STJ Jun25 - Desclassificação de Furto de Energia para Estelionato - Fraude em Medido induz a Concessionária a Erro - Atipicidade de Furto Qualificado
DECISÃO Trata-se de agravo regimental interposto porXXXXXXXXXXcontra a decisão de fls. 116/120, que não conheceu do habeas corpus, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ.
Nas razões recursais, a defesa alega, inicialmente, que o pedido de desclassificação do delito de furto qualificado para estelionato não exige revolvimento do conjunto fático-probatório, pois se trata de matéria de direito. Reitera, ademais, a tese de que a adulteração no relógio medidor de energia elétrica, induzindo a Companhia Paulista de Força e Luz - CPFL a erro na leitura do consumo de energia elétrica, configura o delito de estelionato, previsto no art. 171 do Código Penal.
Cita precedentes do STJ e do STF que já desclassificaram condutas semelhantes para estelionato, inclusive em outros feitos em que o agravante figurou como réu/paciente, reforçando que a decisão recorrida está na contramão do entendimento pacificado. Requer a reconsideração da decisão agravada ou o provimento do recurso pelo órgão colegiado, para que o agravante seja absolvido do crime de furto qualificado ou que a conduta seja desclassificada para o delito de estelionato.
É o relatório. Decido.
Reconsidero a decisão agravada e prossigo na análise do feito. De início, destaco que o presente habeas corpus não merece ser conhecido, por ter sido impetrado em substituição ao recurso próprio.
Contudo, mostra-se cabível a concessão da ordem, de ofício, tendo em vista a existência de flagrante ilegalidade ao direito de locomoção, conforme passo a expor.
No caso, o agravante, no exercício da função de eletricista, foi contratado pelo corréu XXXXXXXXXXX, morador do imóvel, para adulterar o relógio medidor de energia da CPFL para que o equipamento registrasse um menor consumo.
Verificada a fraude, ambos foram condenados pela prática do delito de furto qualificado de energia elétrica (art. 155, §§ 3º e 4º, II e IV, do CP). Após o trânsito em julgado, a defesa ajuizou revisão criminal, a qual foi indeferida nos seguintes termos (grifos nossos):
"Todavia, no mérito, anoto que ele não pode ser deferido, uma vez que, analisando-se o conjunto probatório, verifica-se que ele foi avaliado com propriedade pelo Juízo a quo. Com efeito, a materialidade delitiva ficou evidenciada em face do boletim de ocorrência (fls. 02/03 dos autos originais), auto de exibição e apreensão (fls. 12 dos autos originais), do termo de ocorrência e inspeção TOI (fls. 13/15 e 324/325 dos autos originais), dos laudos periciais nos celulares apreendidos (fls. 62/72, 243/247 e 272/278 dos autos originais), dos relatórios de inteligência policial (fls. 79/95 e 96/181 dos autos originais), do ofício da CPFL (fls. 216 e 254 dos autos originais), dos laudos periciais e complementares nos medidores de energia (fls. 248/250, 251/253, 791/807, 838/855, 905/918 e 919/932 dos autos originais), bem como da prova oral. Da mesma forma, comprovada ficou a autoria imputada ao réu, tendo em vista que sua negativa em Juízo foi frontalmente contrariada pelos demais elementos de provas amealhados aos autos, dentre os quais, a sua confissão extrajudicial, feita na presença de advogado, em que admitiu que realizava a fraude em medidores analógicos e eletrônicos, manualmente ou através de aparelhos conhecidos como “vampiro” ou “chupa-cabra” , explicando as fraudes em detalhes, inclusive os valores cobrados por cada serviço (fls. 200/207 dos autos originais), bem como os depoimentos, em Juízo, das testemunhas Pedro Donizete Devigo, funcionário da CPFL; Reginaldo César Souza Assunção, policial civil que participou das diligências de campo; Márcio Aparecido Siqueira e Joaquim Soares da Silva, policiais civis que participaram do cumprimento do mandado de busca nos imóveis do corréu, onde foram constatadas as fraudes nos medidores de energia por funcionário da CPFL; e Manoel Moure de Held, perito que realizou o exame pericial nos medidores apreendidos (gravação audiovisual no extrato de movimentação do processo de primeiro grau no SAJ). Frise-se que nos laudos periciais ficou consignado, quanto ao medidor de energia de nº 301808937 (estabelecimento comercial), “que a tampa do borne estava destituída do lacre; que na cúpula do medidor havia dois lacres de chumbo, cujos anversos continham a estampagem “RE 001” e no verso a sigla da CPFL pouco legível; que a violação dos lacres da cúpula do medidor permite acessar seus mecanismos internos, inclusive para proceder a manipulação dos mancais; que com os mancais rebaixados ou elevados, o medidor não registra a energia efetivamente consumida”; e, no tocante ao medidor de energia nº 30005904-3 (residência), “que a tampa do borne estava destituída do lacre; que a cúpula do medidor havia três lacres de chumbo, cujos anversos continham a estampagem “A 98” e no verso a sigla da CPFL pouco legível; que a violação dos lacres da cúpula do medidor permite acessar seus mecanismos internos, inclusive para proceder a manipulação dos mancais; que com os mancais rebaixados ou elevados, o medidor não registra a energia efetivamente consumida”, concluindo-se, em ambos os laudos periciais, que os medidores de energia elétrica sofreram “manipulação no seu mancal, objetivando alterar o registro do real consumo de energia” (fls. 250 e 253), salientando-se, nos laudos complementares, que “os lacres existentes na tampa vítrea não eram originais. E que as violações destes permite o acesso e manipulação do parafuso fixador do mancal, consequentemente diminuindo a velocidade do disco e com isso diminuindo a velocidade dos mecanismos da relojoaria, possibilitando medição inferior à consumida, provocando furto de energia” (fls. 796 e 844), o que, aliado à prova oral, basta para embasar o decreto condenatório pelo crime de furto, qualificado pelo emprego de fraude, não se podendo cogitar da desclassificação da conduta para o crime de estelionato. De fato, respeitado o entendimento diverso, restou bem caracterizado o crime de furto, uma vez que a empresa-vítima não dispôs do fornecimento de energia elétrica sem a devida contraprestação, não tendo sido empregado qualquer engodo para que ela disponibilizasse o consumo do bem em questão, mas, ao contrário, o fornecimento era regular e, depois, o acusado utilizou meio fraudulento para iludir ou reduzir a vigilância da empresa e facilitar a subtração da res. Em outras palavras, ao modificar fraudulentamente o medidor de consumo, o acusado concorreu para a subtração de parte da energia elétrica que era regularmente fornecida pela empresa-vítima. Dessa forma, não tendo a empresa-vítima conhecimento de que a energia elétrica estava saindo da sua esfera de disponibilidade em quantidade superior àquela auferida pelo medidor em razão da fraude empregada, não há que se falar em crime de estelionato." (fls. 15/18)
Realmente, a situação fática acima delineada amolda-se ao delito previsto no art. 171 do CP, pois não se trata da figura do "gato" de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem, mas sim de prestação de serviço lícito, regular e com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burlar o sistema de controle de consumo, por induzimento a erro da companhia de eletricidade.
No mesmo sentido (grifos nossos): AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO CONHECIDO. ANÁLISE DO MÉRITO RECURSAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ALTERAÇÃO NO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA. FRAUDE POR USO DE SUBSTÂNCIA. REDUÇÃO DO CONSUMO DE ENERGIA. INDUZIMENTO A ERRO DA COMPANHIA ELÉTRICA. TIPICIDADE LEGAL. ESTELIONATO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. [...] 2. "No furto qualificado com fraude, o agente subtrai a coisa com discordância expressa ou presumida da vítima, sendo a fraude meio para retirar a res da esfera de vigilância da vítima, enquanto no estelionato o autor obtém o bem através de transferência empreendida pelo próprio ofendido por ter sido induzido em erro". (AgRg no REsp 1279802/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 8/5/2012, DJe 15/5/2012). 3. O caso dos autos revela não se tratar da figura do "gato" de energia elétrica, em que há subtração e inversão da posse do bem. Trata-se de prestação de serviço lícito, regular, com contraprestação pecuniária, em que a medição da energia elétrica é alterada, como forma de burla ao sistema de controle de consumo, - fraude -, por induzimento ao erro da companhia de eletricidade, que mais se adequa à figura descrita no art. 171, do Código Penal - CP (estelionato). 4. Recurso especial desprovido. (AREsp n. 1.418.119/DF, de minha Relatoria, Quinta Turma, julgado em 7/5/2019, DJe 13/5/2019.) Com igual conclusão, as recentes decisões monocráticas proferidas no HC n. 929.313, Ministro Messod Azulay Neto, DJEN de 20/5/2025 e no AgRg no HC n. 954.281, Ministro Ribeiro Dantas, DJEN de 5/3/2025.
Ante o exposto, reconsiderando a decisão agravada, não conheço do habeas corpus, mas, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, concedo a ordem, de ofício, para desclassificar a conduta do paciente para o tipo penal previsto no art. 171, caput, do CP. Determino, ainda, que o Juízo da Execução refaça a dosimetria da pena do paciente com base na nova classificação típica. Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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