STJ Jul24 - Revogação de Medida Protetiva - Lei Mª da Penha - Fundamento Inidôneo :(i) falta contemporaneidade das medidas protetivas, (ii) desajuste emocional e ansiedade da vítima não servem de fundamento;(iii)"violência psicológica" não representa fundamentação idônea para a restrição do direito de ir e vir

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 199671 - PB (2024/0220011-9) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA

DECISÃO Trata-se recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de liminar, interposto por DAXXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (HC n. 0807903-25.2024.8.15.0000). 

Noticia a defesa que foram estabelecidas medidas protetivas em desfavor do recorrente, pelo Magistrado de primeiro grau, dentre elas (e-STJ fls. 17/20): a) Afastamento, de no mínimo, 01 (um) quarteirão do domicílio da vítima (art. 22, inc. II, Lei nº 11.340/06); b) Não se aproximar da vítima, inclusive em seus locais de trabalho, de quem deve manter uma distância mínima de 200 metros (art. 22, inc. III alínea “a”, Lei nº 11.340/06); c) Não manter contato com a vítima e seus familiares por qualquer meio de comunicação, inclusive ligações e mensagens por Whatsapp (art. 22, inc. III, alínea “b”, Lei nº 11.340/06); d) Não frequentar os locais em que a vítima esteja, como bares, clubes, espaços de lazer, enfim, estabelecimentos em geral, a fim de preservar a integridade física e psicológica desta. Caso constate a presença da ofendida, o acusado deverá se retirar imediatamente do local (art. 22, inc. III, alínea “c”, Lei nº 11.340/06). 

 com os termos das medidas protetivas e afirmando estarem eles obstando a convivência entre o recorrente e o filho comum do casal, a defesa impetrou habeas corpus perante a Corte de origem. A ordem, contudo, foi denegada, recebendo o acórdão a seguinte ementa (e-STJ fl. 66):

 HABEAS CORPUS. MEDIDAS PROTETIVAS. PEDIDO DE AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO CONCRETA QUE EVIDENCIA NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DENEGAÇÃO. - Considerando que não foram apresentados elementos que evidenciem a necessidade de revogar as medidas protetivas de urgência concedidas, não há na decisão questionada nenhuma irregularidade evidente que justifique um constrangimento ilegal que seja suficiente para conceder o pedido por meio deste procedimento sumaríssimo. 

Na presente oportunidade, a defesa sustenta, em síntese, a ilegalidade das medidas protetivas, sem fundamentação idônea, notadamente porque não há indícios de violência e as cautelas foram decretadas após 3 (três) anos e 7 (sete) meses da suposta data dos fatos (julho/2021). 

Afirma que as mensagens de Whatsapp enviadas pelo recorrente evidenciam apenas preocupação para com os cuidados do filho (de 3 anos), não havendo qualquer evidência de violência ou constrangimento à vítima. Pondera ser inconteste que a vítima possui transtorno de ansiedade generalizada, o que é causa de instabilidade e desproporções inverídicas. 

Destaca que o recorrente é primário, com bons antecedentes, sempre cuidou do filho com todo carinho, e as medidas protetivas estão sendo utilizadas para obstruir o direito de convivência do genitor não guardião com seu filho. Diante disso, requer, em liminar, a suspensão da "eficácia da decisão que deferiu as medidas protetivas de urgência, a título precário, até o julgamento do mérito do presente recurso, por ser de inteira Justiça".

 No mérito, pede a concessão da ordem "para o efeito de reconhecer a ilegalidade das medidas cautelares e determinar a imediata cassação delas" (e-STJ fl. 105).

 Deferido o pedido liminar para (i) suspender a eficácia da medida protetiva imposta ao paciente na alínea a; (ii) autorizar o contato do paciente com pessoa indicada pela vítima, para tratar dos assuntos referentes ao filho (e-STJ fls. 112/118), o Ministério Público Federal manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, nos termos da liminar deferida, em parecer assim ementado (e-STJ fls. 126/133):

 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. VIAS DE FATO (ART. 21 DA LCP) E DANO EMOCIONAL À MULHER (ART. 147-B DO CP). APLICAÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. RISCO À INTEGRIDADE PSICOLÓGICA DA VÍTIMA. DESPROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS. INTERFERÊNCIA NO CONVÍVIO DO RECORRENTE COM O FILHO. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO. PARECER PELO CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO, PARA COMPATIBILIZAR AS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA COM O DIREITO DO RECORRENTE AO CONVÍVIO COM O FILHO, DE ACORDO COM A LIMINAR DEFERIDA.

 É o relatório. Decido. 

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso. A defesa pleiteia a revogação das medidas protetivas impostas em desfavor do recorrente, a saber: a) Afastamento, de no mínimo, 01 (um) quarteirão do domicílio da vítima (art. 22, inc. II, Lei nº 11.340/06); b) Não se aproximar da vítima, inclusive em seus locais de trabalho, de quem deve manter uma distância mínima de 200 metros (art. 22, inc. III alínea “a”, Lei nº 11.340/06); c) Não manter contato com a vítima e seus familiares por qualquer meio de comunicação, inclusive ligações e mensagens por Whatsapp (art. 22, inc. III, alínea “b”, Lei nº 11.340/06); d) Não frequentar os locais em que a vítima esteja, como bares, clubes, espaços de lazer, enfim, estabelecimentos em geral, a fim de preservar a integridade física e psicológica desta. Caso constate a presença da ofendida, o acusado deverá se retirar imediatamente do local (art. 22, inc. III, alínea “c”, Lei nº 11.340/06). 

As medidas protetivas de urgência são cautelares de natureza penal, sendo coerente com a sua função a circunstância de buscarem evitar condutas penalmente tipificadas tendentes a colocar em risco a vida e a integridade física e psíquica da vítima. 

Nesse diapasão, A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao interpretar o regime jurídico de medidas dispostas na Lei Maria da Penha, por maioria, firmou orientação de que "[a]s medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do art. 22 da Lei Maria da Penha têm caráter eminentemente penal, porquanto restringem a liberdade de ir e vir do acusado, ao tempo em que tutelam os direitos fundamentais à vida e à integridade física e psíquica da vítima" (REsp n. 2.009.402/GO, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, em que fui relator para o acórdão, QUINTA TURMA, DJe de 18/11/2022). 

A imposição de medidas protetivas, por serem restritiva da liberdade de ir e vir do agente, depende de decisão fundamentada, que demonstre sua adequação, razoabilidade e imprescindibilidade. Assim como ocorre na fixação de medidas cautelares, a decisão que estabelece medidas protetivas deve estar lastreada em circunstâncias concretas que justifiquem a sua necessidade, notadamente quando há filho menor envolvido. 

No particular, o Magistrado de Primeiro Plantonista estabeleceu as medidas protetivas em desfavor do recorrente com espeque na seguinte decisão (e-STJ fls. 17/20):

Vistos. Trata-se de Representação encaminhada pela Delegada de Polícia Civil da Delegacia Especializada da Mulher objetivando a aplicação de medidas protetivas de urgência previstas no art. 22, da Lei 11.340/06, em desfavor do requerido REQUERIDO: DANILO BRXXXXX, em razão da prática de atos atribuídos compatíveis com violência doméstica contra a mulher cometidos contra a vítima REQUERENTE: TXXXXXXXXXXO. Compulsando os autos, constatamos que a Representação relata detalhadamente os fatos ofensivos praticados pelo ofensor contra a vítima, pugnando ao final a autoridade policial pela concessão de medidas protetivas urgência do art.22, da referida Lei 11.340/06 – que criou "mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil" (art. 1º) –, para resguardar a integridade física e psicológica da vítima, a fim de que o ofensor mantenha-se dela afastado, de seus familiares e respectivos locais de convivência. Eis o breve relato. Passo a decidir. Enfrentando a questão em desate, é cediço que as medidas protetivas de urgência, trazidas pela Lei 11.340/06, visam garantir a segurança da mulher que tenha sofrido violência doméstica e/ou familiar ou esteja na iminência de sofrê-la. Com efeito, a Lei nº 11.340/06, muito mais do que um diploma repressivo, é um conjunto sistêmico de medidas protetivas que pretende resgatar a política pública de proteção à família e de combate à desigualdade de gênero. Dessa forma, a chamada “Lei Maria da Penha”, pune os agressores de mulheres com mais rigor, contando com medidas preventivas, assistenciais, punitivas, educativas e de proteção à mulher e aos filhos. A lei determina uma atenção especial às mulheres, em situação de violência doméstica e familiar, com o fim de combater e eliminar quaisquer formas de discriminação e de violência, posto que vulneráveis ao comportamento agressivo e, muitas vezes, recidivante dos agressores. Por outro lado, para apreciação de medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006 não exige a Lei audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo, entretanto, este ser prontamente comunicado. O art. 22, caput, da mencionada Lei, estabelece: “Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras”. Destarte, para a concessão de medidas protetivas necessária a configuração da violência doméstica e familiar contra a mulher na forma dos arts. 5º e 7º, da Lei Maria da Penha, ou seja, a fumaça do bom direito que respalda o perigo da demora, exigindo uma atuação do Poder Público com a finalidade de evitar que dano maior seja causado a integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica, em razão do gênero. Noutro dizer, o requisito suficiente e necessário para o estabelecimento de medida protetiva de urgência é a constatação da prática de violência doméstica e familiar contra a requerente por ser ela mulher, seja ela física, moral ou psicológica, conforme o acima transcrito caput do art. 22. No caso concreto, em face das declarações prestadas pela ofendida, que relata um histórico de agressões psicológicas que vem sofrendo, entendo conveniente, a adoção de algumas medidas protetivas, com o fito de salvaguardar a integridade física e psicológica da vítima. DESTARTE, aplico, em favor da ofendida, as seguintes medidas protetivas do art. 22, incisos II e III, alíneas "a", "b" e "c", da Lei 11.340[1], determinando ao requerido, pelo prazo de 180 dias, prorrogável se necessário, o seguinte: a) Afastamento, de no mínimo, 01 (um) quarteirão do domicílio da vítima (art. 22, inc. II, Lei nº 11.340/06); b) Não se aproximar da vítima, inclusive em seus locais de trabalho, de quem deve manter uma distância mínima de 200 metros (art. 22, inc. III alínea “a”, Lei nº 11.340/06); c) Não manter contato com a vítima e seus familiares por qualquer meio de comunicação, inclusive ligações e mensagens por Whatsapp (art. 22, inc. III, alínea “b”, Lei nº 11.340/06); d) Não frequentar os locais em que a vítima esteja, como bares, clubes, espaços de lazer, enfim, estabelecimentos em geral, a fim de preservar a integridade física e psicológica desta. Caso constate a presença da ofendida, o acusado deverá se retirar imediatamente do local (art. 22, inc. III, alínea “c”, Lei nº 11.340/06). Fica estabelecida pena ao requerido de multa por cada transgressão no valor de R$ 1.000,00 e incidência em crime de desobediência, tipificado no art. 330, do CP[2], ficando passível de ter decretada a prisão preventiva, de conformidade com o art. 42, da Lei n.º 11.340/2006, que acresceu o inciso IV, ao art. 313, do CPP, para permitir o decreto preventivo “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.” Ao indeferir o habeas corpus de origem, o Tribunal assim se manifestou (eSTJ fls. 65/73), no que interessa: [...] Da análise do caso concreto, retratado pelos fatos historiados nos autos nº 0802617-74.2024.8.15.2002, infere-se que foi instaurado expediente cautelar no intuito de se conceder medidas protetivas à de TXXXX Pinto, em desfavor de DaXXXXXXXtro. Na representação encaminhada pela Delegada de Polícia Civil da Delegacia Especializada da Mulher, datada de 29 de fevereiro de 2024, Themisis de Oliveira Pinto relata: que viveu em união estável com a pessoa de Danilo por 03meses; que dessa relação tiveram um filho; que esse filho tem 03 anos; que (...) morava com Danilo em Tambaú até julho de 2021; que o término se deu em julho de 2021 em razão de uma briga do casal; que essa discussão se deu porque a declarante na época tinha loja de roupa infantil virtual; que estava em casa, com o filho e Danilo; que nesse dia em julho de 2021 pediu a Danilo para ficar com a criança, já que estava fazendo uns atendimentos online pelo celular da sua loja; que informa que Danilo em um primeiro momento pegou a criança, mas que logo em seguida disse que não poderia ficar mais porque iria sair e entregou a criança a declarante; que a declarante estava tomando conta da criança quando, de repente, a criança caiu no chão, que a declarante ficou muito preocupada; que a criança começou a chorar e a declarante queria levar ao hospital; que Danilo não queria deixar e começou a gritar com a declarante; que Danilo começou a dizer a declarante que ELA NÃO SABIA TOMAR CONTA DA CRIANÇA E QUE NÃO PODIA DEIXAR ELA COM A CRIANÇA SOZINHA EM MOMENTO NENHUM QUE ELA MATARIA A CRIANÇA; que (...)ficou assustada com aquele comportamento de Danilo; que Danilo começou a gritar; que Danilo nesse dia lhe empurrou; que do empurrão ficou com uma marca no braço direito e com uma marca na cintura arroxeada; que depois Danilo foi embora; que a declarante ligou para o seu pai para lhe ajudasse com a criança; que a criança está bem e não sofreu nenhuma lesão; que (...) após o ocorrido a declarante mandou mensagem para Danilo dizendo que não queria mais o relacionamento e que ele deveria ir buscar suas coisas; que informa a declarante que voltou a morar com seus pais em CABO BRANCO; que depois disso entrou com uma ação na justiça para regulamentar a visita e a pensão; que começou a ter fortes crises de ansiedade; que não conseguia ver DANILO; que DANILO foi até o conselho tutelar apresentar acusações infundadas contra a declarante por duas vezes; que (...) as acusações infundadas giram em torno de que Danilo teria dito que a declarante estava descumprindo a sentença de visitação e que não atendia a declarante; que seria acusações infundadas; que a declarante está em tratamento psicológico, tendo em vista que passou a ter fortes crises de ansiedade; que as vezes começa a chorar na academia; que quando está em crise não consegue ir trabalhar; (...); que tem um laudo psicológico assinado com a data de 24 de outubro de 2023; que o psicólogo já informou que vai encaminha-la para o psiquiatra para que seja ministrado remédios; que (...) não consegue olhar para Danilo devido aos transtornos que ele a causou, pediu ao seu pai Luzivando para ficar entregando a criança nos dias da visitação; que (...) Danilo mandou uma mensagem para a declarante dizendo “MUITO ESTRANHO, VÁRIOS MESES QUE VOCÊ NÃO ME ENTREGA E NEM RECEBI DAVI, E AGORA SEU PAI ME LIGA MAIS DE UMA VEZ USANDO SEU CELULAR, PARECE ATÉ QUE VOCÊ ABANDONOU NOSSO FILHO”; que (...) não aguenta mais essas acusações infundadas de Danilo; que está passando por graves problemas psicológicos; que está passando por crises severas de ansiedade; que solicita medidas protetivas de urgência em desfavor de Danilo para que ele não a procure mais; que embora nunca tenha usado contra a declarante, a declarante tem medo que Danilo utilize dessa arma de fogo como represália; que (...) Danilo já saiu com essa arma de fogo e, ao voltar para casa, informou que precisava esconder, razão pela qual a declarante deseja que essa posse de Danilo fosse suspensa; que deseja o serviço da patrulha Maria da Penha; que com relação aos crimes contra a honra praticados por Danilo, já entrou com uma queixa crime na justiça; que (...) lhe foi ofertada a possibilidade de ser acolhida em casa abrigo, porém informou que não tinha interesse, pois irá continuar morando com seus pais”. Distribuído o pedido de medida protetiva de urgência, a Juíza de Direito plantonista, deferiu, em 29 de fevereiro de 2024, medidas protetivas em favor da ex-companheira do paciente, justificado pelos indícios de histórico de violência psicológica, Id 26891153, como se depreende de trechos a seguir: ... No caso concreto, em face das declarações prestadas pela ofendida, que relata um histórico de agressões psicológicas que vem sofrendo, entendo conveniente, a adoção de algumas medidas protetivas, com o fito de salvaguardar a integridade física e psicológica da vítima. DESTARTE, aplico, em favor da ofendida, as seguintes medidas protetivas do art. 22, incisos II e III, alíneas "a", "b" e "c", da Lei 11.340[1], determinando ao requerido, pelo prazo de 180 dias, prorrogável se necessário, o seguinte: a) Afastamento, de no mínimo, 01 (um) quarteirão do domicílio da vítima (art. 22, inc. II, Lei nº 11.340/06); b) Não se aproximar da vítima, inclusive em seus locais de trabalho, de quem deve manter uma distância mínima de 200metros (art. 22, inc. III alínea “a”, Lei nº 11.340/06);c) Não manter contato com a vítima e seus familiares por qualquer meio de comunicação, inclusive ligações e mensagens por Whatsapp (art. 22, inc. III, alínea “b”, Lei nº 11.340/06);d) Não frequentar os locais em que a vítima esteja, como bares, clubes, espaços de lazer, enfim, estabelecimentos em geral, a fim de preservar a integridade física e psicológica desta. Caso constate a presença da ofendida, o acusado deverá se retirar imediatamente do local (art. 22, inc. III, alínea “c”, Lei nº 11.340/06). Fica estabelecida pena ao requerido de multa por cada transgressão no valor de R$ 1.000,00 e incidência em crime de desobediência, tipificado no art. 330, do CP[2],ficando passível de ter decretada a prisão preventiva, de conformidade com o art. 42, da Lei n.º 11.340/2006, que acresceu o inciso IV, ao art. 313, do CPP, para permitir o decreto preventivo “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Analisando a documentação acostada bem como a decisão, acima transcrita, vislumbra-se que a decisão combatida decorreu da necessidade de proteção da integridade emocional da vítima, lastreada nos fatos narrados pela excompanheira do paciente, recentes e mais antigos, e no Relatório Psicológico que concluiu que a ofendida apresentava sintomas acentuados d e ansiedade generalizada, demonstrando “dificuldades de estabelecer uma boa comunicação e relacionamento com opai da criança (...) sinalizando crises de ansiedade, desregulação emocional em decorrência de alguns diálogos calorosos, ameaças e situações de conflitos com ele.” Por oportuno, é possível perceber que a Juíza de primeira instância motivou de maneira adequada sua decisão, tornando a medida protetiva concedida à vítima plenamente justificada neste momento inicial. Isso se deve às circunstâncias fáticas e concretas específicas do caso, destacando-se principalmente a finalidade de garantir a integridade psicológica da vítima. Com efeito, a informação divulgada pela vítima, confirmada pelo Relatório Psicológico, no sentido de que estaria sofrendo agressões psicológicas, por parte do paciente, não pode ser ignorada. Embora os eventos ainda não estejam totalmente comprovados, devendo ser esclarecidos ao longo do Processo Penal, existem indícios de violação dos direitos da vítima. Válido mencionar trechos do Relatório Psicológico, se constatando animosidade entre os envolvidos, que não possuem um bom relacionamento pessoal, gerando crises de ansiedade à vítima, a seguir:... em atendimento com a paciente nas primeiras sessões foi observado um quadro de desordem de ansiedade, em suas falas “eu não aguento mais ter que lidar com isso” e “já fico nervosa e me tremendo só de pensar em encontrar ele” se referindo como se sente em ter que encontrar com o pai do seu filho. A paciente relatou sobre sua turbulenta e dolorosa separação, sua relação atual com o ex-companheiro, dificuldades financeiras e na rotina com o filho. Tais preocupações e situações vem causando perturbações do sono, dificuldade de concentração, inquietude, tensões musculares, enjoos e arrepios.” Diante das peculiaridades apontadas, inexiste qualquer fator que aponte a ocorrência de constrangimento ilegal em desfavor do paciente, na forma como alegada pelo impetrante. Ante o exposto, DENEGO A ORDEM.

As decisões carreadas não resistem ao controle de legalidade quanto à demonstração da efetiva necessidade das medidas protetivas, notadamente no que se refere ao risco concreto representado pelo recorrente e à imprescindibilidade das restrições. 

Não houve descrição de conduta atual e contemporânea, ou de qualquer fato concreto que justificasse a necessidade das medidas protetivas ou a periculosidade social do recorrente. Afirmações abstratas sobre a existência de "violência psicológica" não são bastantes para justificar o afastamento total do recorrente e, notadamente, obstar o convívio entre pai e filho, que está sob a guarda da vítima e com ela reside. 

O desajuste emocional e a ansiedade que a vítima sente em relação à pessoa do recorrente não servem de fundamento para a intervenção judicial e imposição de medidas protetivas. 

Os autos revelam a existência de um "quadro de desordem de ansiedade" da vítima, no qual o psicólogo a encaminha para tratamento psiquiátrico e introdução de remédios. 

Todavia, em relação ao convívio com o paciente, não se vislumbra a descrição de fato concreto que justifique o afastamento completo de eventual local onde o filho menor se encontre sob a sua guarda, inclusive. Os termos das medidas protetivas não podem inviabilizar, por completo, o acesso do pai à criança, como parece estar acontecendo, na espécie: o paciente não pode se aproximar da casa, da vítima nem entrar em contato com ela ou qualquer parente, seja por telefone, seja por Whatsapp.

 Ademais, falta contemporaneidade às medidas protetivas. As decisões narraram um desentendimento entre as partes, que ocasionou a separação do casal, ocorrido no ano de 2021. 

Como é cediço, “a urgência intrínseca às cautelares, notadamente à mais gravosa, exige a contemporaneidade dos fatos justificadores dos riscos que se pretende com ela evitar” (HC n. 714.868/PR, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe 21/6/2022). 

Como a descrição abstrata de "violência psicológica" não representa fundamentação idônea para a restrição do direito de ir e vir do recorrente, as decisões precedentes estão eivadas de vício e por isso merecem ser revogadas. Nesse sentido, mutatis mutandis:

5. Com efeito, os atos que decidiram ou mantiveram a prisão preventiva ora sob escrutínio não indicaram "como", "quando" e sequer "quais" das medidas protetivas teriam sido desrespeitadas, revelando, nessa medida, fundamentação que deve ser considerada inidônea. Também não referenciaram motivo algum para a conclusão de que o paciente ostentaria periculum libertatis, senão seu reputado "descaso com a Justiça". E nada discorreram quanto à ameaça, que sequer consta do boletim de ocorrência, embora mencionada nos autos. 6. Não bastasse a carência de fundamentação, é de se atentar que o crime contra a honra imputado ao paciente tem, conforme o art. 139 do CP, pena de detenção de três meses a um ano, e multa, de modo que a prisão processual revela grave descompasso com a diretriz do art. 313, I, do CPC, segundo o qual "será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos", que precisa ser compatibilizado com o já transcrito inciso II desse mesmo dispositivo. [...] 8. Habeas corpus não conhecido, ordem concedida de ofício. (HC n. 382.933/SP, minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 6/3/2018, DJe de 13/3/2018, g.n.) 
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. As medidas protetivas, assim como as cautelares, em processo criminal, devem se sujeitar a um juízo de necessidade, adequação, urgência e proporcionalidade. No caso em exame, as medidas foram estabelecidas pelo Juízo singular para salvaguardar a integridade da ofendida, tendo em vista os relatos dela de que haveria sofrido violência moral e psicológica por seu excompanheiro. Ao ser ouvida em juízo acerca da necessidade de manutenção das medidas protetivas, a vítima declarou que ainda se sentia receosa quanto a eventual aproximação do ora recorrente, razão pela qual elas foram mantidas. [...] (AgRg no RHC n. 194.013/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 20/5/2024, DJe de 22/5/2024.) 

Caberá ao Magistrado de Primeiro Grau, em virtude de eventual dificuldade de convívio entre a vítima e o recorrente, nomear interposta pessoa, familiar ou não, a ser indicada pela vítima, para promover o intermédio das conversas e ajustes da guarda e visitação do menor envolvido, evitando, assim, o contato entre as partes. 

Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para revogar as medidas protetivas impostas em desfavor do recorrente. Recomendo, ao Magistrado de Primeiro Grau, a nomeação de interposta pessoa para tratar dos assuntos referentes ao filho menor envolvido. Comunique-se. Publique-se. Brasília, 05 de julho de 2024. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator

(STJ -  RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 199671 - PB (2024/0220011-9) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA,  Publicação no DJe/STJ nº 3903 de 09/07/2024)

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