STJ Abr24 - Calúnia e Difamação Não Cabe ao Advogado no Exercício Legal da Profissão - Trancamento de Ação Penal
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 184092 - PR (2023/0249919-1)
DECISÃO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por ANTÔNIO XXXXXXX contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ (HC n. 0032498-31.2023.8.16.0000).
Depreende-se dos autos que o recorrente é acusado em ação penal privada pela suposta prática dos crimes de calúnia, injúria e difamação.
Inconformada, a defesa impetrou o prévio writ na origem, que teve a ordem denegada, na parte em que conhecida, nos termos da seguinte ementa (fl. 68):
HABEAS CORPUS CRIME - CRIME CONTRA A HONRA (ARTS. 138, 139 E 140, C/C ART. 141, IV, TODOS DO CP, NA FORMA DO ART. 69, TAMBÉM DO CP)- 1. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL - NÃO VERIFICAÇÃO - CRIMES COMETIDOS EM CONCURSO MATERIAL - PENAS CUJO SOMATÓRIO É SUPERIOR A 02 (DOIS) ANOS - 2. TESE DE ILEGITIMIDADE QUE É OBJETO DE OUTRO HABEAS CORPUS - NÃO CONHECIMENTO - 3. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL - NÃO CABIMENTO-QUEIXA OBSERVA OS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - PRESENÇA DE JUSTA CAUSA - INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO - 4. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO DA 5ª VARA CRIMINAL - QUESTÃO AINDA NÃO DECIDIDA EM PRIMEIRO GRAU - SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA - NÃO CONHECIMENTO - ORDEM CONHECIDA EM PARTE E DENEGADA NA PARTE CONHECIDA.
Em suas razões recursais, às fls. 86-108, o recorrente alega, em síntese, que a queixa-crime é inepta por não preencher todos os requisitos preconizados no artigo 41 do Código de Processo Penal, uma vez que as imputações são genéricas e não apontam e nem definem qualquer fato e ou ato que supostamente o recorrente tenha afirmado que o querelante tivesse praticado.
Salienta que o querelante intencionalmente suprimiu parte do texto extraído da petição de Recurso Especial onde supostamente ocorridos os fatos imputados, para tentar obter o acolhimento da queixa-crime.
Ressalta que foram feitas menções "de que, em tese, poderia o Querelante ter 'utilizado de seus conhecimentos e trâmites perante a Egrégia Corte'", de maneira que não estariam caracterizados os tipos penais (fl. 88).
Pontua que não ficou demonstrado o elemento subjetivo dos crimes narrados na queixa-crime, sendo certo que não houve dolo de atingir a honra da vítima.
Argumenta que:
(...) não havendo dolo e ou vontade livre e consciente, bem como não tendo sido imputado falsamente ao Querelante a prática de crime ou de fatos ofensivos à reputação, tem-se que não há como se reconhecer a prática dos crimes previstos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, pois o advogado ao fazer qualquer afirmação tida como supostamente desonrosa buscou tão somente defender seu cliente, trazendo aos autos, fatos e expressões diretamente ligadas a tese defensiva, que no ânimo de defender seu cliente e apresentar os fatos ao juízo, faz incidir a imunidade profissional (fl. 90).
Assere que, com relação aos crimes de injúria e difamação incide a exclusão prevista no art. 142 do Código Penal para as ofensas irrogadas em juízo na discussão da causa, segundo opinado pelo Ministério Público estadual em parecer lançado nos Autos de Notificação para Explicações nº 0018125-87.2022.8.16.0013.
Frisa que foi imputada a prática de cometimento de supostos 03 (três) tipos penais, quando 02 (dois) são expressamente vedados por Lei. Entende que tal procedimento foi adotado porque "o único tipo penal (Calúnia) passível de vir a Juízo, deveria ter sido promovido perante o Juizado Especial Criminal, por força do artigo 61 da Lei 9.099/95, e artigo 98, inciso I, da Magna Carta" (fl. 96).
Pontua que a ação penal deve tramitar perante o Juizado Especial Criminal.
Argui a inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Requer, ao final, o provimento do recurso ordinário para que seja trancada a ação penal.
As informações foram prestadas às fls. 128-136 e 142-159.
Às fls. 163-172, foi lançado o parecer ministerial.
É o relatório. DECIDO.
O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, a ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova da materialidade.
A liquidez dos fatos, assim, constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus ou de seu recurso ordinário, uma vez que seu manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder flagrante a ponto de ser demonstrada de plano. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO. NÃO VERIFICADA A HIPÓTESE. DENÚNCIA APTA, NOS TERMOS DO ART. 41, DO CPP.
IRREGULARIDADE FACE A INOBSERVÂNCIA DAS REGRAS CONTIDAS NO ART. 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO CONFIGURADA. AUTORIA DELITIVA ASSENTADA EM OUTROS ELEMENTOS, ALÉM DO RECONHECIMENTO. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(...)
II - O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade. Na hipótese, consoante os fatos descritos na denúncia, bem como de acordo com o consignado no v. acórdão objurgado, não se pode concluir, com precisão inequívoca, que não existe a justa causa apta a possibilitar a continuidade da ação penal na origem.
III - In casu, conforme reconhecido pelo eg. Tribunal a quo, ao contrário do que assevera o Agravante, a denúncia descreve de forma pormenorizada a conduta do acusado, a qual pode se amoldar ao delito a ele acometido, de forma que torna plausível a imputação e possibilita o exercício da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes e sob o crivo do contraditório. Convém observar, ainda, que, ausente abuso de poder, ilegalidade flagrante ou teratologia, o exame da existência de materialidade delitiva ou de indícios de autoria demanda amplo e aprofundado revolvimento fático-probatório, incompatível com a via estreita do habeas corpus, que não admite dilação probatória, reservando-se a sua discussão ao âmbito da instrução processual.
(...)
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC n. 160.901/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 20/6/2022.)
Outrossim, a exordial acusatória deve descrever o fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, bem como a qualificação do acusado e a classificação do (s) crime (s), nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal, verbis:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
Segundo consta dos autos, a queixa-crime imputa ao recorrente o cometimento dos crimes descritos nos artigos 138, 139 e 140 c./c. o artigo 141, inciso IV, todos do Código Penal, na forma do artigo 69, também do CP. Isso porque, de acordo com a inicial acusatória, nos autos processuais n. 0004516-78.2019.8.16.0001, XXXXXXXXXX Advogados Associados, Escritório de Advocacia LTDA., interpôs recurso especial no qual argumentou o seguinte (fl. 9 do apenso 1):
"4-) No feito se constata emergir o instituto da confissão pois, como demonstrado e provado, o Recorrido/Requerido (Aristides) não se manifestou de forma precisa quanto aos fatos narrados na Peça Inaugural, e, muito menos, os impugnou especificamente, razão pela qual as alegações contidas na Exordial devem ser tidas como verdadeiras, como de fato o são, a rigor dos preceitos legais retro transcritos. Assim, tendo sido apresentada" contestação "genérica que, de certo que as Instâncias" a quo "deveriam ter aplicado ao feito os efeitos dos artigos 344 e 389 do Estatuto Processual Civil, e NUNCA interpretar o texto da Cláusula Contratual livremente ajustada entre as partes, como o fizeram.
5-) E certamente assim o fizeram, em tese, visando agradar o Cunhado do Recorrido/Devedor (Aristides), chamado Dr. Antonio LXXXXXXX, que na época era Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, o qual foi arrolado como Testemunha pelos Ilustres Advogados do Recorrido, fazendo questão de qualificá-lo como Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, como se vê na parte extraída da referida petição do Mov. '57.1', abaixo colada:
(...)
Cumpre esclarecer que dito ex-Desembargador, em tese, pode ter se utilizado de seus conhecimentos e trâmites perante a Egrégia Corte, para obter uma interpretação totalmente distorcida das normas legais, posto que a referida Testemunha sequer foi ouvida na Primeira Instância, posto que como dito na Impugnação à Contestação (Mov. '82.1') teria que esclarecer em relação ao Recorrido/Devedor (Aristides) diversas questões".
O voto-condutor do acórdão combatido afastou a alegação de ausência de justa causa para a ação penal e de inépcia da queixa-crime a teor dos excertos abaixo (fls. 71-72):
Na hipótese, ao contrário do alegado, verifica-se a ausência do alegado constrangimento ilegal, haja vista que o recebimento da queixa foi devidamente fundamentado pelo juízo singular:
"1) Recebo a queixa-crime oferecida em face dos réus acima nominados, em razão dos fatos noticiados, uma vez preenchidos os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal; Saliente-se que os fatos narrados na inicial e imputados aos réus, prima facie, configuram fato típico e antijurídico (crimes de injúria, difamação e calúnia), justificando assim a tutela jurisdicional, notadamente em razão de serem hígidos os indícios acerca da autoria delitiva incidentes sobre os referidos querelados, amparados nos documentos que instruem a inicial acusatória, havendo justa causa para o impulso processual neste momento e consequente incursão na instrução criminal.
Ressalte-se que, segundo narrado pela vítima, na data de 30 de agosto de 2022, Athayde & Athayde Advogados Associados, Escritório de Advocacia LTDA, nos autos de n.º 0004516-78.2019.8.16.0001, interpôs Recurso Especial, subscrito exclusivamente pelos querelados ANTÔNIO FXXXXXXXXXXX, no qual argumentou que o Juízo Singular e a 12ª Câmara Cível do Egr.
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná teriam dado uma interpretação totalmente distorcida das normas legais visando agradar o Cunhado do Recorrido/Devedor Aristides (chamado Dr. AntoXXXXXXXXXXX, à época Desembargador do TJPR), que supostamente teria" se utilizado de seus conhecimentos e trâmites perante a Egrégia Corte "para tanto, conjuntura fática que, em análise sumária, possibilita a conformação típica nos termos como veiculado na peça acusatória.
Desta forma, excluindo-se a pretensão de uma análise exaustiva sobre as situações fáticas sustentadas pelo querelante, que dependerá, não se olvida, de produção probatória a ser futuramente realizada, os elementos informativos ora amealhados possibilitam o exercício da ação penal, assim como o da ampla defesa e do contraditório pelos acusados, porquanto a queixa se encontra lídima e certa quanto aos fatos típicos a eles direcionados."
O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus trata-se de exceção, somente admitida nos casos de absoluta evidência de que, nem mesmo em tese, o fato imputado constitui crime, o que inocorre no presente caso. requisitos para o oferecimento da denúncia, o artigo 41 do Código de Processo Penal. Por sua vez, quanto aos estabelece que:
(...)
Outrossim, verifica-se que a queixa (autos nº 0002693-91.2023.8.16.0013, mov. 1.1) prima facie observou os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal e, não obstante, o almejado sobrestamento da ação penal exige comprovação incontroversa da ausência de justa causa, circunstância não evidenciada.
Assim sendo, da análise da queixa, extrai-se que esta preenche todos os requisitos legais. Isto, pois, a exordial acusatória apresenta a qualificação da acusada, a classificação dos crimes, rol das testemunhas, bem como a exposição do fato criminoso, sendo que da exposição narrativa é possível se extrair a conduta teoricamente praticada pelo ora paciente, com o reconhecimento da adequação típica dos fatos, possibilitando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
Destarte, a indubitável comprovação da ação dolosa do ora paciente, deve ser efetuada no decorrer da instrução processual, não se falando, no presente momento, em ausência de justa causa por inexistência de indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas.
No presente caso, a análise aprofundada sobre a questão da existência de dolo circunscreve-se ao exame de provas a serem eventualmente produzidas nos autos, o que é totalmente inviável na via eleita, consoante igualmente expressado pelo Tribunal de origem no acórdão impugnado.
Com efeito, é iterativa a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser imprópria a via do habeas corpus (e do seu recurso) para a análise de teses que demandam a incursão no acervo fático-probatório. A esse respeito:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR INÉPCIA DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE EXAME APROFUNDADO DAS PROVAS E FATOS. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 41 DO CPP. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE ANÁLISE APROFUNDADA DAS ALEGAÇÕES DEFENSIVAS NESSE MOMENTO PROCESSUAL. JUÍZO DE MERA PRELIBAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO NO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "O trancamento da ação penal, na via estreita do habeas corpus, somente é possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito (AgRg no RHC n. 120.936/RN, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 25/6/2020).
(...)
4. Nos termos da jurisprudência desta Corte, não se admite o revolvimento fático e probatório para o fim de identificação da ausência de justa causa, matéria essa que deve ser destinada ao exame meritório originário.
(...)
(AgRg no RHC n. 167.526/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 15/9/2023.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. (...)
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA INÉPCIA DA DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. EXPOSIÇÃO DOS FATOS CRIMINOSOS E AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS, POSSIBILITANDO O PLENO EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP REENCHIDOS. EVENTUAL DISCUSSÃO ACERCA DAS TESES ABSOLUTÓRIAS APRESENTADAS PELA DEFESA, BEM COMO DA MATERIALIDADE E AUTORIA CRIMINOSAS, DEVE OCORRER NO CURSO DA AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(...)
4. O trancamento prematuro da ação penal somente é possível quando ficar manifesto, de plano e sem necessidade de dilação probatória, a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade, ou ainda quando se mostrar inepta a denúncia por não atender comando do art. 41 do Código de Processo Penal.
5. Conforme exaustivamente apontado pela Corte local, tem-se que, ao contrário do alegado, a inicial acusatória preenche todos os requisitos elencados no artigo 41 do CPP, pois delimita, de forma clara e precisa, a acusação que pesa sobre o recorrente e de que forma a responsabilidade penal lhe é atribuída, possibilitando o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, motivo pelo qual não há como determinar o prematuro trancamento da ação penal em tela. Assim, qualquer conclusão no sentido de inexistência de prova apta para embasar o ajuizamento da ação penal demanda o exame aprofundado de provas, providencia incabível no âmbito do habeas corpus. A propósito, mostra-se acertada a conclusão da Corte local, proferida em sede de habeas corpus, segundo a qual as teses defensivas são típicas do mérito da ação penal e, como tal, devem ser alegadas e enfrentadas no processo respectivo, especialmente na por ocasião da prolação da sentença, a qual, no caso, encontra-se pendente.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no RHC n. 179.078/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 28/8/2023.)
No tocante à inépcia da queixa-crime devido à sua generalidade, observa-se que houve narrativa específica da suposta conduta, com transcrição dos trechos reputados ilícitos, lançados pelo querelado nas razões do recurso especial. Portanto, houve atendimento ao disposto no art. 41 do Código de Processo Penal.
Quanto à ausência de justa causa para a ação penal devido à impossibilidade de imputação dos crimes de injúria e difamação ao advogado no exercício da profissão, observa-se, sem a necessidade de análise de fatos ou provas, que assiste razão ao recorrente. Com efeito, assim dispõe o artigo 142, inciso I, do Código Penal:
Exclusão do crime Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:
I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;
De acordo com a queixa-crime, a suposta ofensa teria sido irrogada em peça de recurso especial exarada pelo advogado no exercício da sua profissão. Ademais, o trecho destacado pelo querelante como ofensivo demonstra pertinência com a controvérsia que constituía o objeto do recurso especial. Assim, realmente inexiste justa causa para a ação penal quanto aos crimes de injúria e difamação, por força da previsão contida no art. 142 do CP. Saliente-se que o mencionado dispositivo legal contém a exclusão dos crimes de injúria e difamação, mas não repercute no crime de calúnia.
Nesse sentido, mutatis mutandis:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 284/STF. CRIME DE CALÚNIA.DOLO ESPECÍFICO. CONFIGURAÇÃO. HISTÓRICO BELIGERANTE DO ADVOGADO.ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ.
IMUNIDADE MATERIAL. ART. 142, I, DO CP. NÃO ABRANGE O CRIME DE CALÚNIA. AÇÃO PENAL PRIVADA. APLICABILIDADE DO ART. 520 DO CPP.NULIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PÁS DE NULLITÉ SANS GRIEF.PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Os únicos dispositivos de Lei Federal citados por violados são os artigos 2º, § 3º e 7º, II, da Lei n. 8.906/94, e, em menor ênfase, os arts. 142 do CP e 520 do CPP, que dispõem a respeito da exclusão do crime e possibilidade de reconciliação. Assim, mantém-se a aplicação do óbice da Súmula n. 284/STF quanto aos temas suspeição, error in judicando e decadência.
2. Nos termos do aresto combatido, a conduta volitiva apta à configuração do crime de calúnia adveio do considerado histórico beligerante do recorrente, que declarou anteriormente inimizade à vítima - juiz, já tendo representado contra ela, além de ter sido advertido dos exageros ocorridos em audiências anteriores. Assim, de fato, para se concluir de modo diverso, pela absolvição do recorrente por ausência de dolo específico, seria necessário o revolvimento fático-probatório, vedado conforme Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça - STJ.
3."A imunidade material dos advogados não abrange a calúnia. A exclusão do crime contra a honra alcança somente a injúria e a difamação (art. 142, inciso I, do Código Penal)"(AgRg no RHC n. 106.978/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 3/2/2020).
4. O crime de calúnia é de ação penal privada e embora se possa, em teoria, cogitar constrangimento ilegal ao recorrente no ato do recebimento da queixa-crime sem antes permitir a realização da audiência de reconciliação, prevista no art. 520 do CPP, não restou evidenciado o prejuízo diante da não realização do procedimento. É assente no STJ que não se anulam atos pretensamente violadores de direitos sem a demonstração de prejuízo (pás de nullité sans grief).
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.235.253/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 23/5/2023.)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS. CALÚNIA. IMUNIDADE DO ADVOGADO. EXCLUDENTE NÃO ABSOLUTA.
PREVISÃO LEGAL QUE SE LIMITA APENAS AOS CRIMES DE INJÚRIA E DIFAMAÇÃO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTA CORTE.
CONFIGURAÇÃO DO DOLO DE CALUNIAR. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO NA VIA CÉLERE DO HABEAS CORPUS. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A imunidade material dos advogados não abrange a calúnia. A exclusão do crime contra a honra alcança somente a injúria e a difamação (art. 142, inciso I, do Código Penal).
2. O eventual reconhecimento da atipicidade da conduta dependeria de avaliar a configuração da intenção de caluniar. Isso, todavia, deve ser examinado na oportunidade processual adequada, pelo Juiz da causa, após a instrução do feito, sob pena de que as instâncias superiores imiscuam-se indevidamente em matéria probatória - o que é vedado na via estreita do habeas corpus.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC n. 106.978/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe de 3/2/2020.)
É válido reproduzir excerto de julgado oriundo do Supremo Tribunal Federal a respeito de supostos crimes contra a honra praticados no exercício da advocacia:
" (...) INVIOLABILIDADE DO ADVOGADO - CRIMES CONTRA A HONRA - ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO - O "ANIMUS DEFENDENDI" COMO CAUSA DE DESCARACTERIZAÇÃO DO INTUITO CRIMINOSO DE OFENDER. - A inviolabilidade constitucional do Advogado: garantia destinada a assegurar-lhe o pleno exercício de sua atividade profissional. - A necessidade de narrar, de defender e de criticar atua como fator de descaracterização do tipo subjetivo peculiar aos delitos contra a honra. A questão das excludentes anímicas. Doutrina. Precedentes. - Os atos praticados pelo Advogado no patrocínio técnico da causa, respeitados os limites deontológicos que regem a sua atuação como profissional do Direito e que guardem relação de estrita pertinência com o objeto do litígio, ainda que expressem críticas duras, veementes e severas, mesmo se dirigidas ao Magistrado, não podem ser qualificados como transgressões ao patrimônio moral de qualquer dos sujeitos processuais, eis que o "animus defendendi" importa em descaracterização do elemento subjetivo inerente aos crimes contra a honra. Precedentes. O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA E A NECESSIDADE DE RESPEITO ÀS PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DO ADVOGADO. - O Supremo Tribunal Federal tem proclamado, em reiteradas decisões, que o Advogado - ao cumprir o dever de prestar assistência àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado - converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja a instância de poder perante a qual atue, incumbe, ao Advogado, neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias - legais e constitucionais - outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos. - O exercício do poder-dever de questionar, de fiscalizar, de criticar e de buscar a correção de abusos cometidos por órgãos públicos e por agentes e autoridades do Estado, inclusive magistrados, reflete prerrogativa indisponível do Advogado, que não pode, por isso mesmo, ser injustamente cerceado na prática legítima de atos que visem a neutralizar situações configuradoras de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele em cujo favor atua. - O respeito às prerrogativas profissionais do Advogado constitui garantia da própria sociedade e das pessoas em geral, porque o Advogado, nesse contexto, desempenha papel essencial na proteção e defesa dos direitos e liberdades fundamentais. CONTROLE JURISDICIONAL DA ATIVIDADE PERSECUTÓRIA DO ESTADO: UMA EXIGÊNCIA INERENTE AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. - O Estado não tem o direito de exercer, sem base jurídica idônea e suporte fático adequado, o poder persecutório de que se acha investido, pois lhe é vedado, ética e juridicamente, agir de modo arbitrário, seja fazendo instaurar investigações policiais infundadas, seja promovendo acusações formais temerárias, notadamente naqueles casos em que os fatos subjacentes à "persecutio criminis" revelam-se destituídos de tipicidade penal. Precedentes. - A extinção anômala do processo penal condenatório, em sede de "habeas corpus", embora excepcional, revela-se possível, desde que se evidencie - com base em situações revestidas de liquidez - a ausência de justa causa. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal ou, até mesmo, à própria condenação criminal. Precedentes.
(HC 98237, Relator (a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15-12-2009, DJe-145 DIVULG 05-08-2010 PUBLIC 06-08-2010 EMENT VOL-02409-04 PP-00777 RTJ VOL-00214-01 PP-00472 RF v. 106, n. 411, 2010, p. 391-411 REPIOB v. 3, n. 24, 2010, p. 774-771 RJSP v. 59, n. 400, 2011, p. 321-350)
Quanto ao ponto, merece destaque o parecer exarado pelo Ministério Público atuante perante a Justiça local ao analisar os fatos, cujos fundamentos adoto como razões complementares (fls. 05-09):
Ocorre que, em relação aos delitos de difamação e injúria, verifica-se que é aplicada no caso em tela a exclusão do crime exposta no artigo 142, inciso I, do Código Penal, in verbis:
(...)
No caso dos autos, nota-se que a difamação e injúria alegadas pelo requerente, em tese, foram praticadas no momento em que os requeridos peticionaram nos autos nº 0004516-78.2019.8.16.0001, razão pela qual deve ser realizada a exclusão de criminalidade em relação à difamação e injúria. Insta salientar que tal exclusão, chamada pela doutrina de imunidade judiciária, abrange as ofensas contra pessoas estranhas à relação processual, como por exemplo, testemunhas.
Depreende-se dos ensinamentos de Cezar Roberto Bittencout1:
Ponto que precisa ser esclarecido refere-se aos limites subjetivos (ativo e passivo) da imunidade judiciária: afinal, qual é a abrangência dessa imunidade, quem está protegido por ela e contra quem a ofensa imune pode ser proferida? A imunidade judiciária abrangerá as ofensas irrogadas pela parte ou seu procurador contra pessoas estranhas à relação processual, como, por exemplo, perito, testemunha, escrivão etc.? E a eventual ofensa destinada ao juiz da causa, estaria acobertada pela imunidade? Por outro lado, o juiz e o órgão do Ministério Público estão protegidos pela excludente em exame? Enfim, são questões relacionadas aos limites subjetivos da imunidade judiciária que devemos examinar. [...] Como o texto legal não diz que a injúria ou difamação deve ser dirigida contra a parte contrária ou seu procurador, não exclui a imunidade mesmo quando a ofensa é dirigida contra alguém estranho à relação processual (exemplo: testemunha, perito ou qualquer terceiro), desde que haja conexão com a causa em discussão. Essa ausência de restrição legal vem a adequar-se ao princípio da ampla defesa.
Dessa forma, verifica-se que os requeridos AXXXXXXXXXXXXXX praticaram, em tese, apenas o delito de calúnia, previsto no artigo 138 do Código Penal.
Nessa linha, a suposta acusação de que o advogado teria praticado os delitos de injúria e difamação em sede de recurso especial demonstra, de plano, a ausência de justa causa para a adequação típica nos artigos 139 e 140 do Código Penal.
Não obstante, subsiste a imputação, em tese, do crime de calúnia, o qual possui pena cominada de seis meses a dois anos de detenção, e multa. Desse modo, a classificação delitiva impõe o reconhecimento da competência do Juizado Especial Criminal para o processamento do feito originário, à luz do preconizado no artigo 61 da Lei n. 9.099/95.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso ordinário em habeas corpus para trancar a ação penal privada apenas com relação aos crimes de injúria e difamação. E, em consequência, fixo a competência do Juizado Especial Criminal para o processamento da ação penal privada nº 0002693-91.2023.8.16.0013.
Publique-se. Intimem-se. Comunique-se.
Brasília, 18 de abril de 2024.
Ministro Messod Azulay Neto
Relator
(STJ - RHC: 184092, Relator: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Publicação: 22/04/2024)
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