STJ Maio24 - Estupro de Vulnerável - Aplicação da Continuidade Delitiva (Art.71 do CP) - Pena Reduzida: Afastamento do Concurso Material de Crimes
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS Nº 911398 - ES (2024/0161036-7)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, sem pedido liminar, impetrado em favor de Nome, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, no julgamento da Apelação Criminal n. 0001115-87.2021.8.08.0045.
Consta dos autos que o paciente foi condenado, em primeiro grau de jurisdição, às penas de 35 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 20 dias-multa, pela suposta prática dos delitos tipificados no art. 217-A, caput, do Código Penal, por três vezes, e no art. 240, da Lei n. 8.069/1990, n/f do art. 69, do CP (e-STJ, fls. 31/37).
Irresignada, a defesa apelou, e o Tribunal estadual negou provimento ao recurso (e-STJ, fls. 22/30), em acórdão assim ementado:
APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PALAVRA DA VÍTIMA.
DESCLASSIFICAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO 1. [A] "palavra da vítima, como espécie probatória positivada no art. 201 do Código de Processo Penal, nos crimes praticados - à clandestinidade - no âmbito das relações domésticas ou nos crimes contra a dignidade sexual, goza de destacado valor probatório, sobretudo quando evidencia, com riqueza de detalhes, de forma coerente e em confronto com os demais elementos probatórios colhidos na instrução processual, as circunstâncias em que realizada a empreitada criminosa" (AgRg no AREsp n. 1.275.084/TO, Rel. Ministra Nome, Sexta Turma, julgado em 28/5/2019, DJe 5/6/2019).
2. "Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual" (art. 215-A do CP)"(REsp n.1.959.697/SC, relator Ministro Nome, Terceira Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 1º/7/2022).
3. O delito previsto no art. 218, do Código Penal tem como finalidade a satisfação da lascívia de outrem, situação que não se vislumbra nos presentes autos, uma vez que não há qualquer prova de que existia terceira pessoa, mas sim que o apelante quem comandava o perfil"Luana Boroto",para enganar os menores e satisfazer a própria lascívia.
4. É pacífica a compreensão, portanto, de que o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, conforme já consolidado por esta Corte Nacional 2. Doutrina e jurisprudência sustentam a prescindibilidade do contato físico direto do réu com a vítima, a fim de priorizar o nexo causal entre o ato praticado pelo acusado, destinado à satisfação da sua lascívia, e o efetivo dano à dignidade sexual sofrido pela ofendida. (HC 478310 / PA - HABEAS CORPUS 2018/0297641-8 - Relator (a) Ministro Nome (1158) - T6 - SEXTA TURMA - Data do Julgamento 09/02/2021- Data da Publicação/Fonte DJe 18/02/2021).
5. Trata-se de 03 (três) vítimas distintas, em que há desígnio autônomo (a lascívia) sobre cada uma das vítimas, motivo pelo qual, no delito do art. 217-A, do Código Penal, não há que se falarem continuidade delitiva.
6. Recurso improvido.
No presente writ (e-STJ, fls. 3/20), a impetrante sustenta que o paciente sofre constrangimento ilegal na primeira fase da dosimetria de sua pena, pois foi proferida a sentença, que de forma desproporcional, elevou as penas-base em quantidade acima do mínimo legal não justificando, assim, afixação das penas-base nesses patamares (e-STJ, fl. 6).
Assevera também que houve desproporcionalidade nas penas aplicadas, vez que o aumento das penas-base se deu em patamar exagerado, bem acima do mínimo legal, quantum manifestamente desarrazoado (e-STJ, fl. 10), sendo caso, portanto, de reduzir o incremento operado nas penas-base.
Ademais, defende ser o caso de reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro de vulnerável, pois no caso em apreço, pode-se depreender que resta configurada a continuidade delitiva, já que o paciente, dentro de curto lapso temporal, praticou crimes de mesma espécie, com as mesmas circunstâncias e modo, e no mesmo local (e-STJ, fl. 15).
Diante disso, requer o redimensionamento da sanção do paciente, ante a redução de suas penas-base, e do reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes previstos no art. 217-A, do Código Penal.
Suficientemente instruídos os autos, dispensei o envio de informações, e o Ministério Público Federal, em parecer exarado às e-STJ, fls. 43/49, opinou pelo não conhecimento do mandamus.
É o relatório. Decido.
De início, o presente habeas corpus não comporta conhecimento, pois impetrado em substituição a recurso próprio. Entretanto, nada impede que, de ofício, seja constatada a existência de ilegalidade que importe em ofensa à liberdade de locomoção do paciente.
Conforme relatado, busca-se o redimensionamento das sanções do paciente, ante a redução de suas penas-base, e do reconhecimento da continuidade delitiva, em relação aos crimes de estupro de vulnerável.
Preliminarmente, cabe ressaltar que a dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento se inserem dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
Ademais, a legislação brasileira não prevê um percentual fixo para o aumento da pena-base em razão do reconhecimento das circunstâncias judiciais desfavoráveis, tampouco em razão de circunstância agravante ou atenuante, cabendo ao julgador, dentro do seu livre convencimento motivado, sopesar as circunstâncias do caso concreto e quantificar a pena, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Por fim, predomina nesta Corte Superior o entendimento de que o aumento da pena em patamar superior à fração de 1/6 (um sexto), demanda fundamentação concreta e específica para justificar o incremento em maior extensão.
Vejam-se:
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL.
UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. [..
.] TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, III, D, DO CP. QUANTUM DE REDUÇÃO NÃO ESPECIFICADO NO CÓDIGO PENAL. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA.
DESPROPORCIONALIDADE. CONFISSÃO PARCIAL DA PRÁTICA DELITIVA.
IRRELEVÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Se a confissão do agente é utilizada como fundamento para embasar a conclusão condenatória, a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser aplicada em seu favor, pouco importando se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial, ou se houve retratação posterior em juízo.
2. O quantum de diminuição pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea não está estipulado no Código Penal, de forma que devem ser observados os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da necessidade e da suficiência à reprovação e à prevenção do crime, informadores do processo de aplicação da pena.
3. Na hipótese, as instâncias de origem reduziram a pena do paciente em 2 (dois) meses de forma desproporcional, sendo patente, pois, o constrangimento ilegal imposto, devendo ser aplicada a redução de 1/6 (um sexto) em razão da confissão espontânea.
[...]
3. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, a fim de redimensionar a pena imposta para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e multa, em regime inicial aberto (HC n. 408.154/SC, Rel. Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 21/9/2017, DJe 27/9/2017, grifei).
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO DE ASSOCIAÇÃO.
REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
DOSIMETRIA DA PENA. REPRIMENDA BÁSICA FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
QUANTIDADE E NATUREZA DO ENTORPECENTE. DISTRIBUIÇÃO EM VÁRIAS LOCALIDADES. FUNDAMENTOS SUFICIENTES. INCIDÊNCIA DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N.º 11.343/2006. CONDENAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. ATENUANTE DA CONFISSÃO.
PERCENTUAL DE APLICAÇÃO. PROPORCIONALIDADE.
[...]
4. O Código Penal não estabelece limites mínimo e máximo de aumento ou redução de pena em razão da incidência das agravantes e das atenuantes genéricas. Diante disso, a doutrina e a jurisprudência pátrias anunciam que cabe ao magistrado sentenciante, nos termos do princípio do livre convencimento motivado, aplicar a fração adequada ao caso concreto em obediência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. E, no caso, tem-se por proporcional a diminuição de 1 ano, operada em decorrência do reconhecimento da atenuante da confissão.
5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no REsp n. 1.672.672/CE, Rel. Ministro Nome, Sexta Turma, julgado em 7/11/2017, DJe 14/11/2017, grifei).
Sob essas diretrizes, ao julgar o apelo defensivo, o Relator do voto condutor do acórdão revisou as sanções do paciente, nos seguintes termos (e-STJ, fls. 28/30, grifei):
[...]
Quanto ao delito do art. 217-A, do Código Penal.
Em relação à vítima U. S. da S.:O juízo de primeiro grau valorou negativamente a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências.
A culpabilidade, entendo que merece majoração, uma vez que o apelante criou um perfil falso feminino para aliciar crianças e adolescentes do sexo masculino, instruindo as vítimas a realizarem atos libidinosos juntos.
As circunstâncias do crime também são negativas, uma vez que, conforme depoimento da mãe de uma das vítimas, o apelante indicava as posições, os gestos que os menores deveriam reproduzir diante das câmeras, sob a promessa de que enviaria fotos de corpo nu, bem como os encontraria pessoalmente para realizar diversos atos sexuais.
As consequências penais devem ser valoradas negativamente, uma vez que a mãe do menor U afirma em juízo que o adolescente" ficou muito mal após os fatos, passando a ter crises ", evidenciando trauma psicológico.
Deste modo, tendo como base o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de exasperar a pena em 1/8, calculado sobre o intervalo entre as penas mínima e máximas cominadas ao delito, a cada circunstância judicial valorada negativamente, entendo como justo e proporcional a pena-base fixada em 10 (dez) anos, 07 (Sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.
Não sendo reconhecidas agravantes e atenuantes, nem causas de aumento ou de diminuição depena, a reprimenda restou fixada em 10 (Dez) anos, 07 (Sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.
Quanto às vítimas V. F. dos S. e G. L. S., observo que foram negativadas apenas a culpabilidade e as circunstâncias do crime.
Deste modo, tendo como base os mesmos fundamentos apontados às referidas circunstâncias judiciais, na dosimetria realizada pelo crime praticado em face da vítima U. S. da S., mantenho a valoração negativa.
A pena-base foi fixada em 09 (nove) anos e 09 (nove) meses de reclusão, a qual restou definitiva, em relação ao delito praticado em face de cada vítima, ante a ausência de agravantes e atenuantes, bem como causas de aumento e de diminuição de pena.
Quanto ao delito do art. 240, da Lei nº 8.069/90, o juízo de primeiro grau valorou negativamente a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências.
A culpabilidade, entendo que merece majoração, uma vez que o apelante criou um perfil falso feminino, para aliciar crianças e adolescentes do sexo masculino, ludibriando os menores.
As circunstâncias do crime também são negativas, uma vez que o apelante prometia, às vítimas, que enviaria fotos de seu suposto corpo feminino nu, bem como os encontrariam pessoalmente para realizar diversos atos sexuais.
Mais uma vez, as consequências penais devem ser valoradas negativamente, uma vez que a mãe do menor U afirma em juízo que o adolescente" ficou muito mal após os fatos, passando a ter crises ", evidenciando trauma psicológico.
Portanto, valoradas negativamente 03 (três) circunstâncias judiciais, e tendo como base o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de exasperar a pena em 1/8, calculado sobre o intervalo entre as penas mínima e máximas cominadas ao delito, a cada circunstância judicial valorada negativamente, entendo como justo e proporcional a pena base fixada em 05 anos e 06 meses de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.
[...]
Por fim, busca a defesa o reconhecimento da continuidade delitiva, ao invés do cúmulo material de crimes. Contudo, mais sorte não lhe assiste.
Relembro que se trata de 03 (três) vítimas distintas, em que há desígnio autônomo (a lascívia) sobre cada uma das vítimas, motivo pelo qual, no delito do art. 217-A, do Código Penal, não há que se falar em continuidade delitiva.
Consoante visto acima, verifico que a pena-base do paciente foi exasperada em 2 anos, 7 meses e 15 dias (vítima U. S. da S) e em 1 ano e 9 meses (vítimas V. F. dos S. e G. L. S), em razão do desvalor conferido à sua culpabilidade, circunstâncias e consequências do delito, o mesmo em relação do crime tipificado no art. 240, do ECA, cuja basilar foi exasperada em 1 ano e 6 meses.
A culpabilidade, como circunstância judicial está afeta ao grau de reprovabilidade da conduta perpetrada pelo agente, a qual deve destoar do tipo penal a ele imputado, e, na espécie, ela foi considerada desfavorável, em virtude de o paciente, na qualidade de seminarista da Igreja Católica, e já próximo de assumir o ministério do sacerdócio, haver criado uma conta de perfil falso no facebook, com o nome de Nome, por meio do qual aliciava crianças e adolescentes do sexo masculino, para receber fotos e vídeos pornográficos. Além disso, a vítima U. S. da S., foi instruída a se encontrar com uma criança (09 anos de idade) e com um adolescente (13 anos de idade) para que juntos, realizassem atos libidinosos mutualmente, com o devido registro por meio fotográfico e audiovisual (e-STJ, fls. 34/35). Essas circunstâncias demonstram, sem sombra de dúvidas, a maior reprovabilidade da conduta perpetrada, a merecer o desvalor dessa vetorial, inclusive em maior extensão.
Ilustrativamente:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOSIMETRIA.
VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. ELEMENTOS CONCRETOS CONSTANTE DOS AUTOS. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL RELATIVO À TENTATIVA.
ITER CRIMINIS PERCORRIDO. ANÁLISE. GRAU ESTABELECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. MODIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE PROVAS. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO.
[...]
III - No tocante a culpabilidade, cumpre registrar, que" a quantidade de disparos efetuados pelos agentes é fundamento adequado para justificar o desvalor de tal vetor judicial, haja vista mostrar uma maior reprovabilidade da conduta "(AgRg no REsp n. 1.805.149/PA, Sexta Turma, Rel. Min. Nome, DJe de 4/9/2019).
IV - Na presente hipótese, como bem destacado pela Corte de origem," o posicionamento do magistrado sentenciante em majorar a pena-base em decorrência da quantidade de disparos realizados pelo réu tem total amparo jurisprudencial ".
V - Consoante dispõe o Código Penal, em seu art. 14, II, adotou a teoria objetiva quanto à punibilidade da tentativa, pois, malgrado semelhança subjetiva com o crime consumado, diferencia a pena aplicável ao agente doloso de acordo com o perigo de lesão a o bem jurídico tutelado. Nessa perspectiva, a jurisprudência desta Corte adota critério de diminuição do crime tentado de forma inversamente proporcional à aproximação do resultado representado: quanto maior o iter criminis percorrido pelo agente, menor será a fração da causa de diminuição.
VI - No caso em apreço, a Corte local aplicou a redução pela tentativa em 5/12 (cinco doze avos), tendo em vista o iter criminis percorrido pelo agente, ressaltando que" o acusado empregou todos os meios possíveis para a consumação do delito, mas apenas não o consumou em razão da falta de precisão, uma vez que, diante de vários disparos, somente um deles atingiu a vitima, não tendo sido suficiente para ocasionar sua morte, deixando-a, contudo, lesionada ". Neste contexto, considerando que quanto mais próximo à consumação delitiva o agente chegar, menor deve ser o percentual de redução, mostra-se irretocável a diminuição pela tentativa.
VII - Outrossim, o acolhimento do inconformismo, segundo as alegações vertidas nas razões da impetração, demanda o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, situação vedada no âmbito do habeas corpus. Precedentes.
Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 654.266/ES, Rel. Ministro Nome (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJDFT), Quinta Turma, Julgado em 25/10/2022, DJe 4/11/2022, grifei).
Em relação às circunstâncias do delito, também foram desfavoráveis, haja vista que o paciente indicava as posições, gestos e atos libidinosos que as vítimas deveriam executar individual e mutualmente, sob a promessa de que lhes enviaria fotos de corpo nu, bem como que se encontraria presencialmente com eles para a prática de diversos atos sexuais (e-STJ, fls. 34/35). Nesse contexto, reputo justificado o desvalor conferido a essa vetorial.
Veja-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. SUBMISSÃO DO RECURSO A EXAME DO ÓRGÃO COLEGIADO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PENA-BASE. CULPABILIDADE, CONDUTA SOCIAL E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUMENTO EM 1/6. PROPORCIONALIDADE.
1. Não viola o princípio da colegialidade a decisão monocrática do relator calcada em jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, tendo em vista a possibilidade de submissão do julgado ao exame do órgão colegiado, mediante a interposição de agravo regimental.
2. A revisão da dosimetria da pena em habeas corpus tem caráter excepcional, somente cabível nas hipóteses de flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie, uma vez que foram declinados fundamentos idôneos para valoração negativa de cada circunstância judicial.
3. Quanto à culpabilidade, foi destacado que a conduta criminosa foi premeditada, ou, no mínimo, preparada, o que reforça a necessidade de reprovação mais rigorosa, e, tratando-se de fundamentação idônea, deve ser mantido o rigor.
4. No que tange à valorização negativa da conduta social, foi apontado que, conforme testemunhas, o réu é pessoa muito temida no bairro, em decorrência de sua periculosidade e envolvimento com práticas ilícitas, justificando o aumento da reprimenda.
5. Quanto às circunstâncias do delito, ressaltou-se o modus operandi empregado pelo paciente na conduta delitiva, em que ele deflagrou vários tiros na parte externa do estabelecimento em pleno funcionamento, implicando concreto risco à vida de terceiros, o que indica maior reprovabilidade e autoriza a fixação da pena-base acima do mínimo legal.
6. Considerando o silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram dois critérios de incremento da pena-base, por cada circunstância judicial valorada negativamente, sendo o primeiro de 1/6 da mínima estipulada, e outro de 1/8, a incidir sobre o intervalo de condenação previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador (AgRg no AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.617.439/PR, relator Ministro Nome, Quinta Turma, DJe 28/9/2020).
7. Agravo regimental improvido (AgRg no HC n. 825.873/CE, Rel. Ministro Nome (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJDFT, Quinta Turma, Julgado em 11/9/2023, DJe 15/9/2023, grifei).
Quanto às consequências do delito, foram gravosas para o ofendido U.
S. da S., pois conforme depoimento prestado por sua genitora, ele" ficou muito mal após os fatos, passando a ter crises "(e-STJ, fl. 34). Desse modo, também não verifico nenhuma ilegalidade a ser sanada no desvalor conferido a essa vetorial.
Nesse contexto, não há ilegalidade a ser sanada nos fundamentos apresentados para justificar o desvalor conferido às circunstâncias judiciais negativadas, e tampouco no incremento operado, mormente considerando-se que o aumento aplicado ficou, inclusive, aquém da fração de aumento usualmente empregada por esta Corte de Justiça, que adota a fração de 1/6 para cada vetorial desabonada.
Em relação ao reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de estupro de vulnerável, observo que o instituto previsto no art. 71 do Código Penal prescreve que há crime continuado quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, os delitos subsequentes devem ser havidos como continuação do primeiro. Nesse contexto, a jurisprudência desta Corte Superior firmou entendimento no sentido de que a caracterização da continuidade delitiva pressupõe a existência de ações praticadas em idênticas condições de tempo, lugar e modo de execução (requisitos objetivos), além de um liame a indicar a unidade de desígnios (requisito subjetivo).
Na espécie, foi asseverado pela Corte estadual que se trata de 03 (três) vítimas distintas, em que há desígnio autônomo (a lascívia) sobre cada uma das vítimas, motivo pelo qual, no delito do art. 217-A, do Código Penal, não há que se falar em continuidade delitiva (e-STJ, fl. 30).
Todavia, compulsando os autos, verifico que o modus operandi e o contexto fático das práticas criminosas foram o mesmo para as três vítimas, pois o paciente criou um perfil falso em redes sociais se passando por pessoa do sexo feminino; seduzindo-as e lhes pedindo o envio de fotos e vídeos pornográficos da forma indicada por ele e, em troca, ele lhes enviaria fotos íntimas e marcaria um encontro presencial com as três vítimas juntas para a prática de sexo (e-STJ, fl. 34), com o intuito de satisfazer sua lascívia; nesse contexto, reputo preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos para o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes, ainda que cometidos contra vítimas diversas, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior.
Vejam-se:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONTINUIDADE DELITIVA. CONFIGURAÇÃO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. CONTINUIDADE DELITIVA ESPECÍFICA.IMPOSSIBILIDADE. PENA PROPORCIONAL DIANTE DO AUMENTO MÁXIMO APLICADO.
1." É possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre crimes de estupro praticados contra vítimas diversas, desde que preenchidos, cumulativamente, os requisitos de ordem objetiva e o de ordem subjetiva ". (HC n. 622.131/SP, relator Ministro Nome, Quinta Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 4/2/2021.) 2. Na espécie, as vítimas eram as enteadas e a esposa do acusado, genitora, ocasião em que foram abusadas, por mais de dez vezes, na mesma residência, com o mesmo modus operandi e na mesma época.
3. O entendimento da decisão agravada também está de acordo com a jurisprudência do STJ, o qual, por meio da Terceira Seção, fixou a tese do Tema n. 1.202, no sentido de que,"No crime de estupro de vulnerável, é possível a aplicação da fração máxima de majoração prevista no art. 71, caput, do Código Penal, ainda que não haja a delimitação precisa do número de atos sexuais praticados, desde que o longo período de tempo e a recorrência das condutas permita concluir que houve 7 (sete) ou mais repetições"(REsp n. 2.029.482/RJ, relatora Ministra Nome, Terceira Seção, julgado em 17/10/2023, DJe de 20/10/2023).
4. A continuidade delitiva específica, prevista no art. 71, parágrafo único, do CP, pressupõe que, além dos requisitos exigidos para o reconhecimento da continuidade delitiva simples, os crimes dolosos tenham sido praticados contra vítimas diferentes, com violência ou grave ameaça à pessoa. Atendidos tais requisitos, a lei somente estipula a exasperação máxima da continuidade delitiva específica (até o triplo), não apontando a fração mínima aplicável.
No caso, considerando que a dosimetria da pena se insere dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, bem como diante do princípio da proporcionalidade e da vedação do art. 70, parágrafo único, do CP, a pena imposta revela-se adequada ao caso concreto, haja vista que o aumento ocorreu na fração máxima.
5. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 759.964/SC, Rel. Ministro Nome (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJDFT), Sexta Turma, 4/3/2024, DJe 7/3/2024, grifei).
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL.CONTINUIDADE DELITIVA. VÍTIMAS DIVERSAS. AFASTAMENTO DO CONCURSO MATERIAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.1. O Superior Tribunal de Justiça entende que, para a caracterização da continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), é necessário o preenchimento cumulativo dos requisitos de ordem objetiva (pluralidade de ações, mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução) e de ordem subjetiva, assim entendido como a unidade de desígnios ou o vínculo subjetivo havido entre os eventos delituosos.2. O fato de os crimes haverem sido praticados contra vítimas diversas não impede o reconhecimento do crime continuado, notadamente se os atos houverem sido cometidos no mesmo contexto fático.3. Não há violação da Súmula n. 7 do STJ quando, para a alteração do julgado, for prescindível o revolvimento de fatos e provas dos autos, visto estarem eles amplamente explicitados na sentença e no acórdão.
4. Agravo regimental não provido (AgRg no REsp n. 1.891.955/PI, Rel. Ministro Nome, Sexta Turma, julgado em 29/3/2022, DJe 1º, 4, 2022, grifei).
Nesses termos, constato o flagrante constrangimento ilegal apontado pela impetrante e, de ofício, reconheço a continuidade delitiva específica entre os crimes de estupro de vulnerável cometidos pelo paciente, nos termos do art. 71, parágrafo único, do Código Penal, e passo, agora, ao novo cálculo da dosimetria da pena.
Mantidas todas as reprimendas aplicadas ao paciente, sobre a sanção mais elevada (10 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão - vítima U. S.da S.), majoro a pena em 1/2, considerando sua culpabilidade, circunstâncias e consequências do delito, fixando-a em 15 anos, 11 meses e 7 dias de reclusão.
Reconhecido o concurso material em relação ao crime previsto no art. 240, do ECA (5 anos e 6 meses de reclusão, além de 20 dias-multa), as sanções do paciente ficam definitivamente estabilizadas em 21 anos, 5 meses e 7 dias de reclusão, além de 20 dias-multa.
Ante o exposto, com fulcro no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo a ordem ex officio, para fixar as penas do paciente em 21 anos, 5 meses e 7 dias de reclusão, além de 20 dias-multa, mantidos os demais termos de sua condenação.
Comunique-se, com urgência, ao Tribunal impetrado e ao Juízo de primeiro grau.
Intimem-se.
Brasília, 20 de maio de 2024.
(STJ - HC: 911398, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: 21/05/2024)
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