STJ Maio24 - Interrupção de Gravides Fora das Hipóteses do Art. 180 do CP - Risco à Gestante - Liminar para Determinar Perícia Concreta ao Caso :Após, deve o juiz da causa reexaminar o pedido de interrupção!

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


HABEAS CORPUS Nº 913996 - SP (2024/0175596-9)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de M A B e V J V P, apontando-se como autoridade coatora o Desembargador do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, que indeferiu o pedido liminar nos autos do Habeas Corpus n. 2127799-55.2024.8.26.0000.

Aproveito aqui o relatório feito pelo eminente Desembargador

Luís Geraldo Lanfreti:

"Em data recente, após ser submetida a procedimento de reprodução assistida em laboratório, a paciente acabou por ter êxito na gravidez desejada, porém de gêmeos quíntuplos, já que os dois embriões implantados originaram as cinco gestações múltiplas.
Após o resultado, argumenta que a paciente ficou assustada e procurou seu quadro de profissionais da saúde.
Dois médicos que lhe assistem, ao realizarem a anamnese, emitiram laudos demonstrando que a gravidez de quíntuplos, caso seja levada adiante, acarretará perigo à vida dela e das crianças.
Em data ainda mais recente, no último dia 02 de maio, um dos médicos reiterou o mesmo laudo, agora acrescentando informações sobre estudos científicos que demonstram o elevado risco de morte, tanto para a gestante, quanto para os embriões, em uma gestação de quíntuplos.
Sustenta que indeferir o pedido de interrupção da gravidez seria impingir aos pacientes o constrangimento e a dor de vivenciarem a morte dos futuros filhos e, até mesmo, da própria paciente.
Alega que a paciente, após descobrir sobre a gestação, ficou extremamente abalada, justamente pelo receio de sua morte, de um ou alguns dos embriões ou até mesmo de danos irreparáveis e prejuízo na saúde e qualidade da vida de todos.
Afirma que a paciente possui 37 anos de idade e cerca de 1,55m de altura, ou seja, não possui condições físicas para suportar a gravidez.
Acrescenta que a orientação médica é de que o procedimento deve ser realizado antes de conclusas as 12 semanas de gestação, a fim de se evitar ainda mais riscos para a gestante e para os embriões.
O casal pretende manter pelo menos a gestação dos gêmeos que estão em um saco gestacional separado dos outros três embriões, levando em conta, sobretudo, o biotipo da paciente.
Ressalta fazer-se necessária a presente impetração em razão da vedação expressa contida no item 8 da Resolução do CFM nº 2320/20221, que prevê que em caso de gravidez múltipla, decorrente de uso de técnicas de reprodução assistida, é proibida a utilização de procedimento que vise a redução embrionária.
Menciona o direito à plena saúde física e psicológica da paciente, bem como à dignidade garantida pelo constituinte a todos os seres humanos.
Em suma: argumenta ser cristalino o direito da gestante e de seu cônjuge de realizarem a interrupção parcial da gravidez, uma vez que havendo risco claro à vida materna, há que se falar em aborto terapêutico, cuja natureza corresponde a uma causa especial de exclusão de ilicitude, descrita no inciso I, do artigo 128, do Código Penal.
Pugna, destarte, pela concessão da liminar, para que seja expedido um alvará autorizatório, permitindo que a paciente se submeta ao ato cirúrgico apontado por seu médico, Dr. Luiz Fernando Gonçalvez Borges, CRM 97982-SP, autorizando-o a interromper, total ou parcialmente, a gestação dos cinco embriões, a ser decidido pela equipe médica.
De maneira alternativa, caso seja necessária a oitiva de junta médica e de profissionais do quadro do Poder Judiciário, pugna, por celeridade, dado o exíguo tempo para a realização do procedimento, já que a paciente está com quase 11 semanas de gestação (fls. 01/14).
Eis a síntese do quanto importa.
Elementos informativos subsidiados ao expediente criminal subjacente assinalam que os pacientes realizaram tratamento para infertilidade em dezembro de 2019, conseguindo congelar 09 embriões.
Em 11 de fevereiro de 2020, a paciente realizou a transferência de 02 embriões, o que resultou em uma gestação única, evoluindo para parto cesárea de termo (37 semanas e 2 dias), em 10 de outubro de 2020.
Voltou à clínica em 2024 desejando aumentar a família, e como ainda tinha embriões congelados, optou pela transferência de 02 embriões, o que ocorreu em 13 de março de 2024.
No exame de ultrassonografia realizado em 18 de abril de 2024, foi constado que, de uma forma muito rara, os dois embriões haviam resultado em uma gravidez de quíntuplos: um embrião se dividiu [formando 2] e o outro embrião se dividiu também [formando 3].
Ao que consta dos autos, e segundo o Dr. Luiz Fernando Gonçalves Borges, CRM 97982, a gestação de quíntuplos apresenta alto risco de mortalidade, tanto para os bebês, que muito provavelmente nascerão muito prematuros, necessitando de grande suporte hospitalar para tentar sobreviver, quanto para a gestante, uma vez que a grande distensão uterina desta gravidez traz altos riscos de sangramentos incontroláveis no parto.
O casal demonstrou interesse na redução embrionária.
Todavia, como o procedimento não é autorizado pelo Conselho Federal de Medicina (resolução CFM 2320/2022:"Em caso de gravidez múltipla, decorrente do uso de técnicas de reprodução assistida, é proibida a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária."), o referido profissional orientou o casal a buscar autorização judicial.

Ao final, o Dr. Luiz Fernando ressaltou que o procedimento deve ser realizado o mais brevemente possível, preferencialmente antes da 12ªsemana de gestação (a saber: 17 de maio próximo).

O pedido foi elaborado perante o juízo de primeiro grau (fls. 01/11 dos autos originais), com todo o arcabouço de documentos disponível.

O ministério público manifestou-se nos autos contrariamente ao pleito de interrupção de gravidez, ainda que parcial, uma vez que [no seu entender] não restou devidamente comprovado o risco para os fetos.

Nada obstante, assinalou, caso se entenda acerca do risco de vida para a gestante, que o aborto poderá ser levado a efeito pelo médico sem a necessidade de autorização judicial, conforme permissivo legal (fls. 38/39dos autos originais).

No último dia 02 de maio, a autoridade judiciária apontada como coatora proferiu sentença e, após apresentar seus motivos, acompanhou integralmente o parecer ministerial, indeferindo o pleito de interrupção."

Ao final, após ressaltar a complexidade do caso concreto que envolve não só questões legais como éticas, entendeu por bem indeferir a liminar então requerida. Ressaltou que a hipótese concreta não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas no artigo 128 do CP ou na hipótese já examinada pelo STF quando da ADPF 54/2004 e que o caso concreto exige uma análise bem aquilatada sobre a documentação apresentada junto com a impetração, o que não seria possível naquele momento.

Aqui requer-se a concessão imediata da ordem para expedir alvará autorizando o ato cirúrgico mencionado na inicial, com a alegação, entre outros aspectos, de que está claro o elevado e iminente perigo de risco de vida à paciente. Alternativamente, pede seja ouvida, com urgência, junta médica e de profissionais ligados ao Poder Judiciário.

É o relatório.

Na espécie, não obstante a complexidade e a urgência da situação relatada na impetração, seria o caso de aplicar-se o enunciado da Súmula 691/STF, observado também por esta Corte, segundo o qual não cabe habeas corpus contra indeferimento de pedido liminar em outro writ, salvo nas hipóteses de decisão teratológica, que não é o caso.

Além do mais, as questões trazidas na impetração não foram ainda enfrentadas pelo Tribunal a quo, não se admitindo a pretendida supressão de instância.

Porém, entendo ser possível se acolher o pedido alternativo.

É fato que em situações extremas, quando não existir outros meios de salvar a vida da gestante ou quando atestado que a vida do feto ou embrião é verdadeiramente inviável fora do útero materno, tem se admitido a interrupção da gravidez. É fato também, pelo que parece do descrito na impetração, que a situação concreta é extremamente rara - dois embriões inseminados dando origem a quíntuplos - e de risco, levando em conta, inclusive, a idade da mãe.

Nesse contexto e considerando que não existem elementos na presente impetração que, sem sombra de dúvida, permitam concluir que o prosseguimento da gravidez implicará em risco de vida à gestante ou que os fetos são inviáveis, sem chance de vida fora do útero materno, concedo a liminar, em parte, para determinar que o juízo da Vara Criminal do Foro de Olímpia/SP providencie a realização de perícia médica para que esta identifique os riscos concretos para a mãe caso prossiga a gravidez; se manifeste sobre a viabilidade da vida dos embriões fora do útero materno bem como sobre eventuais procedimentos possíveis para redução de riscos e outras questões que, no entender do juiz da causa, sejam necessárias para a plena compreensão do caso concreto.

Após, deve o juiz da causa reexaminar o pedido de interrupção parcial da gravidez considerando o informado pela perícia técnica, tudo com a urgência que o caso requer.

Comunique-se o teor desta decisão ao Juízo a quo imediatamente, inclusive por telefone.

Deve, ainda, o juízo de origem informar a este relator sobre o cumprimento da liminar aqui concedida.

Os autos devem tramitar sob segredo de justiça.

Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal.

Publique-se.

Brasília, 16 de maio de 2024.

Ministro Sebastião Reis Júnior

Relator

(STJ - HC: 913996, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Publicação: 17/05/2024)

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