STJ Jul24 - Corrupção - Lavagem - Utilização de Parte da Verba do SUS - Competência Exclusiva da Justiça Federal - Incompetência Declarada :Paciente Prefeito Municipal

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


HABEAS CORPUS Nº 925928 - CE (2024/0238010-1) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)

DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de FLÁVIOXXXXXXXXXXXXX, no qual se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO CEARÁ no Agravo Interno Criminal n. 5079065-12.2024.8.21.7000. Consta que o paciente, Prefeito eleito do Município de Amontada/CE, teve contra si diversas medidas cautelares concedidas em decisão proferida na Ação Cautelar Inominada Criminal n.º 0623663-47.2024.8.06.0000, proposta pelo Ministério Público do Estado do Ceará. Ação versa acerca de

suposta associação criminosa que teria atuado no Município de Amontada/CE entre janeiro de 2022 a março de 2023,formada pelas pessoas de Flávio CéXXXXXXXXXXXXsao, ora Paciente, RoivXXXXXXXeira Bruno, Js CXXXXXXPerea e AnXXXXXXXes, que supostamente atuava com a intermediação de repasses de pagamentos (propina) a vereadores aliados e desvio de verbas públicas de contratos de licitação, especialmente do Pregão Presencial n.º 032/2020.02/2020e Pregão Presencial n.º 25.11.01/2021.06/SRP/2021, relacionados com a aquisição de combustíveis destinados ao abastecimento da frota de veículos da Prefeitura de Amontada/CE, junto à empresa PostoXXXXXXXXX III Ltda -Me (fl. 06).

Consta que houve encontro fortuito de provas, decorrente do cumprimento de medidas cautelares deferidas no bojo da Operação Morrinhos, referente à Ação Cautelar n.º 0638716-39.2022.8.06.0000, que teve como alvos o Prefeito de Morrinhos/CE, Jerônimo Neto Brandão, e outros investigados, cuja autorização para compartilhamento consta nos autos do Pedido de Compartilhamento de Provas n.º 0622141-82.2024.8.06.0000. Assim, foram deferidas, no âmbito da Operação Vigilantia, as seguintes medidas cautelares em desfavor do paciente:

i) busca e apreensão; ii) quebra do sigilo telemático; iii) quebra do sigilo bancário e fiscal; e, iv) suspensão temporária da função pública de Prefeito de Amontada/CE pelo período de 180 (cento e oitenta) dias;v) proibição de frequentar as repartições públicas do Município de Amontada/CE pelo período de 180 dias; (vi) suspensão contratual de todos os contratos administrativos firmados pela empresa Posto Luar Do Sertão III Ltda –Me junto ao Município de Amontada/CE por 180 dias; (vii) impedimento da empresa Posto Luar Do Sertão III Ltda –Me de participar de licitações com o Município de Amontada/CE pelo prazo de 180; e, (viii) Bloqueio cautelar das contas correntes do Paciente (fls. 06/07).

O paciente interpôs agravo interno criminal, sustentando a ilegalidade das medidas cautelares, cujo pedido liminar foi negado pelo Tribunal a quo. Desta decisão, socorre-se a esta Corte Superior para requerer: agravo interno criminal, sustentando a ilegalidade das medidas cautelares, cujo pedido liminar foi negado pelo Tribunal a quo. Desta decisão, socorre-se a esta Corte Superior para requerer:

a) que o presente Habeas Corpus seja conhecido e recebido, como tal, em toda a sua extensão; b) a apreciação do pedido liminar, com o final deferimento do pedido, inaudita altera pars, com a revogação das medidas cautelares de afastamento da função pública e de proibição de acesso às repartições públicas de Amontada/CE, seguida da ordem de imediato retorno do Paciente ao exercício da função pública de Prefeito de Amontada/CE; c) no mérito, que seja concedida a ordem de habeas corpus para que seja reconhecida a ilegalidade (nulidade) de todos os atos decisórios até aqui praticados no presente caso, com o retorno do Paciente ao status quo ante, ou seja, da irrestrita liberdade, com a final confirmação da ordem liminar e, ainda, que sejam declaradas ilícitas todas as provas produzidas a partir do cumprimento dos atos decisórios e as delas derivadas, aplicando-se à espécie a teoria dos frutos da árvore envenenada e, por fim, que seja determinado o trancamento do PIC n.º 06.2024.00000487-5do Ministério Público Estadual (PROCAP) ante a absoluta incompetência da Justiça Estadual e do Ministério Público Estadual; d) subsidiariamente, que seja concedida a ordem de habeas corpus de ofício(art. 654, § 2º, do CPP), diante da ilegalidade das decisões da Autoridade Coatora; e) por fim, o seguimento do rito conforme o devido processo legal e comunicações processuais necessárias, inclusive do dia do julgamento, sob pena de nulidade.

 É o relatório.

DECIDO. De início, nos termos da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, em regra, não se admite a impetração de habeas corpus contra decisão que indefere a liminar na origem, sob pena de indevida supressão de instância, ressalvadas as hipóteses em que evidenciada decisão teratológica ou desprovida de fundamentação, o que parece, em caráter perfunctório, ser o caso dos autos quanto à fixação de competência da Justiça estadual para o julgamento do feito. No caso, foi demonstrado que a suposta malversação de verbas públicas tem origem em repasses do Governo Federal por meio do Sistema Único de Saúde – SUS (fls. 11, 18 e 19). Com relação à competência para julgamento de casos que envolvam verba de interesse da União, esta Corte Superior já decidiu:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS DO SUS. INCOMPETÊNCIA. RECONHECIMENTO. TEORIA DO JUÍZO APARENTE. AVALIAÇÃO DA VALIDADE DA PROVA. ATRIBUIÇÃO DO JUIZ FEDERAL. AGRAVO PROVIDO. 1. Conforme se percebe em pesquisa, na jurisprudência desta Corte, tem-se entendido, de maneira ampla, que os desvios de verbas do Sistema Único de Saúde - SUS - atrai a competência da Justiça Federal, tendo em vista o dever de fiscalização e supervisão do governo federal. 2. Não obstante o reconhecimento da incompetência do Juízo estadual, os atos processuais devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não aqueles atos até então praticados. Aplicação da Teoria do Juízo Aparente. 3. Agravo regimental provido, para reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Estadual e determinar a remessa do feito à Justiça Federal. (AgRg no RHC n. 156.413/GO, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe de 8/4/2022) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. FRAUDE À LICITAÇÃO. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. DESVIO DE VERBA PÚBLICA PROVENIENTE DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ACÓRDÃO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. SÚMULA 150/STJ. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O entendimento do acórdão recorrido não destoa da jurisprudência do STJ e do STF, no sentido da competência da Justiça Federal nos casos de desvio de recursos repassados pela União, como no caso, no qual se apura a realização de desvios de recursos do SUS, recebidos do Ministério da Saúde, por meio do Fundo Nacional de Saúde, os quais são fiscalizados pelo TCU. 2. Estando a decisão recorrida em consonância com o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, impõe-se a incidência da Súmula 83/STJ, a obstar o processamento do recurso especial. 3. A questão referente à incidência da Súmula 150/STJ foi suscitada apenas neste agravo regimental, caracterizando-se como indevida inovação recursal. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 1.733.014/MG, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 15/12/2020, DJe de 18/12/2020)

Assim, diante da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da demonstração de suposto desvio de verbas no âmbito do SUS, constatada está a competência da Justiça Federal. Não obstante reconhecer a incompetência do Juízo estadual, entendo que os atos processuais devem ser avaliados pelo Juízo competente, para que decida se valida ou não os atos até então praticados, aplicando-se a Teoria do Juízo Aparente no processo investigativo. Ante o exposto, defiro o pedido liminar em outra extensão para reconhecer a incompetência absoluta da Justiça estadual, determinando a remessa imediata do feito à Justiça Federal para análise das questões trazidas na impetração, bem como avaliar se convalida ou não os atos praticados, sendo certo que o Magistrado poderá acrescer outras cautelares necessárias, desde que devidamente justificadas. 

Comunique-se, com urgência, ao Tribunal a quo e ao Magistrado singular, enviando-lhes cópia da presente decisão. Solicitem-se informações pormenorizadas ao Juízo de primeira instância e ao Tribunal de Justiça do Estado Ceará, a serem prestadas, preferencialmente, pela Central do Processo Eletrônico - CPE do STJ, autorizado o fornecimento das senhas que se fizerem necessárias. Após, remetam-se os autos ao Ministério Público Federal para parecer, retornando em seguida para decisão. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 03 de julho de 2024

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 925928 - CE (2024/0238010-1) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP),  Publicação no DJe/STJ nº 3901 de 05/07/2024)

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