STJ Maio25 - Revogação de Prisão Preventiva - 10 Meses preso sem Denúncia - Homicídio - Excesso Injustificado da Conclusão do IP - Superação da S 691

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

EVERTON XXXXXXXX alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de decisão proferida por Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, que indeferiu a liminar do HC n. 5000803-25.2025.8.08.0000.

O paciente defende a possibilidade de superação do Enunciado Sumular n. 691 do STF, a fim de que seja relaxada sua prisão preventiva, pois estaria encarcerado desde 18/5/2024 sem oferecimento de denúncia até a presente data. Deferida a liminar e prestadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ e pela concessão de habeas corpus de ofício.

Decido.

De acordo com o explicitado na Constituição Federal (art. 105, I, "c") e no entendimento da Súmula n. 691 do STF (aplicável ao STJ), não compete a este Superior Tribunal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de liminar, por desembargador, antes de prévio pronunciamento do órgão colegiado de segundo grau.

Todavia, há flagrante ilegalidade no caso em análise, a autorizar a prematura intervenção desta Corte Superior. Infere-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante, em 18/5/2024, pela suposta prática do delito de homicídio qualificado tentado. O flagrante foi homologado e a prisão convertida em preventiva.

Desde então, segue preso e, em consulta realizada no site do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, verifico que, passados mais de 10 meses, não se tem notícia de oferta da inicial acusatória nem de revogação da custódia cautelar.

O art. 10, caput, CPP, dispõe: O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela (grifei).
Já o art. 46, caput, CPP, estabelece que: O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado.

No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos (destaquei) Normalmente, se foi atingido o standard probatório para a decretação da prisão preventiva (prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria), também deveria haver sido atingido o standard probatório exigido para o oferecimento de denúncia.

Em casos excepcionais, quando há absoluta necessidade de algum esclarecimento fundamental para a narrativa acusatória, pode-se admitir, segundo penso, a prorrogação do prazo, desde que, porém, não exceda de modo desarrazoado o que é previsto em lei.

No caso dos autos, que não possui nenhuma complexidade peculiar, o extrato de andamento processual em primeiro grau não traz notícia de remessa do relatório final do inquérito policial ao Ministério Público, muito menos do oferecimento da denúncia.

Ademais, não há nem sequer decisão judicial concedendo eventual dilação de prazo por algum motivo excepcional. Friso, por oportuno, que a prisão preventiva do investigado já perdura por mais de 100 dias, o que não possui nenhum amparo na razoabilidade.

Nesse sentido, menciono recente julgado desta colenda Sexta Turma, em que se reconheceu a ocorrência de excesso injustificado de prazo para a conclusão de inquérito policial, em caso de investigado preso preventivamente há mais de 117 dias:

HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ROUBO MAJORADO, SEQUESTRO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EXCESSO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. PACIENTE PRESO. ART. 10, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EXISTENTE. LIMINAR DEFERIDA. ORDEM CONCEDIDA. 1. "Os prazos processuais previstos na legislação pátria devem ser computados de maneira global e o reconhecimento do excesso deve-se pautar sempre pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LXXVIII, da CF), considerando cada caso e suas particularidades" (HC 617.975/PB, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020). 2. A despeito das peculiaridades do caso concreto apontadas pelas instâncias ordinárias (busca domiciliar, pluralidade de investigados e extração e análise dos dados dos celulares apreendidos), constata-se que há tempos restou superado o prazo parâmetro para a manutenção da prisão preventiva, previsto no art. 10 do Código de Processo Penal. Consta dos autos que o Juízo de primeiro grau deferiu, por três vezes, a prorrogação do prazo para a conclusão do inquérito policial e, consoante informações prestadas, não há notícia acerca do cumprimento integral das diligências deferidas no feito, ou seja, nem mesmo há previsão de quando será oferecida a denúncia, sendo certo que, na data em que deferido o pedido liminar, o Paciente estava preso preventivamente há mais de 117 (cento e dezessete) dias, o que demonstra o excesso de prazo para a conclusão do inquérito policial. 3. Ordem de habeas corpus concedida para, confirmando a liminar, determinar a soltura do Paciente, se por outro motivo não estiver preso, com aplicação (em razão da gravidade concreta da conduta e do risco de reiteração delitiva) das medidas cautelares previstas nos incisos I (atendimento aos chamamentos judiciais); III (proibição de manter contato com qualquer pessoa envolvida nos fatos, especialmente os demais Investigados); IV (proibição de se ausentar da comarca sem prévia autorização judicial); e V (recolhimento domiciliar no período noturno e nos períodos de folga) do art. 319 do Código de Processo Penal. (HC n. 643.170/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 26/3/2021, grifei)

À vista do exposto, concedo a ordem de habeas corpus, confirmada a liminar anteriormente deferida, para, diante do excesso de prazo identificado na espécie, relaxar a prisão preventiva do investigado, se por outro motivo também não estiver preso, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar, caso demonstrada a superveniência de fatos novos que indiquem a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 976996 - ES (2025/0020693-1) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 19/05/2025.)

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