STJ Jul24 - Nulidade Absoluta do Processo Penal - Supressão da Fase do Art. 402 do CPP Juiz Cessou a Gravação da AIJ Antes de Oportunizar Requerimentos da Defesa

há 1 minuto

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 195639 - SC (2024/0105581-4)

RELATORA: MINISTRA DANIELA TEIXEIRA

DECISÃO

Trata-se de recurso em habeas corpus interposto em favor de N. L. S., em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal do Estado de Santa Catarina (Agravo Interno em HC n. 5000117-23.2024.8.24.0000/SC).

O recorrente alega que a audiência de instrução realizada por videoconferência, no dia 06/11/2023, diferentemente do que consta na Ata de Audiência juntada aos autos (e-STJ, fls. 13-14), não foi dada oportunidade à defesa de manifestar-se, na fase do art. 402 do Código de Processo Penal, quanto ao requerimento de diligências complementares.

Impetrado habeas corpus junto ao Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina, foi ele extinto sem julgamento de mérito conforme decisão assim ementada (e-STJ, fl. 30):

  1. Trata-se de habeas corpus com pedido liminar proposto por VALDECI SCHERNOVSKI em favor de N L S contra ato supostamente ilegal praticado pelo Juízo da Vara Criminal da Comarca de Navegantes que, nos autos da Ação Penal n. 55009227-97.2022.8.24.0135, declarou encerrada a instrução e concedeu prazo para alegações finais (ev. 326).
O impetrante alega nulidade processual "em razão do constrangimento ilegal sofrido, referente a não ter sido oportunizado manifestação quanto as diligências do art. 402 do CPP". Diante disso, busca sejam considerados "nulos todos os atos posteriores ao termo da audiência juntado no evento 326 dos autos de origem (...) E sejam os autos encaminhados para o juízo a quo para que seja determinada a intimação da defesa do ora paciente para apresentar manifestação com relação ao disposto no art. 402".
  1. O writ, adianta-se, não comporta conhecimento, posto que a matéria nele postulada - eventual nulidade processual e reabertura de prazo para manifestação quanto a diligências - não se compactua diretamente com a liberdade de ir, vir e ficar, objeto ínsito e restrito da ação constitucional, de sorte que, em juízo negativo de admissibilidade, a impetração não se mostra cabível.
  2. Ante o exposto, julga-se extinto o writ.

Irresignado, agravou a decisão junto ao TJSC que assim decidiu (e-STJ, fl. 67):

AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS - DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA QUE NÃO CONHECEU DA REMEDIAÇÃO - INCONFORMISMO DO IMPETRANTE. ALEGADO ENCERRAMENTO INDEVIDO DA INSTRUÇÃO SEM OPORTUNIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS - TEMA QUE NÃO GUARDA RELAÇÃO IMEDIATA COM A LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO - NÃO CONHECIMENTO IMPERATIVO DO WRIT - CONFIRMAÇÃO DA DECISÃO MONOCRÁTICA TERMINATIVA.
I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes (STJ, AgRg no RMS 61385/SP, rel. Min. Jesuíno Rissato [Des. convocado do TJDFT], j. 28.11.2022).
II - O extraordinário remédio constitucional de habeas corpus destina-se, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas, de sorte que, inexistindo risco efetivo à liberdade de ir e vir, não se reverbera pertinente o manejo do ímpar instrumento constitucional.
AGRAVO DESPROVIDO.

O recorrente alega, em síntese: a) que "ao contrário do que consta do termo da ausência, não foi dado oportunidade à defesa para manifestação quanto a diligências, conforme preceitua o art. 402 do CPP" (e-STJ, fl. 75);

b) que "Na audiência de instrução do dia 06/11/2023, após a conclusão do interrogatório do acusado, a instrução foi declarada encerrada e aberto prazo para alegações finais para o Ministério Público, e após a defesa" (e-STJ, fl. 75);

c) que "No próprio dia 06 logo após a conclusão da audiência, a defesa do acusado peticionou nos autos relatando os fatos que subsidiam o presente pedido de ordem (evento 325 da origem)" (e-STJ, fl. 75);

d) que "No vídeo é possível identificar que após o término do interrogatório, a magistrada que presidia 'o ato assim se manifestou, no minuto 57:09.00: “nada mais então, fica encerrado a instrução inclusive, e diante da complexidade aqui abro vista por memoriais, certo... 5 dias para o Ministério Público, e depois para a defesa, obrigada”'" (e-STJ, fl. 75);

e) que "Em razão da ausência da oportunidade, logo após a audiência, a defesa do acusado peticionou informando o equívoco, e pedido para que fosse reaberta a instrução do feito, tendo sido tal pedido ignorado, encaminhando-se os autos ao Ministério Público para alegações finais" (e-STJ, fl. 75).

Requer que seja concedida ordem para o reconhecimento das nulidades apresentadas e determinar o sobrestamento da marcha processual na origem, considerando nulos todos os atos posteriores ao termo da audiência juntado no evento 326 dos autos de origem e sejam os autos encaminhados para o juízo a quo para que seja determinada a intimação da defesa do ora paciente para apresentar manifestação com relação ao disposto no art. 402 do CPP.

As contrarrazões do Ministério Público estadual foram apresentadas opinando pela admissão do recurso, dado que estão presentes o interesse, a legitimidade da parte, sua adequação, assim como a tempestividade; entretanto, no mérito, opina pela sua improcedência (e-STJ fls. 86-89).

Em parecer, o MPF opinou pelo não conhecimento ou não provimento do recurso (e-STJ fls. 99-101).

É o relatório.

Decido.

Da análise dos autos, verifica-se que a matéria relativa à alegada nulidade decorrente da supressão da fase prevista no artigo 402 do Código de Processo Penal não foi apreciada no acórdão impugnado, o que inviabiliza o conhecimento do recurso sob pena de supressão de instância. Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. DECISÃO DE PRONÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE INDÍCIOS. ANÁLISE DE PROVAS. VIA INADEQUADA. EXCESSO DE PRAZO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONCESSÃO DE OFÍCIO DE ORDEM DE HABEAS CORPUS. OPÇÃO EXCLUSIVA DO RELATOR.
  1. O Tribunal de origem, com apoio na prova dos autos, em especial depoimentos testemunhais colhidos sob o crivo do contraditório, concluiu pela legalidade da pronúncia, uma vez que verificou indícios suficientes nesse sentido, inclusive indicando ser inconteste a materialidade, motivo pelo qual é aplicável o princípio do in dubio pro societate.
  2. "Sobre os indícios de autoria da prática do crime imputado ao Agravante, segundo estabelece o art. 413 do Código de Processo Penal, não se faz necessário, na fase de pronúncia, um juízo de certeza a respeito da autoria do crime, mas que o Juiz se convença da existência do delito e de indícios suficientes de que o réu seja o seu autor". (AgRg no HC n. 819.544/AM, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de 29/6/2023.)
  3. Tendo as instâncias de origem concluído no sentido de que o conjunto fático-probatório dos autos é suficiente para embasar a pronúncia, para se acolher a alegação de insuficiência probatória seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado em habeas corpus. Precedentes.
  4. No tocante ao alegado excesso de prazo da prisão decretada, verifica-se que a questão não foi analisada no acórdão recorrido. Desse modo, não debatida a questão pela Corte a quo, impedido fica o Superior Tribunal de Justiça de apreciar a matéria, sob pena de se incorrer em indevida supressão de instância.
  5. Quanto à concessão de ofício de ordem de habeas corpus, em que pese a possibilidade dessa opção de julgamento (art. 654, § 2º, do CPP), é necessário que haja flagrante ilegalidade, o que não se verifica no presente caso, sem falar que a concessão de habeas corpus, de ofício, é opção exclusiva do relator.
  6. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 821.781/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, j. em 13/11/2023, DJe de 16/11/2023) (destaque acrescentado).

Por outro lado, a concessão de ofício da ordem, nos termos dos arts. 647-A e 654, § 2º, do Código de Processo Penal, depende da existência de flagrante ilegalidade, a qual verifico no presente caso.

A fim de se analisar as alegações trazidas pelo impetrante, posto que a Ata de Audiência juntada aos autos informa que as partes não teriam requerido qualquer diligência complementar após o término da audiência de instrução, foi determinado, por esta relatora (e-STJ, fl. 103), o envio de senha de acesso aos autos da ação penal originária.

Trazidas informações pelo TJSC (e-STJ, fls. 108-114), se verificou, após acesso aos autos, que, de fato, não foi possibilitada às partes manifestação na fase do artigo 402 do CPP, tendo a audiência sido imediatamente encerrada após o interrogatório do paciente e concedido prazo para apresentação de alegações finais na forma de memoriais escritos. É o que se verifica do final da gravação juntada aos autos da ação penal n. 5009227-97.2022.8.24.0135/SC, no evento 323.

De fato, o encerramento da gravação foi abrupto e impossibilitou a manifestação de quaisquer dos sujeitos processuais na oportunidade. Mais do que isso, verifica-se, dos autos, que horas depois, no mesmo dia 06/11/2023, o impetrante juntou petição irresignando-se com o ocorrido e requerendo diligências complementares que entendia necessárias.

Ademais, ainda que seja ato discricionário da magistrada o deferimento ou não das diligências complementares requeridas na fase do artigo 402 do CPP (AgRg no AREsp n. 1.896.497/PR, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 24/5/2024; AgRg no RHC n. 142.093/PR, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 20/9/2021; HC n. 541.052/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/8/2020, DJe de 24/8/2020; HC 33.155/SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 22/10/2013, DJe de 5/11/2013) - cuja necessidade há que se originar de fatos e circunstâncias apuradas na instrução -, deve ser oportunizada a manifestação das partes, por previsão legal, a qual não pode ser suprimida.

Pelo todo exposto, indefiro liminarmente o recurso ordinário em habeas corpus, todavia, concedo a ordem de ofício a fim de sejam declarados nulos todos os atos realizados posteriormente à juntada da Ata de Audiência aos autos da ação penal n. 5009227-97.2022.8.24.0135/SC e que seja determinada a intimação do Ministério Público Estadual e da defesa do paciente na fase do artigo 402 do CPP, com a consequente retomada do rito processual regular.

Comunique-se, com urgência, o Tribunal de Justiça do estado de Santa Catarina e a Vara Criminal da Comarca de Navegantes/SC.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 16 de julho de 2024.

Ministra Daniela Teixeira

Relatora

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 195639 - SC (2024/0105581-4), RELATORA: MINISTRA DANIELA TEIXEIRA,  Publicação no DJe/STJ nº 3909 de 17/07/2024)

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