STJ Maio25 - Crime de Responsabilidade - Prefeito - Inépcia da Denúncia - Trancamento de Ação Penal Peculato de Uso - numerário recebido da União teria sido indevidamente alocado para outras contas correntes da municipalidade para fazer frente a despesas diversas da edilidade
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus sem pedido liminar impetrado em favor de RICARDO XXXXXXXXXXXXXcontra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região nos autos do PROCESSO Nº: 0809522-70.2022.4.05.0000 - PETIÇÃO CRIMINAL.
Depreende-se dos autos que o paciente, Prefeito do Município de Princesa Isabel/PB, foi denunciado, com base no Procedimento Investigativo Criminal - PIC nº 1.05.000.000127/2021-20, pelo cometimento, em tese, da conduta típica prevista no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67, em face de o mesmo, na condição de gestor público, não haver destinado, ao tempo e modo previstos no art. 9º, da Lei Municipal nº 1.206/2013, ou seja, no mês de fevereiro do ano de 2018, valores federais repassados pelo Ministério da Saúde, concernentes ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), e vinculados à premiação dos profissionais da saúde - "Prêmio de Qualidade e Inovação" -, no montante de R$ 654.400,00 (seiscentos e cinquenta e quatro mil e quatrocentos reais), sendo o numerário indevidamente alocado para outras contas correntes da municipalidade para fazer frente a despesas diversas da edilidade, somente ocorrendo, extemporaneamente, a destinação própria para a finalidade específica da premiação, em parcelas lançadas entre os meses de maio a julho do ano de 2018, o que fundamentaria a imputação, in casu, de prática do delito de peculato de uso, pelo injustificado interregno sem destinação específica e vinculada de verbas públicas.
O Tribunal Regional Federal da 5ª Região recebeu a denúncia, promovendo, a pedido do MP, a emendatio libelli para alterar a capitulação jurídica à conduta imputada ao acusado, como sendo, doravante, a prevista no art. 1º, V, do Decreto-lei nº 201/67, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 826/827):
PENAL E PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO CRIMINAL. ACUSAÇÃO DO COMETIMENTO, EM TESE, DA CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO ART. 1º, II, DO DECRETO LEI Nº 201/67. ALOCAÇÃO INDEVIDA, AINDA QUE TEMPORÁRIA, DE RECURSOS FEDERAIS. VERBA PÚBLICA DE DESTINAÇÃO COM NATUREZA VINCULADA. PROMOVIDA EMENDATIO LIBELLI, NOS TERMOS DO ART. 383, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, A REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, FORMULADO EM SESSÃO DE JULGAMENTO, DIANTE DA PRESENÇA DE ELEMENTOS INDICIÁRIOS APTOS A DEMONSTRAR, PRESUMIVELMENTE, A MATERIALIDADE E AUTORIA DELITUOSAS QUANTO AO ART. 1º, V (CINCO), DO DL Nº 201/67. REJEITADA PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. APROVAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS POR INSTÂNCIAS NÃO JUDICIAIS. DISSOCIABILIDADE DA PERSECUÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA FORMAL E TECNICAMENTE HÍGIDA. 1. Denúncia baseada em Procedimento Investigativo Criminal - PIC oferecida em desfavor de Prefeito do Município de Princesa Isabel/PB, pelo cometimento, em tese, da conduta típica prevista no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67, em face de o mesmo, na condição de gestor público, não haver destinado, ao tempo e modo previstos no art. 9º, da Lei Municipal nº 1.206/2013, ou seja, no mês de fevereiro do ano de 2018, valores federais repassados pelo Ministério da Saúde, concernentes ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), e vinculados à premiação dos profissionais da saúde - "Prêmio de Qualidade e Inovação" -, no montante de R$ 654.400,00 (seiscentos e cinquenta e quatro mil e quatrocentos reais), sendo o numerário indevidamente alocado para outras contas correntes da municipalidade para fazer frente a despesas diversas da edilidade, somente ocorrendo, extemporaneamente, a destinação própria para a finalidade específica da premiação, em parcelas lançadas entre os meses de maio a julho do ano de 2018, o que fundamentaria a imputação, in casu, de prática do delito de peculato de uso, pelo injustificado interregno sem destinação específica e vinculada de verbas públicas. 2. Faz-se necessário promover, neste momento, a pedido do Ministério Público Federal, emendatio libelli, nos termos do art. 383, do Código de Processo Penal, para conferir novel capitulação jurídica à conduta imputada ao acusado, como sendo, doravante, a prevista no art. 1º, V (cinco), do Decreto-lei nº 201/67, rechaçando, desde logo, preliminar suscitada oralmente em sessão de julgamento, de cerceamento de defesa, visto que, como consabido, o denunciado se defende dos fatos, e não das capitulações legais. Rejeitada preliminar de cerceamento de defesa. 3. Tem-se que na fase de admissibilidade do art. 395, do Código de Processo Penal, deve o juízo processante, para fins de recepcionamento da inicial acusatória, promover o exame preambular acerca da efetiva presença dos pressupostos processuais, das condições exigidas e da justa causa para a instauração da ação penal, sendo de realçar que, in casu, apresenta-se a Denúncia apta, ou seja, livre de vícios formais, o que, nos termos do art. 41, desse mesmo CPP, significa que contém "a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas". 4. Constata-se, então, que as assertivas defensivas buscam, claramente, a partir da inconsistente alegação de inépcia da denúncia, questionar, antecipadamente, a própria procedibilidade jurídica das imputações, matéria controversa e, portanto, apropriada a ter seu enfrentamento, exclusivamente, na ação penal correspondente, dado exigir incursão em todo o material fático- probatório a ser produzido na instrução processual quanto à temática, não sendo revelada, de plano, qualquer causa absolutória, entre as previstas no art. 397, do CPP. 5. É de se verificar que a peça acusatória atende à legislação adjetiva de regência, visto descrever eventual cometimento de ilícito penal, com base em indícios razoáveis de autoria, bem como da materialidade delituosa, devendo a ação penal prosperar para a apuração judicial dos fatos. 6. Diga-se, ademais, que no momento do juízo de recepcionamento da inaugural, para além da observância - obrigatória - da presença dos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não se cogita, nem se exige, adentrar o juízo, nessa fase embrionária, em seara ínsita à valoração, exauriente, e, portanto, desbordante dessa quadra processual inaugural da persecutio, acerca da precisa verificabilidade da atipicidade de uma conduta que não se mostra incontestavelmente evidenciada. 7. Dessa forma, em sentido diametralmente oposto aos argumentos defensivos, constata-se, quanto à peça acusatória destacada, que resulta nítida a descrição mínima do suposto agir do acusado no cenário presumivelmente delituoso objeto da persecução penal que a defesa busca ver precocemente obstada. 8. Impõe-se, portanto, reconhecer a higidez técnico-formal da Denúncia, apta a dar azo à ação penal correspondente, porquanto presente justa causa para tal desiderato, não se verificando, de plano, a atipicidade da conduta, nem causa de extinção de punibilidade ou, ainda, a ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova da materialidade delituosa. 9. Inexiste, inclusive, qualquer comprovação de prejuízo atual ou iminente ao exercício pleno do direito de defesa, em face da suficiente descrição, individualizada, do eventual agir do denunciado no contexto havido pela acusação como criminoso, e, objeto, doravante, da persecução penal que ora se impõe instaurar. 10. Tem-se, assim, como não justificada, sequer minimamente, a excepcionalidade da medida requerida em sede de Defesa Preliminar, como sendo, de "rejeição sumária da denúncia, a aplicação das hipóteses de trancamento da ação penal por ausência de justa causa, bem como a absolvição sumária por ausência de atipicidade da conduta" 11. Assim, a questão, em tudo controversa, suscitada na Defesa Preliminar, sobre a imprestabilidade - não evidenciada, de plano - de certos elementos que compõem o conjunto indiciário relacionado as imputações lançadas em desfavor do acusado, deve ser enfrentada na instrução processual, visto se tratar de enfrentamento do próprio mérito - procedência ou não - da acusação, sem prejuízo de eventual emendatio libelli, ou mesmo, de mutatio libelli . 12. Convém ressaltar que a aprovação da prestação de contas municipais, como indica a defesa, pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, bem como pelo Ministério Público de Contas, e pela Câmara Municipal de Vereadores não ilide, obrigatoriamente, a ocorrência, em tese, de ilícito penal, notadamente diante dos elementos indiciários objeto de apreciação nas searas administrativas e penais que não se mostram colidentes. 13. Em princípio, ainda que a defesa tenha apresentado argumentos hipoteticamente capazes de elidir a atipicidade da conduta investigada no Procedimento Investigativo Criminal - PIC, e narrada na Denúncia, observa-se que para a comprovação das teses excludentes de ilicitude é demandado um exame aprofundado de provas (dilação probatória) para que, ao final, se chegue a uma conclusão que mais se aproxime da verdade real dos fatos, somente verificada quando finda a instrução processual. 14. Denúncia recebida quanto à imputação da prática, em tese, da conduta prevista no art. 1º, V (cinco), do Decreto-Lei nº 201/67. ACÓRDÃO - Decide a Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar de cerceamento de defesa, e, por maioria, receber a Denúncia, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife/PE, 22 de novembro de 2023. Desembargador Federal EDVALDO BATISTA DA SILVA JÚNIOR – Relator”.
Daí o presente writ, no qual pleiteia a defesa a rejeição da peça acusatória, termos do art. 395, do Código de Processo Penal, dado inexistir conduta penal punível descrita na Denúncia, com a consequente absolvição sumária do acusado (art. 397, III, do CPP), à vista da atipicidade do seu agir, visto haver promovido, em sua inteireza, a destinação específica dos valores repassados pela União ao Município de Princesa Isabel/PB, através do Ministério da Saúde, e vinculados à premiação dos profissionais da saúde - "Prêmio de Qualidade e Inovação/PMAQ" -, sendo a inaugural acusatória inepta por faltar-lhe justa causa à deflagração da persecução penal colimada pelo Parquet.
Aduz a defesa, ainda, inexistir lastro probatório servível a arrimar a imputação em causa, além de a acusação derivar, tão-somente, de notícia crime formalizada pelo Sindicato dos Servidores Públicos de Princesa Isabel, sem qualquer instauração de inquérito policial, nem oportunização do exercício de defesa perante o órgão acusatório, não sendo comprovada, minimamente, por inegável ausência do elemento subjetivo - dolo - exigido pelo tipo penal específico, a subsunção da conduta do Prefeito, ora acusado, às elementares do art. 1º, V, do Decreto-lei nº 201/67.
Refere que o tipo penal previsto no art. 1º, V do Decreto-Lei 201/67, prevê a necessidade de que a ordenação de despesa atinja uma norma jurídica válida ou uma norma contábil igualmente válida, sendo que o MPF não indicou sequer implicitamente, quais normas teriam sido violadas de forma a possibilitar a defesa do paciente. Aduz que, embora tenha havido a emendatio libelli quando do recebimento da denúncia pelo TRF, o delito imputado na inicial acusatória (art. 1º, II, do Decreto-Lei 201/67) tem pena mínima inferior a 4 anos.
Dessa forma, o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) era objetivamente cabível desde o oferecimento da denúncia, e o Ministério Público Federal (MPF) deveria ter se manifestado a respeito do tema.
Requer o reconhecimento da inépcia da denúncia, e, subsidiariamente, a rejeição da denúncia por ausência de interesse de agir em razão de o Ministério Público Federal não ter feito nenhuma manifestação sobre o oferecimento do ANPP na fase pré-processual. As informações foram prestadas às fls. 929/931 e 934/939 e-STJ. O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (e-STJ fls. 941/948).
É o relatório. Decido.
Insta consignar ser "'plenamente possível que seja proferida decisão monocrática por Relator, sem qualquer afronta ao princípio da colegialidade ou cerceamento de defesa, quando todas as questões são amplamente debatidas, havendo jurisprudência dominante sobre o tema, ainda que haja pedido de sustentação oral' (AgRg no HC n. 764.854/MS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 21/12/2022)" (AgRg no RHC n. 179.956/MT, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 18/12/2023).
Inicialmente, não se pode olvidar que o Superior Tribunal de Justiça, de longa data, vem buscando fixar balizas para a racionalização do uso do habeas corpus, visando a garantia não apenas do curso natural das ações ou revisões criminais mas também da efetiva priorização do objeto ínsito ao remédio heroico, qual seja, o de prevenir ou remediar lesão ou ameaça de lesão ao direito de locomoção.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de que não cabe a utilização de habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio, seja por ter sido impetrado concomitantemente, seja por estar ainda escoando o prazo para a interposição de recurso previsto em regramento legal e regimental, mormente quando não se verifica flagrante ilegalidade apta a atrair a concessão da ordem de ofício, como na espécie.
Nesse mesmo sentido:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. [...] MANDAMUS IMPETRADO CONCOMITANTEMENTE COM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NA ORIGEM. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. [...] AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 2. Não se conhece de habeas corpus impetrado concomitantemente com o recurso especial, sob pena de subversão do sistema recursal e de violação ao princípio da unirrecorribilidade das decisões judiciais .[...] (AgRg no HC n. 904.330/PR, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 5/9/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, IMPETRADO QUANDO O PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DA VIA RECURSAL CABÍVEL NA CAUSA PRINCIPAL AINDA NÃO HAVIA FLUÍDO. INADEQUAÇÃO DO PRESENTE REMÉDIO. PRECEDENTES. NÃO CABIMENTO DE CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. PETIÇÃO INICIAL INDEFERIDA LIMINARMENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. É incognoscível, ordinariamente, o habeas corpus impetrado quando em curso o prazo para interposição do recurso cabível. O recurso especial defensivo, interposto, na origem, após a prolação da decisão agravada, apenas reforça o óbice à cognição do pedido veiculado neste feito autônomo.[...] (AgRg no HC n. 834.221/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 25/9/2023.) EMENTA PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO "HABEAS CORPUS". ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DOSIMETRIA. INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE FLAGRANTE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, situação que impede o conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que se verifica flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal.[...] (AgRg no HC n. 921.445/MS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 3/9/2024, DJe de 6/9/2024.)
Entretanto, não se desconhece a determinação para que, quando presente flagrante ilegalidade, é de se conceder a ordem de ofício, nos termos do art. 647-A, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
No que concerne à emendatio libelli, consta no relatório da decisão do Tribunal de origem, que o MPF incialmente denunciou o prefeito como incurso no crime do artigo 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67, e após a denúncia, apresentou requerimento para (e-STJ fls.822):
Cuida-se, em síntese, de Denúncia (Id. 4050000.33241640), baseada no Procedimento Investigativo Criminal - PIC nº 1.05.000.000127/2021-20, oferecida em desfavor de RICARDO PEREIRA DO NASCIMENTO, Prefeito do Município de Princesa Isabel/PB, pelo cometimento, em tese, da conduta típica prevista no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67, em face de o mesmo, na condição de gestor público, não haver destinado, ao tempo e modo previstos no art. 9º, da Lei Municipal nº 1.206/2013, ou seja, no mês de fevereiro do ano de 2018, valores federais repassados pelo Ministério da Saúde, concernentes ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), e vinculados à premiação dos profissionais da saúde - "Prêmio de Qualidade e Inovação" -, no montante de R$ 654.400,00 (seiscentos e cinquenta e quatro mil e quatrocentos reais), sendo o numerário indevidamente alocado para outras contas correntes da municipalidade para fazer frente a despesas diversas da edilidade, somente ocorrendo, extemporaneamente, a destinação própria para a finalidade específica da premiação, em parcelas lançadas entre os meses de maio a julho do ano de 2018, o que fundamentaria a imputação, in de prática do delito de peculato de uso, pelo injustificado interregno sem destinação específica in casu, vinculada de verbas públicas. Após notificação, nos termos do art. 193, do Regimento Interno desta Corte, c/c o art. 4º da Lei n.º 8.038/1993, o acusado RICARDO PEREIRA DO NASCIMENTO apresentou Defesa Preliminar (Id. 4050000.37700014) sustentando, em suma, a necessidade de rejeição, da peça acusatória, nos ab initio, termos do art. 395, do Código de Processo Penal, dado inexistir conduta penal punível descrita na Denúncia, com a consequente absolvição sumária do acusado (art. 397, III, do CPP), à vista da atipicidade do seu agir, visto haver promovido, em sua inteireza, a destinação específica dos valores repassados pela União ao Município de Princesa Isabel/PB, através do Ministério da Saúde, e vinculados à premiação dos profissionais da saúde - "Prêmio de Qualidade e Inovação/PMAQ" -, sendo a inaugural acusatória inepta por faltar-lhe justa causa à deflagração da persecução penal colimada pelo Parquet. Aduz, ainda, a defesa inexistir lastro probatório servível a arrimar a imputação em causa, além de a acusação derivar, tão-somente, de notícia crime formalizada pelo Sindicato dos Servidores Públicos de Princesa Isabel, sem qualquer instauração de inquérito policial, nem oportunização do exercício de defesa perante o órgão acusatório, não sendo comprovada, minimamente, por inegável ausência do elemento subjetivo - dolo - exigido pelo tipo penal específico, a subsunção da conduta do Prefeito, ora acusado, às elementares do art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67, diante da ausência de prova de locupletamento pessoal ou institucional das verbas federais em referência, sendo de realçar que o próprio denunciante atestou, posteriormente à representação criminal, a liceidade da efetiva alocação das verbas federais oriundas do PMAQ, além de inexistir prejuízo ao erário, porquanto " todas as despesas da Prefeitura Municipal, referente aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, já foram suficientemente analisadas pela auditoria do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, bem como pelo Ministério Público de Contas, pelo Pleno do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, e pela Câmara Municipal de Vereadores e todas aprovadas." O Ministério Público Federal, nos termos do art. 5º, caput, da Lei nº 8.038/90, apresentou a Promoção nº 16861/2023 (Id.4050000.38200642), ratificando, in totum, a Denúncia, pelo que requereu seu recepcionamento, com a consequente deflagração da correspondente Ação Penal, por haver o acusado praticado a conduta prevista no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67, ressalvando "... a aplicação subsidiária do inciso V do mesmo dispositivo, caso se entenda a inocorrência daquele crime ratificado nesta peça.".
Quanto ao recebimento da denúncia e emendatio libelli, o Tribunal de origem valeu-se da seguinte fundamentação (e-STJ fls.810/812):
Tem-se que na fase de admissibilidade do art. 395, do Código de Processo Penal , deve o juízo processante, para fins de recepcionamento da inicial acusatória, promover o exame preambular acerca da efetiva presença dos pressupostos processuais, das condições exigidas e da justa causa para a instauração da ação penal, sendo de realçar que, apresenta-se a Denúncia (Id. 4050000.33241640) apta, ou in casu, seja, livre de vícios formais, o que, nos termos do art. 41, desse mesmo CPP , significa que contém "a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas". Faz-se necessário promover, neste momento, a pedido do Ministério Público Federal, emendatio libelli nos termos do art. 383, do Código de Processo Penal, para conferir novel capitulação jurídica, conduta imputada ao acusado, como sendo, doravante, a prevista no art. 1º, V (cinco), do Decreto-lei nº 201/67, rechaçando, desde logo, preliminar suscitada oralmente em sessão de julgamento, de cerceamento de defesa, visto que, como consabido, o denunciado se defende dos fatos, e não das capitulações legais. Eis a dicção do aludido art. 383, do CPP, verbis: "Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contido na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que,, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave." Rejeitada preliminar de cerceamento de defesa. Constata-se, então, que as assertivas defensivas (Id. 4050000.37700014) buscam, claramente, a partir da inconsistente alegação de inépcia da denúncia, questionar, antecipadamente, a própria procedibilidade jurídica das imputações, matéria controversa e, portanto, apropriada a ter seu enfrentamento, exclusivamente, na ação penal correspondente, dado exigir incursão em todo o material fático-probatório a ser produzido na instrução processual quanto à temática, não sendo revelada, de plano, qualquer causa absolutória, entre as previstas no art. 397, do CPP . É de se verificar que a peça acusatória atende à legislação adjetiva de regência, visto descrever eventual cometimento de ilícito penal, com base em indícios razoáveis de autoria, bem como da materialidade delituosa, devendo a ação penal prosperar para a apuração judicial dos fatos. Diga-se, ademais, que no momento do juízo de recepcionamento da inaugural, para além da observância - obrigatória - da presença dos requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, não se cogita, nem se exige, adentrar o juízo, nessa fase embrionária, em seara ínsita à valoração, exauriente, e, portanto, desbordante dessa quadra processual inaugural da , acerca da precisa verificabilidade persecutio da atipicidade de uma conduta que não se mostra incontestavelmente evidenciada. Dessa forma, em sentido diametralmente oposto aos argumentos defensivos, constata-se, quanto à peça acusatória destacada, que resulta nítida a descrição mínima do suposto agir do acusado no cenário presumivelmente delituoso objeto da persecução penal que a defesa busca ver precocemente obstada. Nessa linha, excertos da Promoção ministerial (Id.4050000.38200642), verbis: "Portanto, o Prefeito apoderou-se dos recursos destinados aos servidores, para a finalidade diversa de dar sustentáculo às despesas públicas do Município de Princesa Isabel/PB, atividade absolutamente ilícita. Com efeito, para que o crime se aperfeiçoe não é necessário que ele destinasse os recursos para uma finalidade pessoal, bastando que os destinasse ao uso do próprio município para dar sustentáculo a despesas com a contratação de pessoas eleitas como privilegiadas em detrimento dos servidores premiados pela União pelos bons serviços em favor da comunidade, tal como ocorreu no caso concreto. (...). Ora, na hora em que o Prefeito busca uma alternativa de utilizar recursos destinados ao prêmio a que fazia jus os servidores do SUS para realizar o pagamento de outras despesas, ante da falta de recursos no seu caixa naquele momento, e os encaminha para uma conta destinada às despesas municipais do dia a dia, evidente que realiza as transferências por ato de vontade e representando igualmente que o resultado dessa alteração provisória acarretou uma destinação não era legalmente correta (salvo demonstrando o erro de proibição escusável ou algo decorrente de um estado de necessidade decorrente da realização de um valor maior naquele momento, comprovando as despesas com tais recursos para o fim de neutralizá-lo). (...). Ainda que as contas pertençam ao município, não pode o gestor público transferir recursos de uma conta cujas despesas são vinculadas, especialmente quando recebem recursos para tanto de outros entes constitucionais para o pagamento de um prêmio a servidores que realizaram condutas finalísticas dignas de elogios por parte da União. (...). A verdade é que quando a União repassa recursos da sua titularidade para outros entes constitucionais, estão estes últimos vinculados ao cumprimento das mesmas exigências que ela impõe no âmbito interno na forma de gasto dos repasses, pelo menos naqueles regulados pelas leis nele indicadas. E os recursos desencaminhados pelos responsáveis pelos atos descritos na Denúncia são oriundos do SUS, que se caracteriza como um fundo público federal, nos termos da Lei nº 8.080/90, o que impunha ao gestor público sua aplicação imediata na finalidade vinculada. No caso, o Prefeito agiu da forma exatamente contrária às exigências do citado ato normativo. (...). Como se vê, a decisão do TCE ou do TCU, além de desprovida de poderes jurisdicionais, é resultante de uma cognição limitada, de maneira que seus atos ofensivos aos interesses difusos podem ser questionadas e alteradas no âmbito do Poder Judiciário. Então, sua atividade entra no rol daquelas de natureza administrativa, que não têm, especialmente em razão do princípio da separação das instâncias, qualquer influência em termos de compulsoriedade sobre o Poder Judiciário. (...). Inquérito Policial e peças de informação podem ser utilizados para o fim de dar respaldo ao oferecimento da Denúncia, porque o primeiro não é uma exigência formal obrigatória para tanto, pois o importante é haver elementos de prova que indiquem a autoria e a materialidade do fato, garantindo-se ao denunciado uma atividade pública que tem base em fatos que justificam o ato realizado pelo dominus litis. (...). Com efeito, tratando-se de crime de ação penal pública sem condicionamentos, o arrependimento do noticiante não tem qualquer influência, pois o importante foi e é a existência de elementos de prova indicativos da ocorrência do fato criminoso. (...). No caso, como demonstrado, ocorreu o uso indevido dos recursos pelo Prefeito em favor do Município (peculato de uso, art. 1 º, II, do Decreto-lei 201/67) e daqueles que foram beneficiários de pagamentos com os valores destinados aos servidores, de modo que cabia ao denunciado, neste momento, demonstrar que os recursos foram destinados a tempo e modo na finalidade para a qual foi repassado pela União. Em outras palavras, utilizou recursos repassados pelo Governo Federal para finalidades específicas de saúde e educação para utilização em objetivos diversos, ainda que de forma temporária, depois retornando, pelo menos na maior parte, para as contas originárias." Impõe-se, portanto, reconhecer a higidez técnico-formal da Denúncia (Id. 4050000.33241640), apta a dar azo à ação penal correspondente, porquanto presente justa causa para tal desiderato, não se verificando, de plano, a atipicidade da conduta, nem causa de extinção de punibilidade ou, ainda, a ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova da materialidade delituosa. Inexiste, inclusive, qualquer comprovação de prejuízo atual ou iminente ao exercício pleno do direito de defesa, em face da suficiente descrição, individualizada, do eventual agir do denunciado no contexto havido pela acusação como criminoso, e, objeto, doravante, da persecução penal que ora se impõe instaurar. Tem-se, assim, como não justificada, sequer minimamente, a excepcionalidade da medida requerida em sede de Defesa Preliminar (Id. 4050000.37700014), como sendo, de "rejeição sumária da denúncia, a aplicação das hipóteses de trancamento da ação penal por ausência de justa causa, bem como a absolvição sumária por ausência de atipicidade da conduta" Assim, a questão, em tudo controversa, suscitada na Defesa Preliminar, sobre a imprestabilidade - não evidenciada, de plano - de certos elementos que compõem o conjunto indiciário relacionado as imputações lançadas em desfavor do acusado, deve ser enfrentada na instrução processual, visto se tratar de enfrentamento do próprio mérito - procedência ou não - da acusação, sem prejuízo de eventual ou mesmo, de emendatio libelli, mutatio libelli . Convém ressaltar que a aprovação da prestação de contas municipais, como indica a defesa, pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, bem como pelo Ministério Público de Contas, e pela Câmara Municipal de Vereadores não ilide, obrigatoriamente, a ocorrência, em tese, de ilícito penal, notadamente diante dos elementos indiciários objeto de apreciação nas searas administrativas e penais que não se mostram colidentes. Em princípio, ainda que a defesa tenha apresentado argumentos hipoteticamente capazes de elidir a atipicidade da conduta investigada no Procedimento Investigativo Criminal - PIC nº 1.05.000.000127/2021-20, e narrada na Denúncia, observa-se que para a comprovação das teses excludentes de ilicitude é demandado um exame aprofundado de provas (dilação probatória) para que, ao final, se chegue a uma conclusão que mais se aproxime da verdade real dos fatos, somente verificada quando finda a instrução processual. Ante o exposto, ofertada pelo Ministério Público Federal contra o Prefeito dorecebo a denúncia Município de Princesa Isabel/PB, RICARDO PEREIRA DO NASCIMENTO, em relação à suposta prática da conduta típica prevista no art. 1º, V (cinco), do Decreto-lei nº 201/67.
Denota-se, portanto, que o paciente foi denunciado como incurso no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67, o qual prevê: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: Il - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos; Não obstante, o Tribunal, a pedido do Ministério Público, ao receber a denúncia, promoveu a emendatio libelli, para alterar a capitulação legal para o crime previsto no no art. 1º, V, do Decreto-lei nº 201/67, o qual prevê: Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes; Todavia, a denúncia está pautada na conduta que, no entender do Ministério Público, configura em tese o crime de peculato de uso: pelo cometimento, em tese, da conduta típica prevista no art. 1º, II, do Decreto-lei nº 201/67, em face de o mesmo, na condição de gestor público, não haver destinado, ao tempo e modo previstos no art. 9º, da Lei Municipal nº 1.206/2013, ou seja, no mês de fevereiro do ano de 2018, valores federais repassados pelo Ministério da Saúde, concernentes ao Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), e vinculados à premiação dos profissionais da saúde - "Prêmio de Qualidade e Inovação" -, no montante de R$ 654.400,00 (seiscentos e cinquenta e quatro mil e quatrocentos reais), sendo o numerário indevidamente alocado para outras contas correntes da municipalidade para fazer frente a despesas diversas da edilidade, somente ocorrendo, extemporaneamente, a destinação própria para a finalidade específica da premiação, em parcelas lançadas entre os meses de maio a julho do ano de 2018, o que fundamentaria a imputação, de prática do delito de peculato de uso, pelo injustificado interregno sem destinação específica e in casu, vinculada de verbas públicas.
Note-se que a denúncia narra que o numerário recebido da União teria sido indevidamente alocado para outras contas correntes da municipalidade para fazer frente a despesas diversas da edilidade, somente ocorrendo, extemporaneamente, a destinação própria para a finalidade específica da premiação, em parcelas lançadas entre os meses de maio a julho do ano de 2018, de sorte que não há imputação de crime previsto no art. 1º, V, do Decreto-lei nº 201/67, porquanto não foi imputado ao paciente a conduta de "ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei", ou "realizá-Ias em desacordo com as normas financeiras pertinentes".
É certa a possibilidade de encerramento prematuro da persecução penal nos casos em que a denúncia se mostrar inepta, não atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal - CPP, o que, de todo modo, não impede a propositura de nova ação desde que suprida a irregularidade.
No caso, a exordial acusatória não faz a devida qualificação do denunciado, não descreve de forma suficiente a conduta delituosa supostamente perpetrada pelo paciente que, em tese, caracterizaria o delito previsto no art. 1º, V, do Decreto-lei nº 201/67, deixando de individualizar a conduta do réu em conformidade com o art. 41 do CPP, e, assim, inviabilizando o exercício da ampla defesa.
O trancamento do inquérito ou da ação penal pela estreita via do habeas corpus somente se mostra viável quando, de plano, comprovar-se a inépcia da inicial acusatória, a atipicidade da conduta, a presença de causa extintiva de punibilidade ou, finalmente, quando se constatar a ausência de elementos indiciários de autoria ou de prova da materialidade do crime.
Nesta senda, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito (RHC n. 43.659/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 15/12/2014).
Não se admite, por essa razão, na maior parte das vezes, a apreciação de alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de inexistência de indícios de autoria e materialidade em sede mandamental, pois tais constatações dependem, via de regra, da análise pormenorizada dos fatos, ensejando revolvimento de provas incompatíveis, como referido alhures, com o rito sumário do mandamus.
Por outro lado, sabe-se que a simples existência de uma ação penal ou de um procedimento de investigação criminal desprovido de lastro probatório mínimo não pode ser tolerado em um ambiente institucional que preze pela legalidade e pela proteção das liberdades individuais. Isto porque tais procedimentos representam grande agravo à vida do réu, já que os estigmas causados pelo ajuizamento de uma ação penal em desfavor de alguém ultrapassa os limites do simples aborrecimento, trazendo consequências negativas para a reputação do acusado.
Por isso que, nas palavras do eminente Ministro Jorge Mussi, Se a denúncia é natimorta, preferível que se passe desde logo o competente atestado de óbito, porque não há lugar maior para o extravasamento dos ódios e dos rancores do que a deflagração de uma actio poenalis contra pessoa reconhecidamente inocente. (HC 325.713/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 20/9/2017).
Como se sabe, para ser tida como apta, a denúncia precisa elucidar os fatos delituosos, narrando-os em todas as suas circunstâncias, de modo a permitir o exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
As condições para o exercício da ação penal possuem natureza processual e não dizem respeito ao mérito da ação penal. Os fatos alegados não precisam ser provados na inicial acusatória, uma vez que a produção de provas e contraprovas deve ser feita no curso da instrução criminal. Sobre esse tema, esta Corte já se manifestou em diversas ocasiões. Destaco julgado recente da Sexta Turma, no qual se lê que as condições para o exercício da ação têm natureza processual e não dizem respeito ao seu mérito. Na oportunidade do recebimento da denúncia, realiza-se análise hipotética sobre os fatos narrados, a partir da prova da existência do crime e de indícios que sinalizem, de modo suficiente, ter sido o réu o autor da infração penal. Tudo isso sem incursão vertical sobre os elementos de informação disponíveis, porquanto a cognição é sumária e limitada". (HC 543.683/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta TurmaDJe 2/9/2021)
No mesmo sentido:
Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas acerca da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual, deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate (RHC 74.510/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 28/4/2017)
Nada obstante, referida conclusão não tem o condão de autorizar o início nem o prosseguimento de ações penais desprovidas de justa causa ou sem a individualização da conduta atribuída a cada réu. Anoto que, mesmo nos crimes de autoria coletiva, nos quais não se exige a descrição minuciosa da atuação dos denunciados, é imprescindível que se demonstre o liame existente entre o agir e a suposta conduta criminosa. Nessa linha de intelecção, não vislumbro a descrição de conduta que se enquadre no tipo penal imputado ao paciente.
A narrativa ministerial não fornece indícios da prática de atos ou de condutas omissivas que possam ser tipificadas como crime. Diante de todos os elementos analisados, dentro da estreiteza do writ, verifico que o contexto analisado não autoriza a manutenção da denúncia contra o paciente. Com efeito, os fatos envolvem o paciente porquanto ocupa o cargo de prefeito municipal.
Contudo, a denúncia não descreve de forma suficiente a conduta delituosa supostamente perpetrada pelo paciente que, em tese, caracterizaria o delito previsto no art. 1º, V, do Decreto-lei nº 201/67, deixando de individualizar a conduta do réu em conformidade com o art. 41 do CPP, e, assim, inviabilizando o exercício da ampla defesa.
Não é possível, contudo, acolher o pleito de reconhecimento de ausência de justa causa para o exercício da ação penal, tendo em vista os estreitos limites cognitivos do habeas corpus.
Por outro lado, não tenho dúvidas a respeito da inépcia da denúncia com relação ao paciente, uma vez que o processo penal não se satisfaz com a mera vinculação formal do sujeito.
A propósito: RECURSO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE AO CARATÉR COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. INÉPCIA DA DENÚNCIA COM RELAÇÃO AO CRIME DO ART. 90, DA LEI N. 8.666/93. DESCRIÇÃO DA CONDUTA. DEMONSTRAÇÃO DOS ELEMENTOS DO TIPO PENAL IMPUTADO. AUSÊNCIA. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. AFASTADO O OUTRO CRIME. TRANCAMENTO COM RELAÇÃO AO ART. 288 DO CP. ORDEM CONCEDIDA. 1. Orienta-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que o trancamento da ação penal é medida de exceção, possível somente quando inequívoca a inépcia da denúncia e/ou a ausência de justa causa. 2. É inepta a denúncia, quanto ao delito de fraude ao caráter competitivo da licitação, porquanto a exordial acusatória não individualiza a conduta dos recorrentes, limitando-se a afirmar que seriam presidentes da comissão permanente de licitação do município de Porto Firme. 4. Determinado o trancamento da ação penal com relação ao crime do art. 90 da Lei n. 8.666/93, por consequência lógica no caso, deve ser concedida a ordem, também, para trancar o ilícito de associação criminosa. 5. Recurso em habeas corpus provido para determinar o trancamento da ação penal apenas com relação aos pacientes G. M. DE C. S e D. A. B. S, o que não impede o oferecimento de nova denúncia cumprindo os rigores legais. (RHC 118.439/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 14/08/2020) RECURSO EM HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS NA DENÚNCIA. INÉPCIA. DEVIDO O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. EXTENSÃO DE EFEITOS AOS CORRÉUS. 1. Não obstante o recorrente figurar como um dos sócios da pessoa jurídica, não foi descrito o necessário nexo causal entre a conduta a ele atribuída e a ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma penal. Apesar de ser difícil a demonstração da individualização da conduta, da atenta leitura da peça acusatória, verifica-se que não se demonstrou de que forma o recorrente concorreu para o fato delituoso descrito na acusação, ou seja, não se demonstrou o mínimo vínculo entre o acusado e o crime a ele imputado, o que é inadmissível. 2. Recurso em habeas corpus provido para trancar a ação penal proposta contra o recorrente, em razão do reconhecimento da inépcia formal da denúncia, sem prejuízo de que outra seja oferecida, desde que preenchidas as exigências legais, com extensão dos efeitos aos corréus, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal. (RHC 84.450/TO, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 15/5/2019)
Ante o exposto, conheço do habeas corpus e concedo a ordem para determinar o trancamento da Ação Penal n. 0809522-70.2022.4.05.0000 com relação ao paciente RICARDO PEREIRA DO NASCIMENTO.
Relator
ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
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