STJ Jun25 - Revogação de Prisão Preventiva - Furto Qualificado de Energia - Reincidência Antiga (+ de 10 anos), crime sem violência, valor do dano ínfimo
DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de MAX XXXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante no dia 24/4/2025 pela suposta prática do crime de furto qualificado de energia elétrica, previsto no art. 155, §3º e §4º, inciso I, do Código Penal, sendo a prisão convertida em preventiva.
A defesa impetrou habeas corpus perante a Corte estadual, que denegou a ordem. Alega que o paciente é reincidente por condenação anterior, com pena extinta em 2023, relacionada a fato ocorrido há aproximadamente 10 anos, não sendo possível presumir risco de reiteração delitiva com base em tal antecedente.
Sustenta que não há contemporaneidade entre os fatos pretéritos e a conduta atual que justifique a decretação da prisão preventiva, de modo que não há base concreta para o risco à ordem pública.
Argumenta que a ligação clandestina foi feita em caráter emergencial, sem violência ou grave ameaça, e apenas em razão do não fornecimento de energia pela organização da festa em que o paciente trabalharia legalmente com sua barraca de churros.
Ressalta que houve pronto desfazimento da ligação quando da abordagem e que os prejuízos foram ínfimos. Enfatiza que o paciente é microempreendedor individual, chefe de família, com residência fixa, sem histórico de crimes violentos, e que sua prisão resultou em graves impactos familiares, inclusive no falecimento da esposa e na desorganização das atividades comerciais da família.
Cita precedente da Quinta Turma desta Corte no AgRg no HC 940.692/PE, no qual se aplicou o princípio da insignificância em caso semelhante de furto de energia elétrica para funcionamento de carrinho de batata frita. Defende que o decreto de prisão preventiva baseia-se em presunção de habitualidade delitiva, sem demonstração objetiva da necessidade de segregação cautelar, e que as medidas cautelares previstas no art. 319, incisos I e IV, do CPP seriam suficientes para resguardar os fins do processo, à luz do princípio da proporcionalidade.
Diante disso, requer, em liminar e no mérito, a revogação da prisão preventiva, com ou sem a imposição de medidas cautelares diversas da prisão.
É o relatório. Decido.
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 03/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 11/04/2019, DJe 22/04/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, "uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental". (AgRg no HC n. 268.099/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, "longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido". (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, "para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica". (AgRg no HC n. 514.048/RS, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019).
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga apelação ou recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal.
Assim, o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime.
No caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 59/63):
Analisando atentamente o feito, tenho como necessário acolher o pedido de prisão preventiva, sendo inviável a concessão do benefício da liberdade provisória no presente caso, porquanto os acontecimentos exteriorizam a perpetração, em tese, de prática reiterada de crimes, haja vista os registros lançados na CAC e FAC do flagrado, sendo que ele já foi condenado pela prática de outro crime de mesma espécie. Além disso, o autuado está em cumprimento de pena na Comarca de São João Del Rei. (ID n° 10437072756) Cumpre mencionar que não se trata de hipótese de reconhecimento do princípio da insignificância. Para reconhecimento do referido princípio o STF fixou requisitos cumulativos, que servem de vetores para a aplicação do referido princípio, são eles: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Ausente algum requisito, inviável o reconhecimento do princípio. Ademais, necessário consignar que a jurisprudência fixou como patamar para fixação do valor da insignificância, quando a res é avaliada em valor não superior a 10 % do salário-mínimo vigente a época dos fatos. [...]. No caso dos autos, não há laudo de avaliação da res furtiva. Outrossim, entendo que o pequeno valor da res furtiva, por si só, não justifica a reiteração delitiva apresentada pelo autuado, sob pena de causar um imenso caos social. Desse modo, tendo em vista que o autuado demonstrou sua predisposição em cometer delitos da mesma natureza, o que enfatiza a reprovabilidade de seu comportamento, mostra-se temerária a aplicação do referido princípio nesta fase embrionária. Ademais, a soltura do autuado, que vem incindindo de forma reiterada no seu comportamento criminoso, pode estimular a prática de delitos contra o patrimônio e, consequentemente, gerar sensação de impunidade à coletividade. Ademais, consoante o disposto no § 2°, do art. 310, incluído pela Lei n° 13.964/2019, constatada a reincidência do agente, o magistrado deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares, sendo exatamente esta a situação versada nos presentes autos. [...]. Assim, no presente caso, a decretação da preventiva, além de motivada no próprio comando legal relativo à reincidência do agente, também se baseia na existência concreta de fatos novos e contemporâneos, uma vez que o autuado mesmo já tendo cumprido pena anteriormente pela prática de crime de mesma espécie, voltou a delinquir. Trata-se portanto, de fatos novos e contemporâneos, que evidenciam verdadeiro estado de perigo gerado pela liberdade do autuado, que mesmo tendo a oportunidade de reavaliar sua conduta, não o fez e voltou a delinquir. Logo, in casu, ponderados os critérios de necessidade e adequação preconizados no art. 282, incisos I e II, do CPP, a rigor do que dispõe o art. 321 do CPP, entendo não ser prudente, ao menos nesta oportunidade, conceder ao autuado medida cautelar diversa da prisão, previstas no art. 319 do CPP, eis que restam evidenciados o fumus comissi delictie o periculum libertatis, inerentes à prisão preventiva, eis que a ordem pública foi vilmente atacada (art. 312, CPP), sendo imperioso repisar que o autuado mesmo já tendo sido condenado pela prática de outros crimes, perpetrou o crime em tela, mostrando-se necessário assim resguardar a ordem pública. Isso posto, tendo em conta que o crime pelo qual está sendo investigado causa dano efetivo à ordem pública, reclamando, assim, imediata providência do Poder Público, sob pena de se pôr em risco até mesmo a legitimidade do exercício da jurisdição penal, na forma do art. 310, inciso II, §°2 do Código de Processo Penal, converto a prisão em flagrante em preventiva, por entender que se fazem presentes os pressupostos do art. 312 do mesmo Codex, em especial, a necessidade de assegurar-se a ordem pública.
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 32/35):
Ultrapassada essa questão, ao contrário do alegado, não se nota carência de fundamentação concreta da decisão que converteu a prisão em flagrante delito do paciente em preventiva e, por conseguinte, violação ao disposto no art. 312, do Código de Processo Penal, uma vez que decisão concisa não se confunde com decisão não fundamentada. [...]. Assim, infere-se a existência de elementos objetivos os quais evidenciam a necessidade de sua segregação provisória para a garantia da ordem pública, sobretudo diante da reiteração delitiva do paciente, aferida por meio de suas CAC/FAC acostadas aos autos, restando impossibilitada, por conseguinte, a imposição de medidas cautelares diversas, elencadas no art. 319, do Código de Processo Penal. [...]. Fl. 8/13 Ressalta-se, ainda, que preenchida a condição de admissibilidade da prisão preventiva, prevista no inciso I, do art. 313, do Código de Processo Penal, haja vista a reincidência criminosa do paciente. Destarte, esclarece-se que o fato de ser ele pai de 05 (cinco) crianças, não tem o condão de, por si só, justificar a sua colocação em liberdade, devendo-se, ao revés, verificar-se a necessidade do seu acautelamento processual, sob o prisma do art. 312, do Código de Processo Penal, apresentando-se este, como visto, imprescindível para a garantia da ordem pública. Por fim, não encontra guarida o pleito de ser o encarceramento cautelar medida mais gravosa do que as penas a serem impostas em caso de eventual condenação, uma vez que tal análise dependerá do estudo das diretrizes traçadas pelo art. 59, do Código Penal, da fortuita incidência de agravantes, de atenuantes, de causas gerais e especiais de aumento e de diminuição de pena, assim como do quantum das sanções efetivamente concretizadas quando da prolação do decisum. Face ao exposto, inexistindo constrangimento ilegal a ser sanado pela via do remédio constitucional e presentes os requisitos autorizadores da medida constritiva, DENEGO A ORDEM. É como voto.
Cumpre verificar se o decreto prisional afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, como aduz a inicial. Segundo consta, o paciente teria conectado o cabo de seu veículo motorhome (preparado para venda de churros) à rede subterrânea de distribuição de energia elétrica da CEMIG e ao ser questionado pelos guardas municipais retirou o cabo.
A prisão preventiva foi decretada com base na suposta reiteração delitiva, diante da reincidência formal do paciente, condenado anteriormente por furto privilegiado, com pena extinta em 2023. Entretanto, verifica-se que a condenação anterior decorre de fato praticado em 2015, ou seja, há aproximadamente dez anos.
Conforme se extrai do voto vencido proferido no acórdão recorrido, “embora reincidente, o paciente possui apenas um registro, que não é suficiente para demonstrar uma habitualidade delitiva de sua conduta, porquanto ausente de contemporaneidade”, ressaltando ainda que “a periculosidade não se presume e deve ser, bem como a necessidade da segregação, demonstradas por fatos” (e-STJ fl. 38).
Como se vê, o decreto prisional não apontou elementos válidos para justificar a prisão preventiva, com base nas hipóteses da norma processual penal. A conduta atribuída ao paciente não envolveu violência ou grave ameaça, o dano foi ínfimo e há registros nos autos de que a ligação elétrica foi desfeita de imediato, sem resistência à abordagem.
Com efeito, a decisão de primeiro grau faz referência à reincidência do réu, cuja imprescindibilidade da medida extrema, embora a reincidência seja um indicativo de periculosidade social, não ficou demonstrada, mormente pelo fato de a conduta do paciente não se reveste de gravidade excepcional.
De fato, "[...] a reincidência, por si só, não é fundamento válido para justificar a segregação cautelar" (PExt no HC 270.158/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 23/2/2015).
No mais, não apontou elementos excepcionais da conduta, valendo pontuar que o delito não foi praticado com violência ou grave ameaça, aspectos que apontam para a possibilidade de aplicação de outras medida cautelares mais brandas, como as previstas no art. 319 do CPP.
Assim, não se extraem dos autos elementos concretos a demonstrar a imprescindibilidade da prisão preventiva, tampouco se percebe que o paciente esteja a evidenciar notável risco à ordem pública ou à aplicação da lei penal, para além daquela perturbação que é ínsita de qualquer crime; perturbação sem a qual, com efeito, a conduta nem crime seria.
Cumpre recordar que "a prisão preventiva somente se justifica na hipótese de impossibilidade que, por instrumento menos gravoso, seja alcançado idêntico resultado acautelatório" (HC n. 126815, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: Ministro EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 4/8/2015, PROCESSO ELETRÔNICO D Je-169 DIVULG 27/8/2015 PUBLIC 28/8/2015).
Por essas razões, entendo que a prisão é ilegal e pode ser substituída por outras medidas mais brandas. Ante o exposto, não conheço do mandamus, mas concedo a ordem de ofício para revogar a prisão preventiva do paciente, mediante a imposição de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a serem fixadas pelo Juízo de primeiro grau. Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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