STJ Set24 - Execução Penal - Detração do Período de Internação Compulsoriamente em Clínica para Dependência Química " medida cautelar alternativa à prisão preventiva"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
HABEAS CORPUS Nº 769500 - MG (2022/0284017-0) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO
DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor deXXXXXXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais no Agravo em Execução Penal n. 1.0512.13.006733-7/001.
Depreende-se dos autos que o Juízo das Execuções indeferiu o pleito defensivo de detração da pena do paciente do período em que o apenado esteve internado em clínica de tratamento para dependência química como medida alternativa à prisão cautelar.
, a Defesa interpôs o agravo em execução perante o Tribunal de origem, que negou provimento ao recurso, conforme aresto de fls. 59-63. No presente writ, a impetrante, em síntese, aponta constrangimento ilegal decorrente do indeferimento da referida detração.
Requer, assim, liminarmente e no mérito, a concessão da ordem "para aplicar a detração prevista no artigo 42 do Código Penal, contabilizando-se o período em que esteve submetido internação compulsória como efetivo tempo de pena cumprida" (fl. 11). O pedido de liminar foi indeferido às fls. 66-67. As informações solicitadas foram recebidas e acostadas às fls. 71-78 e 123- 409. Por sua vez, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do habeas corpus, conforme parecer de fl. 109.
É o relatório. DECIDO. Inicialmente, a fim de delimitar a controvérsia trazida nesta impetração, insta descrever como restou consignado pela Corte a quo no acórdão ora impugnado, in verbis (fls. 61-63 - grifei):
"Com efeito, a detração consiste no desconto, na pena final aplicada, do tempo em que o agente ficou preso cautelarmente ou internado. No que tange ao referido instituto, o Código Penal estabelece o seguinte: “Art. 42 -Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.” Verifica-se que o Código Penal prevê quais são as hipóteses em que o reeducando poderá usufruir do benefício da detração da pena executada, não existindo margem para outras situações que não estas previstas. No feito em análise, conforme documentos anexados aos autos, a internação do reeducando para tratamento de dependência química não se deu originalmente durante a execução penal, mas sim derivou de decisão proferida no juízo cível. Importa consignar que não consta dos autos documentação comprobatória de que o reeducando é, ou era, ao tempo dos fatos, inimputável ou semi-imputável, razão pela qual não se trata da modalidade de internação prevista na parte final do art. 42 do Código Penal, o que autorizaria a detração pretendida. [...] Assim, não há falar em cômputo do referido tempo para fins de detração da pena."
Como visto nos excertos acima colacionados, o Tribunal estadual concluiu que não seria o caso de deferir a detração de pena pretendida pelo paciente tendo em vista que o artigo 42 do Código Penal não prevê a concessão do benefício na hipótese de internação compulsória para tratamento de dependência química como medida cautelar alternativa à prisão preventiva.
Ocorre que a ausência de previsão legal específica, para fins de detração da pena privativa de liberdade, do período em que o apenado foi compulsoriamente internado não é fundamento apto a afastar o cômputo, pois esta Corte Superior de Justiça entende que o rol do artigo 42 do Código Penal não é taxativo.
Em caso análogo, no julgamento de Recurso Repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça conferiu interpretação extensiva ao dispositivo legal a fim de permitir que "o período de recolhimento noturno, por comprometer o status libertatis, fosse reconhecido como período detraído, em homenagem ao princípio da proporcionalidade e em apreço ao princípio do non bis in idem" (REsp 1.977.135/ SC; Terceira Seção; Ministro Joel Ilan Paciornik; DJe 28/11/2022).
Nesse contexto, se o período em que o apenado passou em recolhimento domiciliar obrigatório, com o uso de monitoração eletrônica, como medida cautelar alternativa à segregação cautelar, deve ser reconhecido como período a ser detraído da pena privativa de liberdade, em razão do comprometimento de seu status libertatis, da mesma forma deve se considerar o período em que o reeducando esteve internado compulsoriamente em clínica de tratamento para dependência química.
Assiste razão, portanto, à Defesa ao argumentar que "deve ser valorizado o fato de que o apenado não tinha escolha em ser internado, o seu alvará de soltura, como já dito, foi condicionado à sua ida a clínica, isto quer dizer que o paciente não teve opção de ir ou não, logo, permaneceu privado da sua liberdade na referida clínica de reabilitação, tendo o seu status libertatis comprometido" (fl. 10). Mutatis mutandis, confiram-se os seguintes precedentes: AgRg no REsp n. 1.976.934/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 16/8/2023; AgRg no HC n. 769.398/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 12/6/2023, DJe de 15/6/2023.
E mesmo que o juízo criminal não tenha determinado a internação compulsória, é certo que "impôs como condição de manutenção do status libertatis o cumprimento da medida imposta pelo juízo cível" (fl. 16).
Ante todo o exposto, concedo a ordem no presente habeas corpus para deferir ao ora paciente a detração de suas penas do período em que o apenado esteve internado compulsoriamente em clínica de tratamento para dependência química como medida cautelar alternativa à prisão preventiva. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para que tome as providências necessárias para o cumprimento desta decisão. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 10 de setembro de 2024.
Ministro Messod Azulay Neto Relator
(STJ - HABEAS CORPUS Nº 769500 - MG (2022/0284017-0) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO, Publicação no DJe/STJ nº 3951 de 13/09/2024.)
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