STJ Abr25 - Queixa-Crime - Procuração do Advogado Sem Poderes Específico - Irregularidade Pode ser Sanada a Qualquer Tempo até a Sentença - Contudo, Deve ser Sanada Dentro do Prazo Decadencial - Trancamento da Ação Penal - Consecutiva Decadência do Caso

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por ADRIANO XXXXXXXX contra acórdão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás, no HC n. 6115164-45.2024.8.09.0000, assim ementado:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS QUEIXA-CRIME. REGULARIDADE DO INSTRUMENTO DE MANDATO. REQUISITOS DO ART. 44 DO CPP. SUFICIÊNCIA. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado visando ao trancamento da ação penal sob alegação de nulidade do instrumento de mandato que acompanhou a queixa-crime, por suposta ausência de descrição do fato criminoso e de tipificação penal. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em: (i) saber se o instrumento de mandato anexo à queixa-crime atende ao disposto no art. 44 do Código de Processo Penal; (ii) verificar se a queixa-crime preenche os requisitos de procedibilidade previstos na legislação processual penal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O instrumento de mandato apresentado com a queixa-crime indicou, ainda que de forma sucinta, o fato criminoso, mencionando a prática de crimes e contravenções penais por meio de mensagens enviadas no grupo de WhatsApp, em data específica, apontando ainda a qualificação do querelado. 4. A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça estabelece que é suficiente a menção genérica ao fato criminoso no mandato, desde que os elementos essenciais à identificação do objeto da ação estejam presentes. 5. A queixa-crime atende aos requisitos do art. 41 do CPP, com descrição dos fatos, tipificação penal, qualificação do querelado e elementos suficientes para a ampla defesa e o contraditório. Documento eletrônico VDA46565873 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MARCELO NAVARRO RIBEIRO DANTAS Assinado em: 02/04/2025 15:18:30 Publicação no DJEN/CNJ de 04/04/2025. Código de Controle do Documento: 8b12f317-4a47-44ee-8410-21ca63efeb60 6. A inexistência de irregularidade no instrumento procuratório e o cumprimento do prazo decadencial afastam a alegação de extinção de punibilidade pela decadência do direito de representação. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Ordem denegada. Tese de julgamento: "1. A menção genérica ao fato criminoso no instrumento de mandato que acompanha a queixa- crime atende ao disposto no art. 44 do CPP, desde que possibilite a identificação do objeto da ação penal. 2. A queixacrime que preenche os requisitos do art. 41 do CPP e foi apresentada dentro do prazo decadencial é regular e válida para o desenvolvimento da ação penal." Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 38, 41 e 44. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC n. 825.712/SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato, DJe 1/3/2024; HC nº 5427865-88.2023.8.09.0000, Rel. Des. Carmecy Rosa Maria Alves de Oliveira, DJe 12/05/2023. (e-STJ, fls. 177-178)

Em seu arrazoado, o recorrente aponta a existência de constrangimento ilegal diante do recebimento, pelo Juízo da 1ª Vara Criminal de Catalão-GO, de queixa-crime, apesar da manifesta ausência de condição de procedibilidade, bem como da decadência do direito de queixa, ambas decorrentes de vício na procuração não sanado no prazo legal.

Alega que a procuração outorgada pela querelante limitou-se a conferir poderes ao advogado para ingressar com queixa-crime em virtude "dos crimes e contravenções penais" praticados, em desobediência ao disposto no art. 44 do Código de Processo Penal.

Explica que a defesa suscitou a preliminar em sede de resposta à acusação e que, como o vício não foi sanado no prazo previsto no art. 38 do Código de Processo Penal, pugnou pela extinção da punibilidade diante da decadência do direito de representação.

O pleito foi indeferido e o habeas corpus impetrado contra essa decisão não foi conhecido, sob o entendimento de que a procuração atendia às disposições do referido art. 44. Sustenta que, diferentemente do que se entendeu, a procuração no caso concreto não permite identificar o objeto da queixa, pois não indica, nem mesmo de forma sucinta, qual crime o advogado estava autorizado a imputar ao acusado.

Ademais, uma vez constatado que a procuração não preenche os requisitos legais, o vício não foi corrigido dentro do prazo decadencial, impondo a declaração da extinção da punibilidade do recorrente.

Explica que, no caso concreto, a querelante veio a saber que o recorrente seria o autor dos supostos crimes em 30/3/2024, data na qual leu as mensagens de WhatsApp e que o prazo decadencial já se implementou em 29/9/2024, visto que não foi sanado o vício no instrumento de mandato. Requer, liminarmente, a suspensão da ação penal até o julgamento definitivo do presente writ. No mérito, que seja reconhecida a falta de condição de procedibilidade da queixa crime, nos termos do art. 395, inciso II, do Código de Processo Penal, e, consequentemente, declarar extinta a punibilidade do recorrente pela decadência, com fundamento no art. 107, inciso IV, do Código Penal, determinando-se o trancamento da ação penal.

Por fim, protesta pelo julgamento do feito em sessão presencial a fim de possibilitar a sustentação oral. Foram apresentadas contrarrazões (e-STJ, fls. 217-218), reiterando o parecer da Procuradoria de Justiça acostado às fls. 117-119, e-STJ.

O pedido liminar foi indeferido (e-STJ, fl. 225), assim como o pleito de sua reconsideração (e-STJ, fls. 261-262). Prestadas as informações (e-STJ, fls. 234-243; 244-253 e 254-257), o Ministério Público opinou pelo desprovimento do recurso (e-STJ, fls. 267-271).

É o relatório. Decido.

Inicialmente, cumpre ressaltar que "[a] decisão monocrática proferida por Relator não afronta o princípio da colegialidade e tampouco configura cerceamento de defesa, ainda que não viabilizada a sustentação oral das teses apresentadas, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão [...] permite que a matéria seja apreciada pela Turma, o que afasta absolutamente o vício suscitado pelo agravante" (AgRg no HC 485.393/SC, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 28/3/2019).

É "plenamente possível, desta forma, que seja proferida decisão monocrática por Relator, sem qualquer afronta ao princípio da colegialidade ou cerceamento de defesa, quando todas as questões são amplamente debatidas, havendo jurisprudência dominante sobre o tema, ainda que haja pedido de sustentação oral" (AgRg no HC 607.055/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 09/12/2020, DJe 16/12/2020).

Vale anotar, ainda, que a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido que não há, no ordenamento jurídico vigente, o direito de exigir que o julgamento ocorra por meio de sessão presencial. Portanto, o fato de o julgamento se realizar de forma virtual, mesmo com a oposição expressa e tempestiva da parte, não é, por si só, causa de nulidade ou cerceamento de defesa.

Até porque, mesmo nas hipóteses em que cabe sustentação oral, se o seu exercício for garantido e viabilizado na modalidade de julgamento virtual, não haverá qualquer prejuízo ou nulidade, ainda que a parte se oponha a essa forma de julgamento, porquanto o direito de sustentar oralmente as suas razões não significa o de, necessariamente, o fazer de forma presencial.

Quanto ao mérito da controvérsia, verifico assistir razão à parte recorrente.

Ao receber a peça acusatória, o Juízo da Vara Criminal de Catalão-GO entendeu que a queixa-crime oferecida preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, pois trouxe a descrição fática completa sobre o delito e qualificou devidamente o acusado.

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça de Goiás, por maioria, entendeu que a queixa-crime atende ao disposto no art. 44 do Código de Processo Penal e foi apresentada dentro do prazo decadencial de 6 meses previsto no art. 38 do mesmo CPP.

No voto divergente, no entanto, compreendeu-se que a procuração não preenche os requisitos legais, porquanto não indicou o nomen iuris do ato delitivo e sequer o artigo de lei relativo ao tipo penal incriminador, constando apenas uma vaga menção a "crimes e contravenções penais praticados por ele em desfavor da outorgante".

Além disso, registrou-se que, embora o vício possa ser corrigido a qualquer tempo antes da sentença condenatória, deveria ter sido feito no prazo no art. 38 do Código de Processo Penal, o que não ocorreu na hipótese. De fato, na presente hipótese, a peça acusatória não preenche os requisitos legais previstos na norma processual penal.

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Inquérito n. 3.209-DF, 2ª Turma, de relatoria do Ministro Celso de Mello, consignou que "a ação penal privada, para ser validamente ajuizada, depende, dentre outros requisitos essenciais, da estrita observância, por parte do querelante, da formalidade imposta pelo art. 44 do CPP, que exige a produção, nos autos do processo principal, de procuração [...] com poderes específicos, de que constem a indicação do nome do querelado e a menção expressa ao fato criminoso, bastando, quanto a este, que o instrumento de mandato judicial contenha, ao menos, referência individualizadora concernente ao evento delituoso, mostrando-se dispensável, para tal efeito, a descrição minuciosa ou pormenorizada do fato".

Conforme explicitado naquele julgado, na queixa-crime, que instrumentaliza a ação penal condenatória de iniciativa privada, o querelante atua como verdadeiro substituto processual do Estado, deduz pretensão punitiva em decorrência de imputação que faz ao querelado, atribuindo-lhe prática criminosa.

Daí a imprescindibilidade de procuração que observe as exigências previstas no art. 44 do Código de Processo Penal. Ainda de acordo com o Ministro Celso de Mello, "embora supríveis as omissões (CPP, art. 568), a regularização do instrumento de mandato judicial somente poderá ocorrer se ainda não consumada a decadência do direito de queixa, pois, decorrido, in albis, o prazo decadencial, sem a correção do vício apontado, impor-se-á o reconhecimento da extinção da punibilidade do querelado".

Sendo assim, as irregularidades contidas na procuração outorgada pelo querelante, com exceção daquelas que se refiram à legitimatio ad causam, podem ser sanadas a qualquer tempo, até a prolação da sentença, conforme disposição do art. 569 do Código de Processo Penal, e enquanto não escoado o prazo decadencial de 6 meses previsto no art. 38 do referido diploma.

In casu, conforme anotado pela parte recorrente, a querelante veio a saber que o recorrente seria o autor dos supostos crimes em 30/3/2024, data na qual leu as mensagens de WhatsApp.

Nesse contexto, o prazo decadencial se implementou em 29/9/2024, sem que tenha sido sanado o vício no instrumento de mandato.

Dentro desse contexto, é de rigor o reconhecimento da falta de condição de procedibilidade da queixa-crime, nos termos do art. 395, inciso II, do Código de Processo Penal Diante do exposto, dou provimento ao recurso para declarar extinta a punibilidade do recorrente pela decadência, com fundamento no art. 107, inciso IV, do Código Penal, determinando-se o trancamento da Ação Penal n. 5815192-96.2024.8.09.0029. Publique-se. Intime-se. Brasília, 02 de abril de 2025. Ministro Ribeiro Dantas Relator

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 212901 - GO (2025/0084880-9) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 04/04/2025)

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