STJ Nov24 - Revogação de Prisão Preventiva - Lei de Drogas - Réu Primário e Pequena Quantidade Apreendida

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


HABEAS CORPUS Nº 962034 - ES (2024/0439001-0) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

ADVOGADOS : MARIA EDUARDA ROCHA ROBERTO - ES038814 EMMANUELLE VIEIRA SILVA - ES015460

DECISÃO Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de ALLAN KXXXXXXXXXXX apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (HC n. 5013500- 15.2024.8.08.0000). Depreende-se dos autos que o paciente encontra-se preso preventivamente e foi denunciado pela prática, em tese, de tráfico de drogas por ter em depósito 4 buchas de maconha, 6 pinos de cocaína e uma balança de precisão. Segundo a denúncia (e-STJ fl. 15):

Narram os autos que na data e horário supramencionados, policiais civis se dirigiram ao endereço do denunciado após receberem informações de que ele estaria com a arma de fogo utilizada em uma dupla tentativa de homicídio apurada pela DHPP. Assim, prosseguiram para a residência do denunciado com o objetivo de lhe entregar a intimação para comparecimento na delegacia para prestar depoimento. Ao chegarem na residência supramencionada, a proprietária do imóvel permitiu verbalmente a entrada dos policiais e indicou a quitinete que o denunciado havia alugado. Ao perceber a presença policial, o denunciado demonstrou grande nervosismo, sendo visualizado em cima de uma mesa uma balança de precisão, seis pinos de cocaína e quatro buchas de maconha. Merece registro que é de conhecimento dos policiais que o denunciado atua como traficante de drogas do Bairro Santa Rosa. Após a apreensão, o denunciado foi encaminhado ao DPJ local. Autoria e materialidade demonstradas por meio do Boletim Unificado nº 54900321 (ID 45420118) Auto de Apreensão (ID 45420118), Auto de constatação provisório de natureza e quantidade de drogas (ID 45420118), bem como pelos depoimentos colhidos na esfera policial. Ante o exposto, ALLAN-KAXXXXXXX, encontra-se incurso, em tese, no crime descrito no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006.
O Tribunal de origem denegou a ordem (e-STJ fls. 8/12). DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. EXCESSO DE PRAZO NA PRISÃO PREVENTIVA. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. ORDEM DENEGADA. 1. O oferecimento de denúncia pelo Ministério Público Estadual após a impetração de habeas corpus supera a alegação de excesso de prazo. 2. A prisão preventiva se mantém quando presentes os requisitos do art. 312 do CPP, como o risco concreto de reiteração delitiva e a garantia da ordem pública. 3. Ordem denegada.

Daí o presente writ, no qual alega a defesa que "a medida é desproporcional às circunstâncias dos fatos. A quantidade de entorpecentes apreendida é pequena (10 gramas) e não justifica, por si só, a manutenção da prisão, especialmente considerando que medidas cautelares diversas poderiam ser aplicadas de forma adequada e suficiente para assegurar a ordem pública" (e-STJ fl. 4).

Requer, liminarmente e no mérito, a expedição de alvará de soltura. Subsidiariamente, pleiteia a substituição da prisão preventiva por medida cautelar diversa.

É o relatório. Decido.

Insta consignar que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva (e-STJ fls. 83/84, grifei):

Conforme consta do ADPF, policiais civis do DHPP de Guarapari receberam informações no sentido de que a arma de fogo utilizado em um duplo homicídio, fato com a possível participação do autuado, estaria em uma residência situada na Avenida Oceânica, n° 61, Praia do Morro. Prosseguindo ao local indicado, os policiais foram recebidos pela proprietária do imóvel, que franqueou a entrada policial e indicou a kitnet do indiciado. Em seguida, o autuado se apresentou aos policiais, momento em que foram visualizadas drogas em uma mesa, sendo localizadas 01 balança de precisão, 06 pinos de cocaína e 04 buchas de maconha. Em pesquisas realizadas nos sistemas judiciais foram encontrados registros criminais do indiciado sendo: (01) Ação Penal DIGITALIZADA (Tráfico de Drogas e Condutas Afins), (01) Termo Circunstanciado BAIXADO (Posse de Drogas para Consumo Pessoal), e Registro no INFOPEN. Pois bem, neste contexto, considerando a manifestação do IRMP neste ato, requerendo a conversão da prisão em flagrante em preventiva, passo a análise dos requisitos previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal. A custódia cautelar, como é cediço, é medida excepcional e destina-se à garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, sendo estes os chamados requisitos subjetivos. No mesmo sentido, o artigo 313 do Código de Processo Penal estabelece os critérios objetivos em que a prisão preventiva será admitida, estabelecendo as seguintes hipóteses: [...] Tratando-se de medida cautelar assecuratória, além do cumprimento dos requisitos objetivos e subjetivos elencados, é necessária a existência, no caso concreto, dos requisitos cautelares do fumus comlssi delicti e do periculum libertatis a ensejar a medida cautelar mais gravosa. Em análise dos autos é possível concluir que existem provas suficientes da existência de crime a ensejar a materialidade do delito e fortes indícios de que o autuado realmente tenha praticado o crime que lhe foi atribuído, estando presente, neste momento, o fumus comissi delicti. Desta forma, a liberdade do autuado, neste momento, se mostra temerária e a prisão preventiva oportuna, ressaltando-se as circunstâncias e a gravidade concreta dos fatos narrados no APFD, considerando que a prisão do autuado se deu em decorrência do recebimento de informações pelos policiais civis e da realização de investigações preliminares a respeito de um duplo homicídio do qual o autuado seria suspeito. Ademais, registra-se a apreensão de variedade de drogas e balança de precisão. Ademais, a reiteração delitiva do indiciado demonstra que medidas cautelares diversas da prisão se revelam inócuas para resguardar a ordem pública, eis que uma vez este em liberdade poderá voltar a cometer atos da mesma natureza, intimidar testemunhas e se evadir do distrito de culpa, estando evidente, em cognição sumária, o periculum libertatis no caso concreto. Ante o exposto, CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA DO AUTUADO, com fulcro nos artigos 312 e 313, inciso I, todos do Código de Processo Penal, para garantia da ordem pública, aplicação da Lei Penal e conveniência da instrução criminal, tendo esta decisão respeitado os limites da lei 13.869/2019. eis que. no caso concreto, não há como aplicar medida cautelar diversa ou conceder a liberdade provisória.

Não obstante, ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar ao agente, especialmente porque ele é primário e foi apreendida pequena quantidade de entorpecente.

Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual a "prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".

Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. [...] As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).

Nesse sentido:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO. [...] 4. Em que pese a concreta fundamentação da custódia para garantia da ordem pública, na miríade de providências cautelares previstas nos arts. 319, 320 e 321, todos do CPP, a decretação da prisão preventiva será, como densificação do princípio da proibição de excesso, a medida extrema a ser adotada, somente para aquelas situações em que as alternativas legais à prisão não se mostrarem aptas e suficientes a proteger o bem ameaçado pela irrestrita e plena liberdade do indiciado ou acusado. 5. Sob a influência do princípio da proporcionalidade e considerando que os recorrentes são primários, possuem ocupação lícita e residência fixa, foram surpreendidos dentro de veículo (condutor e passageiros) com 68,2 g de cocaína, sem investigações policiais prévias ou maiores sinais de que se dedicavam ao tráfico de drogas de forma profissional ou de que integrassem organização criminosa, é adequada a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, para a mesma proteção da ordem pública (art. 319, I, II e V, do CPP). 6. Recurso ordinário provido para substituir a prisão preventiva dos recorrentes pelas medidas previstas no art. 319, I, II e V, sem prejuízo de outras medidas que o prudente arbítrio do juiz natural da causa indicar cabíveis e adequadas. (RHC n. 83.174/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/5/2017, DJe 23/6/2017.) HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ELEMENTARES DO TIPO PENAL. PACIENTE PRIMÁRIO, PORTADOR DE BONS ANTECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REVOGAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. MEDIDAS CAUTELARES. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO. HC NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...] 4. Condições subjetivas favoráveis, conquanto não sejam garantidoras de eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas, quando não for demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva, máxime diante das peculiaridades do caso concreto, em que o acusado foi flagrado na posse de 21,29g de cocaína e crack, sendo adequada e proporcional a imposição de medidas cautelares diversas da prisão. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para revogar o decreto prisional do paciente, salvo se por outro motivo estiver preso, substituindo a segregação preventiva por medidas cautelares diversas, à critério do juízo processante, sem prejuízo da decretação de nova prisão, desde que concretamente fundamentada. (HC n. 380.308/SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 5/4/2017.)

Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer, como dito, ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa. Na espécie, insta salientar que o magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao agente.

Ante o exposto, concedo em parte a ordem para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.

Publique-se. Intimem-se. Brasília, 21 de novembro de 2024.

Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO Relator

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 962034 - ES (2024/0439001-0) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJe/STJ nº 3998 de 25/11/2024)

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