STJ 2024 - Júri Anulado a pedido do MP no TJ: por Conta de A Defesa Juntar FAC e Ler em Plenário que o Réu Foi Despronunciado em Outros Processos ":Consagração da Plenitude de Defesa - Inexistência de Nulidades - Absolvição por Homicídio Restabelecida no STJ"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
RECURSO ESPECIAL Nº 2111337 - DF (2023/0421621-3)
DECISÃO
Considerando o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples (CNJ/Recomendação nº 144/2023 e CNJ/Resolução nº 376/2021), adoto o relatório de fl. 2267 (e-STJ):
Trata-se de recurso especial fundado na alínea a do art. 105, III, daCF, contra acórdão da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dosTerritórios, proferido no julgamento da Apelação Criminal n. 0711368-52.2021.8.07.0003.
O MP apelou, tendo o recurso sido provido para anular o julgamento.
Oacórdão proferido recebeu a seguinte ementa:
APELAÇÃO CRIMINAL. PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO DA ACUSAÇÃO. NULIDADE POSTERIOR À PRONÚNCIA. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO.
VIOLAÇÃO AO ART. 479 DO CPP. IRREGULARIDADE CONSIGNADA EM ATA.
JULGAMENTOANULADO.1. De acordo com o que dispõe o art. 479 do Código de Processo Penal, durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou aexibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedênciamínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.2. Tendo a defesa mencionado documento que se relaciona com o fatosubmetido a julgamento, não juntado aos autos no prazo previsto no art. 479, há que se reconhecer a nulidade do julgamento, pois a hipótesecaracterizou surpresa para a acusação, não observando o contraditório.3. Recurso conhecido e provido (f. 2.209).
A defesa, então, interpôs recurso especial, com fundamento na alínea a, doart. 105, III, da CF, em que alega que o acórdão recorrido violou o art. 479 do CPP, porque odocumento apresentado em plenário se tratava de decisão em recurso em sentido estrito quedespronunciou o recorrente em outro processo, documento cuja juntada não necessitaobservar o mencionado dispositivo. Defende que não houve irregularidade alguma naapresentação do documento e que apenas atualizou o plenário quanto à documentação juntadaanteriormente pela acusação (f. 2.232-2.244).
Contrarrazões do MPDFT, às f. 2.250-2.252.
O recurso foi admitido na origem (f. 2.255-2.256).
Vieram os autos ao MPF para parecer.
Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do recurso especial.
Decido.
O recurso especial é tempestivo e cabível, pois interposto em face de decisão que deu provimento ao recurso de apelação interposto na origem (art. 105, III, a, da Constituição Federal).
Saliente-se também que houve indicação expressa das alíneas com base na qual foi interposto, uma vez que sua ausência importaria o seu não conhecimento e a petição está devidamente assinada.
Foram também preenchidas as condições da ação, consistentes na legitimidade recursal, possibilidade jurídica do pedido e interesse em recorrer. O recurso interposto rebateu o fundamento apresentado na decisão recorrida, motivo pelo qual deve ser conhecido.
No mérito, o recurso merece ser provido.
O ministério público apelou da decisão absolutória do recorrente, alegando a existência de nulidade posterior à pronúncia em razão da leitura, pela defesa, de decisão que despronunciou o recorrente em processo diverso e cujo teor não havia sido apresentado, previamente, nos autos.
A alegada nulidade foi registrada em ata, na sessão de julgamento pelo júri, mas indeferida pelo juiz presidente:
"A defesa utilizou de documento referente à despronúncia do denunciado em processo em trâmite noutra jurisdição deste TJDFT, ao que se insurgiu o MP ao argumento de que não havia sido até então anexado ao processo. O Magistrado consignou não haver irregularidade alguma, pois se trata dedocumento devidamente publicizado, sem vinculação com os presentes fatos e amplamente disponível às partes a partir das folhas de antecedentes e depassagens já juntadas no processo. Reforce-se que o próprio MP anexou, nadata de ontem, igualmente outros processos referentes aodenunciado (jurisdição do TJPE), não havendo, respeitosamente, razão paraimpedir a anexação atualizada de feitos criminais já mencionados noprocesso. Não se trata de documento novo cuja juntada se deslegitima" (f.2.211).
O TJ/DFT reconheceu que a leitura do documento, não juntado aos autos, configurou ofensa ao art. 479 do CPP, com o seguinte argumento:
[...] Embora o Juízo de origem tenha considerado a ausência deirregularidade, em razão do documento ser público, não haver vinculaçãoaos fatos discutidos, bem como pela informação ser disponível às partes apartir das folhas de antecedentes e de passagens juntadas no processo, o entendimento não merece prosperar.
Isso porque, a folha de antecedentes do acusado constituidocumento informativo acerca da (in) existência de registros criminais emnome de alguém. Dela não é possível extrair o teor das decisões proferidasem cada um dos processos que ali sejam indicados, não podendo legitimareventual leitura, em Plenário, de documento que conste em um dosprocessos ali mencionados.
Além disso, deve-se considerar que a denúncia oferecida naqueles autosé expressa ao mencionar que "a arma de fogo usada pelo denunciado paramatar a vítima também foi utilizada na prática de outro homicídio, apuradonos autos da ação penal 0711368- 52.2021.8.07.0003, que tramita perante oTribunal do Júri de Ceilândia", isto é, que o instrumento utilizado para a (suposta) prática de homicídio pelo acusado naquele processo seria o mesmo (supostamente) usado nesta oportunidade, cujo teor encontra-se replicado noacórdão que proferiu a despronúncia do acusado, ora apelado.
Conquanto os feitos não sejam conexos, há informações do presenteprocesso consignados naquele outro, cuja decisão, favorável à defesa, foi, oportunamente, utilizada em Plenário sem que houvesse ciência prévia daparte contrária, nos moldes em que determina a Lei.
Por oportuno, consigne-se o teor do que dispõe o art. 479 do Códigode Processo Penal:Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documentoou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com aantecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.
Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura dejornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meioassemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida àapreciação e julgamento dos jurados.
Assim, o prejuízo à acusação torna-se evidente, mormente porque foilançadadúvida acerca da suficiência probatória relativa à autoria do acusado, situação considerada no julgamento.[...]Portanto, conclui-se que a apresentação, in casu, de documento não constantedos autos caracterizou surpresa para a acusação, não observando ocontraditório, sobretudo porque tal documento foi mencionado eapresentado aos jurados durante os debates (f.
2.211-2.213).
Contudo, o acórdão impugnado deve ser reformado, uma vez que fez uma exegese equivocada de todo o artigo 479 do CPP:
Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.
Parágrafo único. Compreende-se na proibição deste artigo a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados.
A defesa utilizou de documento referente à despronúncia do denunciado em processo em trâmite noutra jurisdição deste TJDFT (Ceilândia), contudo não há conexão entre o processo citado com o processo e os fatos que o recorrente se defende no presente feito.
A defesa, por outro lado, apenas atualizou em plenário a documentação anteriormente juntada pela acusação. É dizer, decisão de pronúncia já estava nos autos, a defesa atualizou com a apresentação do acórdão.
Verifico, assim, não haver irregularidade alguma, pois se trata de documento devidamente publicizado, sem vinculação com os presentes fatos e amplamente disponível às partes a partir das folhas de antecedentes e depassagens já juntadas no processo.
Outrossim, a antecedência mínima e a ciência à outra parte são exigidas apenas quanto aos elementos probatórios que possuam relação direta com os fatos submetidos ao Tribunal do Júri, o que não é o caso dos autos.
Nesse sentido:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. APRESENTAÇÃO DE REPORTAGENS EM PLENÁRIO. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO CONSTANTE NO ART. 479, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP. ALEGADA NULIDADE. MATÉRIA NÃO TRATA DO CASO DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1.
A exibição e leitura em plenário de reportagens genéricas acerca da violência policial não contraria o disposto no art. 479 do Código de Processo Penal, uma vez que, consoante dispõe seu parágrafo único, a antecedência mínima e a ciência à outra parte são exigidas apenas quanto aos elementos probatórios que possuam relação direta com os fatos submetidos ao Tribunal do Júri.
2. Não demonstrando a defesa que os documentos se relacionavam com os fatos sub judice, em observância ao princípio do pas de nullite sans grief, não há prejuízo a justificar a declaração de nulidade.
3. Desconstituir o acórdão recorrido para firmar entendimento em sentido contrário, reconhecendo que as reportagens se referiam diretamente aos fatos submetidos a julgamento, demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, o que esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.654.684/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 4/9/2018, DJe de 12/9/2018.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
HOMICÍDIO PRIVILEGIADO E QUALIFICADO POR EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. ESTRATÉGIA DESLEAL DA ACUSAÇÃO DE DESACREDITAR A DEFESA. RECONHECIMENTO. PREQUESTIONAMENTO.
EXISTÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. APRESENTAÇÃO DE REPORTAGENS EM REVISTAS E LIVRO EM PLENÁRIO. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO CONSTANTE NO ART. 479, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPP. ALEGADA NULIDADE. MATÉRIAS NÃO TRATARAM DO CASO DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. SUPOSTO EXCESSO ACUSATÓRIO.
ACUSAÇÃO. LAUDO NECROSCÓPICO. POSSÍVEL TORTURA. O PLEITO DA CONDENAÇÃO NÃO FOI POR HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO EMPREGO DE TORTURA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO PELA DEFESA. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO MANTIDO. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. PRECEDENTES. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A tese de utilização de estratégia desleal da acusação para desacreditar a defesa foi devidamente prequestionada. Inexistência de comprovação de prejuízo para a defesa. 2. A leitura de reportagens veiculadas em revistas e livro em plenário do Júri sem a anterior juntada aos autos não violou o art. 479, parágrafo único, do CPP, pois tais leituras não trataram especificamente do caso dos autos. Inexistência de prejuízo. Ademais, rever tal entendimento exige o revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, procedimento de todo inviável nesta instância recursal, a teor do enunciado n. 7 da Súmula/STJ. Precedentes.
3. O suposto "excesso acusatório" não encontra amparo, pois a acusação não postulou a condenação do acusado por homicídio qualificado pelo emprego de tortura. Prejuízo não configurado. 4.
Regime prisional mais gravoso mantido em face da presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis. Precedentes.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp n. 1.404.758/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 7/11/2017, DJe de 14/11/2017.)
Além disso, a defesa ao fazer referência a despronúncia do recorrente em outro processo está consagrando a plenitude de defesa, uma vez que os jurados decidem pela sua intima convicção.
Por fim, o ministério público juntou aos autos a folha de antecedentes do acusado, de modo que não era uma informação desconhecida pela acusação.
Nesse sentido, cito precedente dessa Corte que trata do tema:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO.MENÇÃO PELA ACUSAÇÃO DE INFORMAÇÃO DIVERSA DO CONTEÚDO DA FOLHA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. VIOLAÇÃO AO ART. 479. NÃO OCORRÊNCIA.NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. POSSIBILIDADE.AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Na hipótese, a defesa alega ofensa ao art. 479 do CPP, ao argumento de o que o Promotor trouxe informação nova aos autos durante os debates do Tribunal do Júri, qual seja, de que não teria ocorrido o trânsito em julgado da ação penal do delito de furto, conforme certificava a referida decisão, na medida em que havia recurso a ser julgado.
2. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, eventuais nulidades decorrentes da inobservância do art. 479 do Código de Processo Penal são de natureza relativa, exigindo, dessa forma, a demonstração de efetivo prejuízo em observância ao disposto no art. 563 do Código de Processo Penal que traz a máxima pas de nullité sans grief, o que não ocorreu in casu, pois, conforme delineado no acórdão impugnado não houve prejuízo à defesa, afastando, assim, o requisito surpresa, na medida em tinha conhecimento da situação processual do ora recorrente.
3. Inviável a análise quanto à ocorrência de efetivo prejuízo, nos termos delineado pela defesa, pois necessário o revolvimento da matéria fático-probatória, inviável na via estreita do writ.
4. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, mesmo após o advento do novo Código de Processo Civil, admite o emprego de motivação per relationem, a fim de evitar tautologia, reconhecendo que tal técnica se coaduna com o art. 93, IX, da Constituição Federal.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 529.220/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 1/9/2020, DJe de 8/9/2020.)
O STJ sedimentou o entendimento que quando "a folha de antecedentes do paciente foi juntada no processo em data bem anterior à sessão de julgamento, sendo colacionada posteriormente apenas a atualização daqueles dados. Não se verifica, portanto qualquer irregularidade"((HC n. 380.337/RJ, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 10/10/2017, DJe de 17/10/2017).
Ante o exposto, conheço e dou provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença absolutória do Conselho de Sentença.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 18 de julho de 2024.
Ministra Daniela Teixeira Relatora
(STJ - REsp: 2111337, Relator: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 23/07/2024)
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