STJ Maio25 - Processo Penal Militar - Arquivamento do IP pelo Juiz de Direito - A correição parcial para corrigir erro do juiz no arquivamento de inquérito (art. 498, letra “b” do Código de Processo Penal Militar) foi declarada inconstitucional - STF MS n. 20.382-0 e pela Resolução n. 27/1996

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de VIVIANE XXXXXXX apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Correição Parcial n. 0003255-20.2021.9.26.0010). Os autos dão conta de que o Juízo da 1ª Auditoria Militar, acolhendo o pedido do Ministério Público, determinou o arquivamento dos autos do IPM n. 0003255-20.2021.9.26.0010, instaurado para apurar o extravio do carregador de pistola Glock n. BKMTM 026, com a respectiva munição (quatorze cartuchos), pertencentes ao patrimônio da PMESP (e-STJ fl. 23).

Discordando dessa decisão, o Juiz Corregedor Geral da Justiça Militar ofereceu representação com a finalidade de desconstituí-la (e-STJ fl. 24).

Ao apreciar a Correição Parcial n. 0003255-20.2021.9.26.0010, o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo lhe deu provimento "para cassar a r. decisão de fl. 41, que determinou o arquivamento do IPM n. 95.838/2021, e determinar a remessa dos autos do referido IPM ao Exmo. Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo" (e-STJ fl. 41).

Eis a ementa do mencionado acórdão (e-STJ f. 39):

Penal e Processual Penal Militar. Correição Parcial. Arquivamento de IPM. Declaração de extinção da punibilidade pelo fato de o extravio ter decorrido de caso fortuito alheio à vontade da agente. Conduta que se amolda ao delito previsto nos arts. 265 c.c 266, ambos do CPM. Representação do Juiz Corregedor Geral da JMESP. Art. 498, b, do CPPM, c.c. art. 145, do Regimento Interno do TJMSP. Presença de elementos mínimos para a denúncia. Provimento. 1. No âmbito da JMESP, o arquivamento do inquérito, nos termos da lei processual penal militar, só se aperfeiçoa após a manifestação do Juiz Corregedor Geral da JME. 2. Em caso de representação para corrigir arquivamento irregular de inquérito, o arquivamento só se tornará definitivo após a decisão do TJMSP que a indeferir. 3. Conduta negligente e, portanto, culposa, que, a priori, parece se amoldar ao delito previsto nos arts. 265 c.c 266, ambos do CPM. Policial militar que, sequer soube informar onde o material bélico teria sido extraviado. 4. Elementos mínimos de autoria e materialidade suficientes para o oferecimento da denúncia. Arquivamento prematuro. Fatos que poderão e deverão ser mais aprofundadamente analisados no desenvolvimento da ação penal. 5. Correição Parcial provida. Remessa do IPM ao Exmo. Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

No presente writ, a defesa afirma que "a Constituição Federal nos traz, em seu artigo 129, a previsão acerca da titularidade da ação penal, a qual, incumbe ao Ministério Público, como consequência, toda e qualquer iniciativa acusatória. É assim que se faz a separação de função (regra básica em um sistema acusatório) em nosso sistema" (e-STJ fl. 7).

Sustenta que "é um absurdo jurídico essa atuação em sede de correição parcial (art. 498, b, CPPM), prevista no diploma processual castrense" (e-STJ fl. 7), concluindo ser "patente a violação ao sistema acusatório" (e-STJ fl. 8). Alega que, "ainda que se entenda viável a interposição de correição parcial pelo juiz corregedor, esta deve estar vinculada à hipótese de erro de procedimento, o que não se aplica ao caso em tela, pois foi avaliação jurídica" (e-STJ fl. 10).

A liminar foi inicialmente indeferida. Em juízo de reconsideração, a liminar foi deferida nos seguintes termos:

Trata-se de pedido de reconsideração da decisão de e-STJ fls. 44/46, por meio da qual indeferi o pedido liminar. Nas razões de seu pedido, a defesa afirma que (e-STJ fls. 54/55): 1. Conforme visto, é um caso de patente violação ao sistema acusatório, no qual um juiz recorre da decisão do juiz natural da causa de arquivamento de inquérito policial militar a pedido do titular da ação penal, repita-se, a pedido do titular da ação penal. 2. Em caso análogo (HC 722010-SP), decidido não menos que há 10 dias, o Ministro Ribeiro Dantas, concedeu a ordem, de ofício, reconhecendo a violação ao sistema acusatório, na esteira do que já vem decidindo este Tribunal. [...] 3. Sucede, ainda, no presente caso, aos 10/02/22, a autoridade coatora, prestou, às fls (e-STJ fl.51) informações e deixou claro que houve recurso de correição parcial interposto pelo juízo corregedor. Por isso, sustenta ser "o caso de reiterar a concessão do pleito liminar, bem como, se preciso for, requerer o julgamento liminarmente do writ, porquanto, repita-se, é caso de entendimento consolidado pelo C. STJ, o que é possível, nos termos do art.64, III do RISTJ" (e-STJ fl. 55). É, em síntese, o relatório. À vista das razões apresentadas pela defesa, reconsidero a decisão de e- STJ fls. 44/46. Com efeito, o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 722.010/SP, apreciando questão semelhante à dos presentes autos, concedeu a ordem e, assim, restabeleceu a decisão que havia determinado o arquivamento do inquérito policial militar. Eis os fundamentos adotados para tanto: [...] o sistema acusatório, adotado de modo pleno a partir da inauguração da nova ordem jurídico-constitucional em 1988, atribui ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública (art. 129, inciso I, da Constituição Federal), de maneira que a intervenção do Poder Judiciário depende da observância de determinados parâmetros, diante da regra básica de separação entre os órgãos de acusação e de julgamento. A previsão de correição parcial para corrigir erro do juiz no arquivamento de inquérito (art. 498, letra “b” do Código de Processo Penal Militar) foi declarada inconstitucional após decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS n. 20.382-0 e pela Resolução n. 27/1996, do Senado Federal. Desse modo, não há como admitir-se um controle correicional à decisão judicial (error in judicando). O arquivamento das investigações dá-se pela dupla aferição concordante do Ministério Público e do Juiz Auditor. O ato de arquivamento não comporta recurso e, menos ainda, controle administrativo pelo Corregedor, tanto na jurisdição ordinária, quanto na jurisdição militar. Assim, inexiste possibilidade de desarquivamento judicial. Nessas circunstâncias, em juízo de cognição sumária, visualizo a existência de fumus boni iuris, apto a ensejar o deferimento da medida de urgência. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender os efeitos do acórdão impugnado.

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem.

É o relatório. Decido.

A correição parcial para corrigir erro do juiz no arquivamento de inquérito (art. 498, letra “b” do Código de Processo Penal Militar) foi declarada inconstitucional após decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do MS n. 20.382-0 e pela Resolução n. 27/1996, do Senado Federal.

Conforme jurisprudência pacífica desta Corte e do STF, não há como admitir-se um controle correicional à decisão judicial (error in judicando), sendo que o ato de arquivamento se trata de decisão irrecorrível. Assim, inexiste possibilidade de desarquivamento judicial.

Nesse sentido, o entendimento desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS. EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. COISA JULGADA. CORREIÇÃO PARCIAL. JUIZ-AUDITOR CORREGEDOR DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 498, "b", DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR. INVIABILIDADE. 1. Prevalece a orientação desta Suprema Corte no sentido de ser inviável a utilização de correição parcial, por representação do Juiz-Auditor Corregedor, nos casos em que destinada à revisão de decisão de extinção de punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva ou executória estatal. 2. Ordem concedida para determinar o arquivamento da Correição Parcial, mantendo-se a decisão de extinção de punibilidade pela ocorrência de prescrição da pretensão executória (STF, HC n. 112.530/RS, Rel. Ministro TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe 4/2/2016). INQUÉRITO POLICIAL - ARQUIVAMENTO ORDENADO POR MAGISTRADO COMPETENTE, A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POR AUSÊNCIA DE TIPICIDADE PENAL DO FATO SOB APURAÇÃO - REABERTURA DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL - IMPOSSIBILIDADE EM TAL HIPÓTESE - EFICÁCIA PRECLUSIVA DA DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINA O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL, POR ATIPICIDADE DO FATO - PEDIDO DE ‘HABEAS CORPUS’ DEFERIDO. - Não se revela cabível a reabertura das investigações penais, quando o arquivamento do respectivo inquérito policial tenha sido determinado por magistrado competente, a pedido do Ministério Público, em virtude da atipicidade penal do fato sob apuração, hipótese em que a decisão judicial - porque definitiva - revestir-se-á de eficácia preclusiva e obstativa de ulterior instauração da ‘persecutio criminis’, mesmo que a peça acusatória busque apoiar-se em novos elementos probatórios. Inaplicabilidade, em tal situação, do art. 18 do CPP e da Súmula 524/STF. Doutrina. Precedentes (STF, HC n. 84.156/MT, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJ 11/2/2005). HABEAS CORPUS. CRIME DE RECUSA DE OBEDIÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL MILITAR. ARQUIVAMENTO DETERMINADO PELO JUIZ. CORREIÇÃO PARCIAL. PROCEDÊNCIA. DESARQUIVAMENTO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR. IMPOSSIBILIDADE. ILEGALIDADE VERIFICADA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. A previsão de correição parcial pelo auditor corregedor para corrigir erro do juiz no arquivamento de inquérito (498, b, do CPPM), deixou de viger, após decisão de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (Mandado de Segurança n. 20.382-0), pela Resolução do Senado Federal n. 27, de 1996. 2. Igual disposição de cabimento da correição havia no art. 14, I, c, da Lei n. 8.457/1992, questionado na ADI 4153/DF, a qual restou prejudicada pela revogação desse dispositivo na Lei n. 13.774/2018. 3. O arquivamento das investigações dá-se pela dupla aferição concordante: do Ministério Público e do Juiz Auditor, não sendo admissível um controle correicional à decisão judicial, tanto na jurisdição ordinária, como na jurisdição militar, para o desarquivamento da peça investigatória. 4. Habeas corpus concedido para restaurar a decisão que determinou o arquivamento do Inquérito Policial Militar n. 0002657-71.2018.9.26.0010 (HC n. 541.228/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 9/3/2020).

Em face do exposto, concedo a ordem de habeas corpus para o fim de tornar definitiva a liminar, determinando o trancamento definitivo do Inquérito Policial Militar nº 95.838/2021 da 1ª AME. Publique-se. Intimem-se.

Relator

ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 720796 - SP (2022/0025469-9) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJEN/CNJ de 15/05/2025.)

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