STJ Jun24 - Dosimetria Irregular - Estupro de Vulnerável - Consequência do Delito Afastada :"abalo psicológico é elemento ínsito ao tipo penal em comento"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


HABEAS CORPUS Nº 911534 - PA (2024/0161536-8) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

DECISÃO Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de A. S. S. apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado, como incurso nas sanções do art. 217-A, na forma do art. 71, ambos do Código Penal, à pena de 12 anos de reclusão, a ser cumprida no regime inicial fechado. Transitada em julgado a sentença condenatória, a defesa ajuizou revisão criminal da qual a Corte originária não conheceu, por ausência de prova pré-constituída das alegações. Impetrado habeas corpus na origem, o Tribunal de Justiça decidiu nos seguintes termos (e-STJ fl. 676):

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR. PRETENSÃO DE REFORMAR DECISÃO MONOCRÁTICA. ART. 133, IX, DO RITJPA. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. DECISÃO RECORRIDA MANTIDA. AGRAVO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. O habeas corpus é remédio de urgência e excepcional, concebido para fazer cessar ofensa ou ameaça iminente ao direito de ir e vir quando se mostrarem flagrantemente ilegais. Não é remédio genérico apto a atacar qualquer incongruência no processo penal. Embora o manejo do writ em substituição aos recursos cabíveis fora de sua natureza originária, tenha sido admitido pela jurisprudência, tal benefício deve ser concedido apenas em situações excepcionais, quando houver ilegalidade evidente e inequívoca, o que não verifico na hipótese. 2. A decisão monocrática impugnada está em conformidade com o art. 133, IX, do RITJPA, cujo teor autoriza o relator a julgar monocraticamente a ação mandamental se entender por “indeferir de plano petições iniciais de ações de competência originária do Tribunal”, como no caso vertente. 3. Inexistência de constrangimento ilegal passível de análise em sede de Documento eletrônico VDA41743212 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Assinado em: 28/05/2024 20:07:07 Publicação no DJe/STJ nº 3877 de 03/06/2024. Código de Controle do Documento: 8ab6a26b-a7c1-4795-bd96-cbd808f57e35 habeas corpus. 4. Não conhecimento do habeas corpus impetrado por entender pelo cabimento de recurso ou ação própria para rediscutir a matéria. 5. Agravo regimental conhecido e desprovido. Unanimidade.

Daí o presente writ, no qual alega a defesa que o Tribunal a quo não deduziu fundamentação idônea para deixar de conhecer do habeas corpus impetrado na origem. Sustenta, outrossim, que o paciente sofre constrangimento ilegal decorrente da equivocada dosimetria da reprimenda que lhe foi aplicada.

 Requer, desse modo, a concessão da ordem de "habeas corpus para (i) determinar ao Tribunal de Justiça de Estado do Pará, por sua Seção Criminal, que seja julgado o habeas corpus nº 0811744-89.2023.8.14.0000 e a Revisão Criminal nº 0814125-07.2022.8.14.0000 ou pelo menos o recurso que o douto Tribunal entender pertinente, face a flagrante ilegalidade na construção dosimétrica; alternativamente, (ii) clama-se a este Superior Tribunal que se digne a analisar o mérito do presente mandamus a fim de se ter reformada a dosimetria da pena em razão do error in judicando da malsinada sentença, por descompasso às diretrizes fixadas nos arts. 59 e 68 do CP, por conseguinte, seja imposto do regime menos gravoso (semiaberto), inclusive por tratar-se de matéria passível de (iii) concessão de ofício de habeas corpus, à luz do art. 654, §2º, do CPP, haja vista o constrangimento ilegal suportado" (e-STJ fl . 18).

 O pedido liminar foi indeferido. Informações prestadas. Parecer ministerial pelo não conhecimento da ordem. É, em síntese, o relatório. Decido. De início, verifico que o Colegiado do Tribunal de origem não tratou das matérias expostas no writ. 

De fato, não se conheceu do agravo regimental interposto contra a decisão monocrática proferida no julgamento da Revisão Criminal n. 0814125- 07.2022.8.14.0000 por intempestivo (e-STJ fls. 347/349). Ademais, o Habeas Corpus n. 0811744-89.2023.8.14.0000 foi desprovido por configurar substitutivo de recurso próprio. Diante desse cenário, ante a falta de manifestação do colegiado local nos julgados ora juntados a este habeas corpus, evidente a incompetência desta Corte Superior para o processamento e julgamento deste remédio constitucional, no ponto. 

Nesse mesmo caminhar: HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. [...] SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...] 10. O direito de recorrer em liberdade não foi objeto de discussão pela Corte de origem, motivo pelo qual se evidencia a incompetência deste Superior Tribunal de Justiça para apreciar o aludido tema posto no writ e a consequente supressão de instância. [...] (HC 278.542/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 4/8/2015, DJe 18/8/2015.)

 Outrossim, verifico a ocorrência de ilegalidade a atrair o conhecimento do writ de ofício, no ponto. Isso porque, em relação às consequências do delito de estupro, "é firme o entendimento desta Corte Superior no sentido de que 'a referência inespecífica à ocorrência de trauma psicológico não é razão bastante para a valoração negativa das consequências do crime de estupro, uma vez que algum abalo psicológico é elemento ínsito ao tipo penal em comento' (AgRg no HC 455.454/ES, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 31/10/2018).

 Nessa linha, 'o mero abalo emocional, por si só, não pode ser utilizado como fundamento para o aumento da reprimenda básica do crime de estupro de vulnerável, pois trata-se de consequência inerente ao próprio tipo penal" (HC 529.593/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/6/2020, DJe 29/6/2020). 

A avaliação negativa do resultado da ação do agente, portanto, somente se mostra escorreita se o dano material ou moral causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal" (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.923.215/AM, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/4/2022, DJe de 29/4/2022.) Na espécie, a simples afirmação de que a vítima sofrerá abalo emocional sem demonstração concreta não é suficiente a elevar a pena básica. Ainda, a propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PENA-BASE. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. PERSONALIDADE E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME NORMAIS AO TIPO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O abalo psicológico apto a valorar negativamente as circunstâncias do crime é aquele que desborda da "normalidade da conduta típica" e deve ser demonstrada a sua ocorrência para a majoração da pena-base, o que não ocorreu na hipótese. 2. A personalidade do réu não ultrapassou os liames do tipo penal, pois a sua conduta indica que agiu dentro da situação mediana da conduta praticada nesse delito, que é a de satisfação do desejo sexual. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 699.030/PB, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 15/8/2022.) 

Redimensiono, assim, a pena. A pena-base fica no mínimo legal de 8 anos de reclusão. Não há causas modificadoras nas fases seguintes. Pela continuidade delitiva, eleva-se em 1/3 e torna-se definitiva em 10 anos e 8 meses de reclusão. Mantida, no mais, a condenação. Tal o contexto, não conheço do habeas corpus. Concedo, todavia, a ordem de ofício, nos termos ora delineados. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 28 de maio de 2024. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Relator

(STJ -  HABEAS CORPUS Nº 911534 - PA (2024/0161536-8) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Dje: 03/06/2024)

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