da Lei de Contravencoes Penais, estas tendo início no regime aberto, sendo-lhe negado o direito de apelar em liberdade.

 Neste writ, sustenta o impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal, ao argumento de que “há incompatibilidade entre a fixação do regime inicial semiaberto na sentença condenatória e a manutenção da prisão preventiva.” Requer, assim, liminarmente e no mérito, a revogação da prisão cautelar com ou sem aplicação de cautelares menos gravosas (art. 319 CPP)

É o relatório. Fundamento e decido.

 O art. 102, i, i, da Constituição Federal preceitua que a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originariamente o habeas corpus será inaugurada “[...] quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância”.

 Na espécie, a ausência da análise pelo colegiado de Tribunal Superior, dos fundamentos constantes da decisão monocrática, impede o conhecimento do writ nesta Suprema Corte. Todavia, verifico a existência de flagrante ilegalidade a autorizar o afastamento do óbice. 

Isso porque o Juízo sentenciante manteve a prisão preventiva do paciente, mesmo com a imposição do regime semiaberto sem justificativa de sua excepcionalidade, nos seguintes termos: “Não poderá recorrer em liberdade, pois permaneceu preso durante a instrução penal, se solto poderá voltar a delinquir ou se evadir. 

De fato, não se mostra razoável conceder ao réu que respondeu o processo preso o direito de recorrer em liberdade, se lhe foi impingida pena privativa de liberdade. Some-se isso ao fato de que neste momento, com maior segurança para a prisão, há sentença penal condenatória contra o acusado.

 Por fim, permanecem hígidos os motivos que ensejaram a segregação cautelar, exceto no que tange à garantia da instrução criminal que já se encerrou.” (edoc. 10, p. 2, grifamos). (doc. 4, fl. 241) 

Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena total inferior a 5 (cinco) anos em regime inicial semiaberto pela prática dos crimes versados nos artigos 147 e 250§ 1º, inciso II, alínea ado CP , sendo-lhe negado o direito de recorrer em liberdade.

 Não obstante os fundamentos invocados para a custódia, o fato é que sua manutenção traduz verdadeiro constrangimento ilegal, na medida em que se impõe ao paciente, cautelarmente, regime mais gravoso a sua liberdade do que aquele estabelecido no próprio título penal condenatório para desconto da pena corporal, vale dizer, o regime semiaberto. 

Tenho, portanto, haver clara afronta ao princípio da proporcionalidade, o qual justifica a atuação do Supremo Tribunal Federal. Como se observa na jurisprudência da Corte, “[f]ixado o regime semiaberto, torna-se incompatível a manutenção da prisão preventiva, mormente porque, até a data do deferimento da medida cautelar, o paciente já teria cumprido, considerada a detração, 1 ano e 6 meses da pena em regime fechado (= prisão preventiva).

 Logo, sua manutenção no cárcere representaria, em verdade, desvincular o aspecto cautelar inerente à prisão preventiva e legitimar a execução provisória da pena em regime mais gravoso do que aquele fixado na própria sentença condenatória (= semiaberto).” (HC nº 118.257/PI, Segunda Turma, Rela. Min. Teori Zavascki, DJe de 6/3/14). 

Destaco também os seguintes precedentes: “HABEAS CORPUS – ATO INDIVIDUAL – ADEQUAÇÃO. O habeas corpus é adequado em se tratando de impugnação a ato de colegiado ou individual. PRISÃO PREVENTIVA – REGIME SEMIABERTO – INCOMPATIBILIDADE. A fixação, na sentença, do regime inicial semiaberto mostra-se incompatível com a negativa do direito de recorrer em liberdade, porquanto a manutenção da preventiva, cujo cumprimento dá-se no regime fechado, resulta na imposição, de forma cautelar, de sanção mais gravosa do que a imposta no próprio título condenatório” (HC nº 183.677/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 4/9/20). “Habeas corpus substitutivo de recurso extraordinário. Inadmissibilidade. Precedente da Primeira Turma. Flexibilização circunscrita às hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia. Ocorrência. Condenação em primeiro grau transitada para a acusação. Fixação de regime inicial semiaberto. Vedação ao direito de recorrer em liberdade. Incompatibilidade. Violação do princípio da proporcionalidade. Precedentes. Writ extinto, por inadequação da via eleita. Ordem concedida de ofício. 1. Impetração manejada em substituição ao recurso extraordinário, a qual esbarra em decisão da Primeira Turma, que, em sessão extraordinária de 16/10/12, assentou, no julgamento do HC nº 110.055/MG, Relator o Ministro Marco Aurélio, a inadmissibilidade do habeas corpus nessa hipótese. 2. Nada impede, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, quando do manejo inadequado do habeas corpus como substitutivo, analise a questão de ofício nas hipóteses de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia, o que ocorreu na espécie. 3. A vedação ao direito de recorrer em liberdade revela-se incompatível com o regime inicialmente semiaberto fixado na sentença penal condenatória, a qual se tornou imutável para a acusação em razão do trânsito em julgado. 4. A situação traduz verdadeiro constrangimento ilegal, na medida em que se impõe ao paciente, cautelarmente, regime mais gravoso a sua liberdade do que aquele estabelecido no próprio título penal condenatório para o cumprimento inicial da reprimenda, em clara afronta, portanto, ao princípio da proporcionalidade. 5. Writ extinto, por inadequação da via eleita. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para tornar definitiva a liminar concedida, no sentido de revogar-se a prisão preventiva do paciente nos autos do processo nº 0000229-07.2013.8.18.0008, mediante estabelecimento, pelo Juízo processante, de medidas cautelares diversas da prisão ( CPP, art. 319)” (HC nº 123.226/PI, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 17/11/14).

 Enfatizo, por outro lado, que a tentativa de se compatibilizar a custódia preventiva com o regime prisional semiaberto também caracteriza manifesta ilegalidade. Em caso análogo a este, o saudoso Ministro Teori Zavascki, com a proficiência que lhe era peculiar, destacou que, “[e]m que pese a nítida tentativa da decisão combatida na compatibilização da segregação cautelar com o regime prisional semiaberto fixado na condenação, sobreleva considerar que essa compreensão implicaria admitir-se verdadeira antecipação do cumprimento da pena sem a definição da responsabilidade criminal do acusado pelas instâncias ordinárias, em contraposição à recente orientação dada por esta Suprema Corte ao art. 5ª, LVII, da Constituição Federal (HC 126.292, Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki). 

Isso porque o aspecto cautelar próprio da segregação provisória, do que decorre o enclausuramento pleno do agente, não admite qualquer modulação para adequar-se a regime inicial mais brando definido em sentença condenatória superveniente. É dizer que a condenação precedida de cognição ampla dos fatos e provas da causa, sob o crivo do contraditório, constitui único meio hábil a impor a prisão pena, cumprida necessariamente no regime inicial compatível com o caso, em observância ao princípio da individualização da pena. 

A prisão preventiva, de natureza nitidamente instrumental, não pode se enquadrar nas regras decorrentes da individualização da pena do acusado, fruto de pronunciamento judicial exauriente” (HC nº 132.923/SC, Segunda Turma, DJe de 24/6/16 - grifos nossos). 

Ante o exposto, nego ao seguimento à impetração, mas concedo, de ofício, a ordem de habeas corpus, para revogar prisão preventiva do paciente, ficando o Juízo de origem autorizado, desde logo, a analisar a eventual necessidade de aplicação de medidas cautelares outras ( CPP, art. 319). Comuniquem-se, com urgência, pelo meio mais expedito, a autoridade coatora e TJSP, para que adotem todas as providências necessárias ao pronto cumprimento desta decisão. Publique-se. Brasília, 21 de março de 2024. Ministro DIAS TOFFOLI Relator Documento assinado digitalmente

(STF - HC: 239090 SP, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 21/03/2024, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 21/03/2024 PUBLIC 22/03/2024)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STF Maio24 - Nulidade do Processo Até o Recebimento da Denúncia - MP Não Juntou Todas as Provas - SV 14 do STF - Quebra da Cadeia de Custódia - Códigos HASHs Divergentes

STJ Abr24 - Quebra da Cadeia de Custódia - Prints de Mensagens do Whatsapp - Inadmissibilidade da Prova