STJ Jul24 - Quebra da Cadeia de Custódia - Homicídio - Prints de Tela de Celular Sem Data e Hora e Sem Realização de Perícias do Aparelho :"Aparelho Do Paciente Já Não Funcionava Mais quando Levado ao Laboratório da Polícia Civil" - Desentranhamento de todas as informações e provas obtidas do celular

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


Inteiro Teor

HABEAS CORPUS Nº 900613 - MG (2024/0100156-1)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, sem pedido liminar, impetrado em favor de Nome e Nome contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que denegou a ordem postulada no HC n. 1.0000.24.062142-5/000.

Depreende-se dos autos que os pacientes foram pronunciados, no bojo da ação penal n. 0161982-16.2020.8.13.0024, pela suposta prática do delito tipificado no art. 121§ 2º, incisos I e IV, na forma do art. 29, ambos do Código Penal, visto que teriam participação na prática do crime de homicídio qualificado contra a vítima Nome, ocorrido em 3/11/2019. Nessa oportunidade, as prisões preventivas dos pacientes foram revogadas, ante a imposição de medidas cautelares alternativas (e-STJ fls. 15/35).

Contra essa decisão, houve a interposição de recurso em sentido estrito em favor dos pacientes e da corré Nome.

Contudo, em sessão de julgamento realizada no dia 5/4/2022, o Tribunal de origem, à unanimidade, negou provimento ao recurso, em acórdão assim ementado (e-STJ fl. 36):

EMENTA: RECURSO EM S

ENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - PRELIMINAR DE NULIDADE DO INQUÉRITO - INOCORRÊNCIA - IMPRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE - INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADOS - EXAME APROFUNDADADO DO MÉRITO A CARGO DO TRIBUNAL DO JÚRI - RECURSO NÃO PROVIDO. Rejeita-se a alegada nulidade da sentença de pronúncia que além de atender as exigências do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, e 413 e seguintes, do CPP, ao prolatá-la, o d.
Magistrado pautou-se com comedimento e sobriedade, em elementos dos autos para comprovar sua fundamentação. Verificados nos autos elementos que comprovem a materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria do crime de homicídio, mostra-se correta a sentença de pronúncia, a fim de que seja entregue ao Tribunal do Júri a análise do crime doloso contra a vida.

Após, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte local, aduzindo a nulidade em razão da suposta utilização de prova ilícita, sob o argumento de que foi utilizado conteúdo extraído do aparelho celular do corréu Nome, inacessível à perícia técnica, sendo impossível aferir a real existência e integridade das mensagens, assim como o exato contexto em que foram enviadas.

Contudo, o Tribunal de origem, à unanimidade, denegou a ordem, em acórdão assim ementado (e-STJ fl. 131):

EMENTA: HABEAS CORPUS - HOMICIDIO - IMPRESTABILIDADE DA PROVA - ADENTRAMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO INCOMPATÍVEL COM A VIA ESTREITA DO WRIT - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. A estreita via do remédio constitucional não comporta o exame de questões que demandam profunda análise do conjunto fático-probatório da ação penal.

No presente habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, a defesa reitera a tese de que a decisão de pronúncia está maculada pela utilização de prova ilícita, que não observou a cadeia de custódia da prova.

Segunda a inicial, após a decisão de pronúncia, ainda na fase de preparação do processo para julgamento em Plenário do Júri (arts.422 e 423 do CPP), a defesa, "pleiteou 'a juntada do RELATÓRIO CELLEBRITE dos celulares indicados no RELATÓRIO CIRCUNSTANCIADO DE INVESTIGAÇÃO de fls. 213/226', pedido este que - com a concordância do MP - foi prontamente deferido pela AUTORIDADE COATORA, coma expedição de ofício à Polícia Civil para a remessa do material" (e-STJ fl. 4).

Contudo, "veio aos autos, precisamente dia 14/3/2023, a informação do INSTITUTO DE CRIMINALÍSTICA DA POLÍCIA CIVIL DE MG de que não foi possível acessar o conteúdo das mensagens do celular do apontado autor do crime Nome, atestando, portanto, a perda do material a ser periciado" (e-STJ fl. 4).

Por tal motivo, a aduz que a "persecução penal em desfavor dos PACIENTES está - ao menos parcialmente - maculada por prova imprestável e irregular, vez que não há como aferir a real existência e integridade das mensagens e extrair o exato contexto em que foram enviadas" (e-STJ fl. 06), mormente tendo em vista que, "tais supostas mensagens revelam-se como fundamentais para justificar a eventual participação moral do PACIENTES no crime, tanto é assim que foram expressamente citadas e transcritas na pronúncia como elemento de convencimento, conforme demonstrado" (e-STJ fl. 9).

Ademais, assevera que, "tratando-se de procedimento do Tribunal do Júri, não há dúvidas de que a menção expressa na pronúncia a uma prova irregular, sem autenticidade comprovada e com baixíssimo grau de fiabilidade, revela-se especialmente gravosa, considerando que uma cópia da decisão deve ser entregue ao corpo de jurados leigos logo no início da sessão plenária (art. 472parágrafo único, do CPP), isso sem falar no amplo acesso do Conselho de Sentença aos autos (art. 480, caput e § 3º, do CPP), com inegável influência direta sobre o resultado do julgamento" (e-STJ fl. 7).

Ao final, pugna pela "concessão da ordem de habeas corpus para - sanando-se o constrangimento ilegal - se declarar a nulidade da pronúncia e a imprestabilidade da prova consistente nas mensagens supostamente obtidas no celular de Nome, determinando-se, por consequência, a exclusão dos autos de toda e qualquer referência a tais mensagens" (e-STJ fl. 9).

Sem pedido liminar, esta relatoria solicitou informações às instâncias ordinárias (e-STJ fl. 144).

As informações foram prestadas pela autoridade apontada como coatora (e-STJ fls. 148/171) e pelo Juízo do 1º Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte/MG (e-STJ fls. 172/322), ressaltando que, atualmente, o processo aguarda a realização da sessão de julgamento designada para o dia 27/8/2024.

O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão parcial da ordem, de ofício, a fim de que, mantida a decisão de pronúncia, seja reconhecida a ilicitude da prova consistente no diálogo extraído do celular do corréu executor, com o seu consequente desentranhamento dos autos, em parecer assim ementado (e-STJ fl. 328):

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS COMO SUBSTITUTIVO DE RECURSO CABÍVEL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ILICITUDE DE PROVA INDICADA NA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ACESSO A CONTEÚDO EXTRAÍDO DE APARELHO TELEFÔNICO. QUEBRA DE CADEIA DE CUSTÓDIA EVIDENCIADA. NECESSIDADE DE DESENTRANHAMENTO DA PROVA DOS AUTOS. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA. PRESENÇA DE PROVAS INDEPENDENTES. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO WRIT, MAS PELA CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. No caso concreto, um dos elementos probantes utilizados para pronunciar os Pacientes foi o diálogo extraído do telefone do corréu suposto executor do delito, conteúdo o qual se tornou inacessível pela perícia técnica;
3. Logo, tal situação evidencia a impossibilidade de comprovação da autenticidade e integridade da prova, em verdadeira quebra dacadeia de custódia (arts. 158-A e seguintes do Código de ProcessoPenal), o que exige, por consequência, a necessidade de declaraçãode ilicitude da prova e seu desentranhamento dos autos, nos termos do art. 157 do CPP;
4. Nada obstante, havendo conteúdo probatório independente e suficiente para sustentar a pronúncia, não é o caso de declarar-se a nulidade da decisão, devendo, pois, ser mantida a determinação de submissão dos Pacientes a julgamento perante o Tribunal do Júri;
5. Parecer pelo pelo NÃO CONHECIMENTO do habeas corpus, mas pela CONCESSÃO PARCIAL da ordem, de ofício, a fim de que, mantida a decisão de pronúncia, seja reconhecida a ilicitude da prova consistente no diálogo extraído do celular do corréu executor, com o seu consequente desentranhamento dos autos.

É o relatório. Decido.

O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe de 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra Nome, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJe de 28/2/2014.

Mais recentemente: STF, HC n. 147.210-AgR, Relator Ministro Nome, DJe de 20/2/2020; HC n. 180.365-AgR, Relatora Ministra Nome, DJe de 27/3/2020; HC n. 170.180-AgR, Relatora Ministra Nome, DJe de 3/6/2020; HC n. 169.174-AgR, Relatora Ministra Nome, DJe de 11/11/2019; HC n. 172.308- AgR, Relator Ministro Nome, DJe de 17/9/2019 e HC n. 174184-AgRg, Relator Ministro Nome, DJe de 25/10/2019. STJ: HC n. 563.063-SP, Relator Ministro Nome, Terceira Seção, julgado em 10/6/2020; HC n. 323.409/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro Nome, Terceira Seção, julgado em 28/2/2018, DJe de 8/3/2018; HC n. 381.248/MG, Relator p/ acórdão Ministro Nome, Terceira Seção , julgado em 22/2/2018, DJe de 3/4/2018.

Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.

Busca-se, na presente impetração, a declaração de nulidade da pronúncia dos pacientes, determinando-se, por consequência, a exclusão no feito de toda e qualquer referência de mensagens supostamente enviadas pelo celular apreendido em posse do corréu Nome. Segunda a defesa, uma vez que não foi possível acessar o conteúdo do referido aparelho, a utilização do teor das conversas interceptadas pelo corréu Nome seria nula.

Rememorando o caso dos autos, colhe-se das informações prestadas pelo Juízo de primeiro grau que (e-STJ fls. 173/174):

[...]
Na data de 05/04/2022. o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, negou provimento ao Recurso em Sentido Estrito, conforme Acórdão prolatado aos ID's 9596686618 e 9596686619.
Referido Acórdão transitou em julgado aos 18/05/2022 (certidão de ID 9596686619 - Pág. 6). Após, os autos foram remetidos a esta Presidência do Tribunal do Júri, que determinou a abertura de vista às partes para se manifestarem na conformidade do art. 422 do CPP (ID 9596686620 - Pág. 1).
Depreende-se dos autos que a Defesa dos pacientes manifestou ao ID's 9596686620 e 9596686620, acerca do cumprimento do disposto no artigo 422 do CPP. Nesta oportunidade. os doutos causídicos apresentaram o rol de testemunhas e requereram diligências, dentre elas, a remessa da perícia denominada "Relatório Cellebrite - dos celulares apreendidos, conforme REDS de ID 9596663760 - Pág. II e ID 9596663760 - Pág. 28.
Em seguida, a Defesa requereu que fosse concedida autorização para que os pacientes pudessem exercer o seu direito e cumprir o dever cívico de voto (1D 9613083089).
Na ocasião, o ilustre representante do Parquet, não se opôs ao pedido (ID 9618295930).
Ato seguinte, o processo foi relatado nos termos do art. 423 do CPP, tendo sido designada a Sessão de Júri dos pacientes para a data de 24/01/2023. Nesta oportunidade. foi deferido parcialmente o pedido de autorização para que os pacientes fossem até seus respectivos locais de votação, mantendo as demais medidas cautelares impostas.
Ressalta-se que foram deferidas as diligências postuladas pelas partes, inclusive o encaminhamento da perícia nos celulares apreendidos (II) 9619134487).
Na data de 10/10/2022. tendo em vista a necessidade de readequação da pauta de julgamento, bem como as prioridades elencadas no art. 429 do CPP, a Sessão de Julgamento foi adiada e redesignada para o dia 08/05/2024 ás 08h20min, conforme decisão proferida por esta Presidência do Júri (ID 9625082447).
Durante o cumprimento dos atos necessários para a realização da Sessão de Julgamento, sobreveio o laudo pericial acerca dos aparelhos telefônicos apreendidos, realizado pelo Instituto de Criminalística (ID 9752268425).
Logo após, a Defesa dos pacientes requereu, através da petição acostada em ID 10150135887 e reiterada em ID 10155405594, pela exclusão no feito de toda e qualquer referência de mensagens supostamente enviadas pelo celular apreendido em posse do correu Nome.
No pedido supra, os doutos defensores alegaram que diante da conclusão apresentada no laudo pericial de ID 9596686620, através do qual foi verificado que não foi possível acessar o conteúdo do aparelho apreendido. a utilização do teor das conversas interceptadas pelo referido correu Nome, presentes no Relatório Circunstanciado de Investigação de ID 9596663760, seria nula.
Ouvido, o Ministério Público manifestou-se pelo indeferimento do requerimento defensivo (ID 10155073589).
Aos 30/01/2024, o pedido defensivo foi indeferido por esta Presidência do Tribunal do Júri, em concordância com o parecer ministerial e por não vislumbrar a ocorrência de nulidade no feito capaz de ensejar macular a marcha processual (ID 10155626702). - negritei.

O Tribunal de origem, por sua vez, manifestou sobre a matéria da seguinte forma (e-STJ fls. 133/137):

[...]
É o relatório.
Passo ao voto.
Pois bem.
Em primeiro lugar, cediço que o habeas corpus se configura como um remédio constitucional de cognição sumária, ou seja, não implica em exame aprofundado da prova, por sua natureza ser incompatível, sendo a cognição pautada em juízo de verossimilhança em um rito com estreitos limites.
Dentro desse enfoque, indubitável que no caso em comento, em sede de impetração, não são cabíveis grandes digressões acerca da arguição de imprestabilidade da prova, vez que para de fato averiguar a ocorrência de alegada irregularidade em tal elemento de convicção seria necessária minuciosa análise da ação principal, o que mais uma vez reforço ser incabível nesta via eleita.
Ademais, em um estudo perfunctório dos autos, verifico que não se trata de expressa e inequívoca nulidade processual, mas sim de questão tangível à eficácia da prova ocorrida quando do inquérito policial, desprovido de formidades sacramentais.
Outrossim, notório que a ação penal não se fundamentou de forma única e exclusiva no citado conteúdo extraído de maneira preliminar do aparelho celular apreendido, tendo embasamento em demais elementos de prova suficientes à sustentação, como depoimentos de testemunhas, interrogatório dos réus, declarações prestadas à autoridades policiais e outras diversas provas documentais, certamente aptas a motivar o livre convencimento do magistrado singular.
Nesse contexto, imperioso ressaltar ainda que consoante informações prestadas pelo magistrado de primeira instância (documento de ordem nº 16) atualmente o processo encontra-se aguardando a realização de Sessão e Julgamento designada para o dia 08/05/2024 às 08h20min.
Ora, certo é que na ocasião da realização da referida audiência, a tese de ausência de integridade, autenticidade e fiabilidade dos materiais anteriormente extraídos e inacessíveis à perícia, poderão ser oportunamente arrazoados, em momento cujo será plenamente assegurado o direito a ampla defesa, assim como a total liberdade a formação dialógica do debate.
Isso porque apesar de o julgamento ocorrer de forma sequencial, certamente os jurados são os destinatários finais de todas as provas produzidas, estas que valoradas em plenário, visam alcançar a íntima convicção justamente dos integrantes do Conselho de Sentença.
Dessa forma, restrita é ao Tribunal do Júri a competência pela busca da verdade real, sendo também a tal órgão cabível ou não a exclusão probatória.
Adicionalmente, enfatizo que a alegação em comento já havia sido exposta em instância inferior, eventualidade na qual o magistrado de primeiro grau explanou (documento de ordem nº 41):
"(...) Inicialmente, em relação ao requerimento de declaração de nulidade absoluta do feito, razão não assiste à Defesa.
Isso porque, nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal, "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuizo para a acusação ou para a defesa".
No pedido em análise, observa-se que a Defesa não logrou êxito em comprovar a existência de real prejuizo apto a gerar a decretação de nulidade do feito, tão pouco ensejar o desentranhamento requerido.
Em que pese o Laudo de análise do conteúdo do aparelho celular, somente ter aportado aos autos em 14/03/2023 (ID 9752268425), referida pericia foi requisitada durante a primeira fase da instrução criminal (ID 9596670292 -Págs. 10/17).
Cumpre-me esclarecer que as nulidades previstas no Código de processo Penal dizem respeito somente aos atos praticados durante o curso do processo, não alcançando aqueles realizados durante a fase de inquérito, que não são aptos a causar a anulação do processo penal.[...]
Assim sendo, verifica-se que o requerimento defensivo diz respeito a atos processuais realizados na primeira fase do procedimento do Tribunal do Júri, que se encontra preclusa, conforme depreende-se da certidão de trânsito em julgado acostada em ID 9596686619 - ??g. 6.
Noutro giro, incumbe-me destacar que durante a apresentação das Alegações finais, a Defesa, de forma preliminar, requereu a anulação do feito a partir da fase inquisitorial, conforme infere-se do ID 9596670292 - Págs, 10/17, sob a alegação de que a quebra de sigilo telemático dos celulares apreendidos e as conversas interceptadas ocorreram em desacordo com a autorização judicial constante nos autos.
Infere-se da Sentença de Pronúncia, que o Juízo Sumariante rejeitou a preliminar arguida pela Defesa, sob o fundamento de que não foi verificada a existência de prejuízo efetivo, para os acusados, vez que a prova foi devida e judicialmente autorizada, motivo pelo qual, não promove vicio capaz de anulara ação penal (ID 9596671263).
O processo é uma marcha avante que não pode sofrer retrocessos imotivados. Deste modo, por não vislumbrar a ocorrência de nulidade no feito a macular a marcha processual e em concordância com o parecer ministerial. INDEFIRO os pleitos defensivos formulados na petição de ID 10150135887. (...)"Com efeito, reforço o entendimento de que não é o habeas corpus meio adequado para desconstituir o entendimento das instâncias originárias, soberanas em matéria fática sobre a prestabilidade probatória.
(...)
Mediante todo o exposto, e ausente o alegado constrangimento ilegal passível de justificar a concessão do writ, DENEGO A ORDEM. - negritei.

Como é de conhecimento, A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a cadeia de custódia consiste no caminho idôneo a ser percorrido pela prova até sua análise pelo expert, de modo que a ocorrência de qualquer interferência indevida durante sua tramitação probatória pode resultar em sua imprestabilidade para o processo de referência. Precedente. (AgRg no HC n. 771.217/SP, relator Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024).

Na hipótese dos autos, verifica-se que a Corte local, em síntese, limitou-se a argumentar que" a tese de ausência de integridade, autenticidade e fiabilidade dos materiais anteriormente extraídos e inacessíveis à perícia, poderão ser oportunamente arrazoados ", durante a sessão plenária, atualmente designada para o dia 27/8/2024.

Contudo, a tese de ilicitude de prova constante da decisão de pronúncia, diante da suposta impossibilidade de verificação de integridade e autenticidade, não deve ser restrita à análise do Tribunal do Júri, desde que alegada oportunamente, na fase do nos termos dos arts. 422 e 423 do CPP, assim feito pela defesa na origem.

E, conforme apontado na inicial deste habeas corpus, o Instituto de Criminalística da PCMG, por meio do Laudo de análise do conteúdo do aparelho celular (e-STJ fl. 288), informou que não foi possível acessar o conteúdo das mensagens do celular do apontado executor do crime de homicídio, corréu Nome, uma vez que o aparelho não ligava, mesmo após longo período de tentativa de carregamento da bateria, sendo impossível, portanto, aferir a real existência e integridade das mensagens, assim como o exato contexto em que foram enviadas.

Noutras palavras, uma vez que esse material se tornou inacessível à perícia técnica - em especial diversos prints de telas de conversas de WhatsApp, sem a indicação de data e hora das mensagens apresentadas, e sem a mínima comprovação de autenticidade e integridade - deve ser desentranhado dos autos, nos termos do art. 157 do CPP.

Em semelhantes hipóteses, destaco os recentes julgados do STJ:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE CELULAR. EXTRAÇÃO DE DADOS. CAPTURA DE TELAS.QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INADMISSIBILIDADE DA PROVA DIGITAL.AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. O instituto da cadeia de custódia visa a garantir que o tratamento dos elementos probatórios, desde sua arrecadação até a análise pela autoridade judicial, seja idôneo e livre de qualquer interferência que possa macular a confiabilidade da prova.
2. Diante da volatilidade dos dados telemáticos e da maior suscetibilidade a alterações, imprescindível se faz a adoção de mecanismos que assegurem a preservação integral dos vestígios probatórios, de forma que seja possível a constatação de eventuais alterações, intencionais ou não, dos elementos inicialmente coletados, demonstrando-se a higidez do caminho percorrido pelo material.
3. A auditabilidade, a repetibilidade, a reprodutibilidade e a justificabilidade são quatro aspectos essenciais das evidências digitais, os quais buscam ser garantidos pela utilização de metodologias e procedimentos certificados, como, e.g., os recomendados pela ABNT.
4. A observação do princípio da mesmidade visa a assegurar a confiabilidade da prova, a fim de que seja possível se verificar a correspondência entre aquilo que foi colhido e o que resultou de todo o processo de extração da prova de seu substrato digital. Uma forma de se garantir a mesmidade dos elementos digitais é a utilização da técnica de algoritmo hash, a qual deve vir acompanhada da utilização de um software confiável, auditável e amplamente certificado, que possibilite o acesso, a interpretação e a extração dos dados do arquivo digital.
5. De relevo trazer à baila o entendimento majoritário desta Quinta Turma no sentido de que"é ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia"(AgRg no RHC n. 143.169/RJ, relator Ministro Nome, relator para acórdão Ministro Nome, Quinta Turma, DJe de 2/3/2023).
6. Neste caso, não houve a adoção de procedimentos que assegurassem a idoneidade e a integridade dos elementos obtidos pela extração dos dados do celular apreendido. Logo, evidentes o prejuízo causado pela quebra da cadeia de custódia e a imprestabilidade da prova digital.
7. Agravo regimental provido a fim de conceder a ordem de ofício para que sejam declaradas inadmissíveis as provas decorrentes da extração de dados do celular do corréu, bem como as delas decorrentes, devendo o Juízo singular avaliar a existência de demais elementos probatórios que sustentem a manutenção da condenação.
(AgRg no HC n. 828.054/RN, relator Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 23/4/2024, DJe de 29/4/2024.) - negritei.
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORNOGRAFIA INFANTIL. ART. 241-B DO ECA. DADOS EXTRAÍDOS DE APARELHOS ELETRÔNICOS SEM O MENOR RIGOR TÉCNICO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. INADMISSIBILIDADE DA PROVA. PRECEDENTE DESTE COLEGIADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A principal finalidade da cadeia de custódia, enquanto decorrência lógica do conceito de corpo de delito (art. 158 do CPP), é garantir que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal correspondem exatamente àqueles arrecadados pela polícia, examinados e apresentados em juízo. Isto é: busca-se assegurar que os vestígios são os mesmos, sem nenhum tipo de adulteração ocorrida durante o período em que permaneceram sob a custódia do Estado.
2. A falta de documentação mínima dos procedimentos adotados pela polícia no tratamento da prova extraída de aparelhos eletrônicos, bem como a falta de adoção das práticas necessárias para garantir a integridade do conteúdo, torna inadmissível a prova, por quebra da cadeia de custódia. Entendimento adotado por esta Quinta Turma no julgamento do AgRg no RHC 143.169/RJ, de minha relatoria, DJe de 2/3/2023.
3. Como decidimos naquela ocasião,"é ônus do Estado comprovar a integridade e confiabilidade das fontes de prova por ele apresentadas. É incabível, aqui, simplesmente presumir a veracidade das alegações estatais, quando descumpridos os procedimentos referentes à cadeia de custódia. No processo penal, a atividade do Estado é o objeto do controle de legalidade, e não o parâmetro do controle; isto é, cabe ao Judiciário controlar a atuação do Estado-acusação a partir do direito, e não a partir de uma autoproclamada confiança que o Estado-acusação deposita em si mesmo".
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.342.908/MG, relator Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 26/2/2024.) - negritei.

Noutro lado, embora a defesa aponte que tais supostas mensagens revelam-se como fundamentais para justificar a eventual"participação moral"dos pacientes no crime em apuração, cumpre ressaltar, conforme bem apontado pelo Ministério Público Federal, que, havendo conteúdo probatório independente e suficiente para sustentar a pronúncia, não é o caso de declarar-se a nulidade da decisão, devendo, pois, ser mantida a determinação de submissão dos pacientes a julgamento perante o Tribunal do Júri.

Nesse viés, colhe-se do parecer do MPF, que acolho como razões de decidir: nada obstante a necessidade de ser reconhecida a ilicitude da prova, observa-se com clareza e sem a necessidade de incursão probatória, que a decisão de pronúncia fundou-se em diversas outras provas independentes do conteúdo extraído do celular do corréu executor do crime. A propósito, essa conclusão é facilmente extraída pelo fato de o Juízo a quo, ao fazer referência aos diálogos mencionados, fazer uso da expressão" aliados aos demais elementos de convicção ", o que comprova a presença de acervo probatório independente para demonstrar indícios de autoria criminosa. Ainda, não restou evidenciado qualquer indicação de provas ilícitas por derivação, ou seja, de que as demais provas constantes da pronúncia tiveram como origem o diálogo extraído do celular do corréu executor. 

Dessa maneira, havendo conteúdo probatório independente e suficiente para sustentar a pronúncia, não é o caso de declarar-se a nulidade da decisão, devendo, pois, ser mantida a determinação de submissão dos Pacientes ao Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente previsto para julgar os crimes dolosos contra a vida (e-STJ fl. 339).

No mesmo sentido, a própria Corte local havia consignado, no julgamento do writ originário, que: [...] notório que a ação penal não se fundamentou de forma única e exclusiva no citado conteúdo extraído de maneira preliminar do aparelho celular apreendido, tendo embasamento em demais elementos de prova suficientes à sustentação, como depoimentos de testemunhas, interrogatório dos réus, declarações prestadas à autoridades policiais e outras diversas provas documentais, certamente aptas a motivar o livre convencimento do magistrado singular (e-STJ fl. 133).

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, contudo, concedo a ordem, de ofício, para, mantida a decisão de pronúncia, determinar o desentranhamento de todas as informações e provas obtidas da extração dos dados do aparelho celular do corréu Nome, nos termos do art. 157 do Código de Processo Penal.

Comunique-se, com urgência, ao Tribunal local e ao Juízo de primeiro grau.

Intimem-se.

(STJ - HC: 900613, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 25/07/2024)

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