STJ Fev25 - Execução Penal - Prisão Domiciliar para Mãe Com Filho Menor de 12 Anos se Aplica para Presas Definitivas

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, impetrado em benefício de BIXXXXXXS, contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, proferido no julgamento do HC n. 2358408-37.2024.8.26.0000.

Extrai-se dos autos que o Juízo da Vara de Execução Penal indeferiu pedido de prisão domiciliar formulado pela paciente. Irresignada, a defesa impetrou writ perante o Tribunal de origem, o qual denegou a ordem de habeas corpus, nos termos do acórdão assim ementado:

"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR. Paciente que foi condenada a cumprir pena em regime fechado, progredida ao regime semiaberto. Artigo 117 da LEP. Benefício que só se aplica aos condenados em regime aberto. Inexistência de previsão legal. Ordem denegada." (fl. 17).

Na presente impetração, a defesa alega que é cabível a prisão domiciliar humanitária a presos em cumprimento de pena em regime mais gravoso, além de afirmar a imprescindibilidade da mãe para os cuidados de criança menor de doze anos de idade.

Requer, assim, a concessão da ordem para que seja concedida a prisão domiciliar. O pedido de liminar foi indeferido conforme decisão de fls. 46/47. O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ, em parecer de fls. 60/61.

É o relatório. Decido.

Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.

A Suprema Corte, por ocasião do julgamento do HC 143.641/SP, concedeu habeas corpus coletivo às mulheres presas preventivamente, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas determinadas restrições.

Na ocasião, o voto condutor do acórdão, proferido pelo Ministro Ricardo Lewandowski indicou a impossibilidade do benefício para: a) crimes cometidos mediante violência ou grave ameaça, b) delitos perpetrados contra os descendentes ou c) em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas.

Esta Corte Superior, por sua vez, possui entendimento firme no sentido de que a norma penal que visa a proteção das crianças menores de doze anos não distingue as mães que cumpram penas definitivas daquelas submetidas à prisão cautelar, estendendo a aplicação do julgado acima referido também às presas definitivas, respeitados os requisitos legais.

Posteriormente, sobreveio a publicação da Lei n. 13.769/2018, que acrescentou o art. 318-A ao Código de Processo Penal – CPP, com a seguinte redação:

"Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018). I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente."

Verifica-se que a inovação da lei processual positivou o entendimento anteriormente firmado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, e, não obstante tenha elencado apenas duas exceções à concessão da prisão domiciliar, é certo que seu cabimento deve ser analisado caso a caso, devendo prevalecer o que restou decidido pela Suprema Corte nas questões não abrangidas pela nova legislação.

Assim, a ausência de previsão expressa de outras situações que obstem a concessão da prisão domiciliar não impede a atuação do julgador no sentido de negar a benesse quando constatada situação excepcionalíssima que revele a inadequação da medida.

No caso dos autos, o Tribunal de origem indeferiu o pleito de concessão de prisão domiciliar nos seguintes termos:

"A paciente foi definitivamente condenada, por crime de tráfico de drogas, às penas de 7 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 777 dias- multa. Ao que consta da r. decisão apontada, a condenada obteve recentemente progressão ao regime semiaberto. Pede a impetração que a paciente cumpra sua pena em prisão domiciliar, uma vez que possui filho menor de 12 anos. Contudo, nos termos do art. 117 da LEP, a permissão de cumprimento de pena em domicílio é reservada àqueles que, estando em regime aberto, se encontram entre os relacionados naquele dispositivo. No caso, de se consignar que a paciente foi condenada ao cumprimento de pena em regime fechado, a par de já se encontrar cumprindo pena no regime semiaberto. Ademais, consoante constou da decisão recorrida 'embora o(a) sentenciado(a) tenha filho(s) menor(es) de 12 anos (fls. 421), não comprovou a imprescindibilidade da medida pretendida. Afinal, não há nos autos notícias de que a(s) criança(s) esteja(m) desamparada(s) ou que se encontre(m) em situação de extrema vulnerabilidade. Tampouco há provas de que o(a) sentenciado(a) seja a única fonte de subsistência e cuidado (...). Ademais, a possibilidade do filho ter algum tipo de contato com a mãe ou outro recurso dentro das possibilidades legais, para que possa compreender o ocorrido a fim de minimizar seu sofrimento e os riscos à sua saúde mental é plenamente assegurada por meio do direito de visitas previsto no artigo 41, X, da Lei de Execução Penal (...) a recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, atinge apenas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou sejam mães de crianças e deficientes, o que não é o caso dos autos. Por fim, também não se aplica a recém publicada Lei nº 13.769/2018, uma vez que prevê a substituição apenas da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou mãe de crianças'." (fls. 18/19).

No entanto, o entendimento adotado pelo Tribunal de origem está em sentido contrário à jurisprudência desta Corte, uma vez que é possível a concessão de prisão domiciliar à mãe de crianças menores de doze anos, mesmo em casos de condenação definitiva, inclusive cumprindo pena no regime inicial semiaberto.

Nessa direção, confiram-se os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO DEFINITIVA. SUBSTITUIÇÃO POR PRISÃO DOMICILIAR. FILHOS MENORES DE 12 ANOS. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Muito embora não haja previsão, no Código de Processo Penal, de prisão domiciliar para as rés com condenação definitiva, em condições análogas ás daquelas na situação do art. 318 do CPP, vale dizer, em constrição cautelar, em recente julgado - RHC n. 145.931/MG -, a Terceira Seção deste Tribunal Superior entendeu pelo provimento do recurso, diante das especificidades do caso. 2. No caso dos autos, a insurgente, por outro ângulo, conquanto responda a outras duas ações também pelo delito de tráfico e haja sido condenada à pena de 5 anos de reclusão, em regime fechado, é tecnicamente primária, com ela foram apreendidos 4,4 g de crack e, diferentemente do caso paradigma, não há indicação de que atue em papel de liderança de organização criminosa. Além disso, a paciente é mãe de criança de 4 anos de idade, nascido em 12/12/2017. De acordo com a defesa, a presença materna é indispensável aos cuidados das crianças, pois a paciente é a cuidadora primária do seu filho e a necessidade dos cuidados maternos se presume em casos como o dos autos. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 724.935/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 26/4/2022.) Além do mais, constato que a fundamentação evocada pela Corte de origem não apresenta plena harmonia com as disposições da Resolução n. 369/2021, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, tampouco com o entendimento deste STJ, no sentido da presunção da imprescindibilidade dos cuidados maternos. Veja-se: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PRISÃO DOMICILIAR. ART. 318, V, DO CPP. MÃE COM FILHOS DE ATÉ 12 ANOS INCOMPLETOS. CRIME SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. NÃO COMETIMENTO CONTRA OS PRÓPRIOS FILHOS. IMPRESCINDIBILIDADE DE CUIDADOS MATERNOS PRESUMIDA. EXECUÇÃO DEFINITIVA DA PENA. ART. 117 DA LEP. REGIME SEMIABERTO. HC COLETIVO N. 143.641/SP DO STF. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. FLAGRANTE ILEGALIDADE CONFIGURADA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Por razões humanitárias e para proteção integral da criança, é cabível a concessão de prisão domiciliar a genitoras de menores de até 12 anos incompletos, nos termos do art. 318, V, do CPP, desde que (a) não se trate de crime cometido com violência ou grave ameaça, (b) não tenha sido praticado contra os próprios filhos e (c) não esteja presente situação excepcional a contraindicar a medida. 2. Conforme art. 318, V, do CPP, a concessão de prisão domiciliar às genitoras de menores de até 12 anos incompletos não está condicionada à comprovação da imprescindibilidade dos cuidados maternos, que é legalmente presumida. 3. É possível a extensão do benefício de prisão-albergue domiciliar às sentenciadas gestantes e mães de menores de até 12 anos, ainda que em regime semiaberto ou fechado, nos termos dos arts. 318, V, do CPP e 117, III, da LEP, desde que presentes os requisitos legais. 4. Agravo regimental provido para conceder a ordem de ofício. (AgRg no HC n. 731.648/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 23/6/2022.)

Assim, superado esses óbices apontados pela Corte de origem, constata-se que o pedido de prisão domiciliar deverá ser apreciado, a fim de que seja verificado se estão preenchidos, ou não, os demais requisitos da prisão domiciliar. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo a ordem, de ofício, para determinar que o Juízo da Execução analise os demais requisitos da prisão domiciliar. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 970090 - SP (2024/0483946-5) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 19/02/2025.)

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