STJ Set24 - Latrocínio - Tentativa - O Crime Único quando Atinge Duas Pessoas - Crime Contra o Patrimônio "Ausência de Concurso Formal Impróprio - crime único de latrocínio, nas situações em que, embora o animus necandi seja dirigido a mais de uma pessoa"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS Nº 943769 - SC (2024/0337689-1)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, sem pedido liminar, impetrado em favor de LUIZ XXXXXXXXXXI, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, no julgamento da Revisão Criminal n. 5034951-52.2024.8.24.0000/SC.
Consta dos autos que os pacientes foram condenados, em primeiro grau de jurisdição, às penas de 46 anos e 8 meses de reclusão, e 22 dias-multa (LUIZ), e a 54 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão, além de 30 dias-multa (WELLINGTON), pela prática do delito tipificado no art. 157, § 3º, II, c/c o art. 61, II, (contra duas vítimas), n/f do art. 70, caput, primeira parte, todos do Código Penal (e-STJ, fls. 279/293).
Irresignada, a defesa apelou e o Tribunal estadual negou provimento ao recurso (e-STJ, fls. 186/195), em acórdão assim ementado:
APELAÇÕES CRIMINAIS. CRIMES DE LATROCÍNIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA.
RECURSOSDEFENSIVOS. PLEITO ABSOLUTÓRIO DE UM DOS APELANTES. ALEGADA INSUFICIÊNCIA DEPROVAS PARA COMPROVAR A AUTORIA. NÃO ACOLHIMENTO.
ELEMENTOS CONSTANTESNOS AUTOS QUE SERVEM PARA ATESTAR A PRÁTICA DELITIVA. CONDENAÇÃOMANTIDA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE FURTO. IMPOSSIBILIDADE. PRESENÇA DO ELEMENTO DO FATO TÍPICO CONSTANTE NO ART. 157 DO CÓDIGO PENAL, REFERENTE À VIOLÊNCIA EMPREGADA CONTRA AS VÍTIMAS. COOPERAÇÃODOLOSAMENTE DISTINTA. NÃO OCORRÊNCIA. INSURGENTE QUE DESDE O INÍCIOPARTICIPOU DA PRATICA DELITIVA. PRESENÇA DE ARMA BRANCA E MODO DE EXECUÇÃOQUE INDICA A POSSIBILIDADE DE PRESUMIR O RESULTADO MORTE. PEDIDO DEAPLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INVIABILIDADE. MORTE DAS VÍTIMAS QUENÃO PODE SER CONSIDERADA COMO FASE NORMAL DE EXECUÇÃO DO DELITO DESUBTRAÇÃO.
CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO. MANUTENÇÃO. NÍTIDA AUTONOMIA DEDESÍGNIOS ENTRE AS CONDUTAS CONSTANTES DO TIPO PENAL DE LATROCÍNIO. PLEITEADO O AFASTAMENTO DAS AGRAVANTES REFERENTES AO MODO DE EXECUÇÃODO CRIME. ALEGADA DUPLA PENALIZAÇÃO (BIS IN IDEM), TENDO EM VISTA A MAJORAÇÃODA PENA NA PRIMEIRA ETAPA POR FORÇA DO CONCURSO DE PESSOAS.
NÃOACOLHIMENTO. RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA EM RAZÃO DO USODE ARMA BRANCA E DA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA QUE NÃO POSSUI CONEXÃO COM O FATODE O CRIME TER SIDO PRATICADO EM CONCURSO DE PESSOAS. PENA QUE DEVE SERMANTIDA. RECURSOS DESPROVIDOS.
O pedido de revisão criminal não foi conhecido (e-STJ, fls. 54/67), em acórdão assim ementado:
REVISÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DE LATROCÍNIO (ART. 157, § 3º, INC. II, DO CÓDIGO PENAL). PRETENSÃO DE REANÁLISE DA DOSIMETRIA. RECONHECIMENTO DOCONCURSO FORMAL PRÓPRIO EM DETRIMENTO DA MODALIDADE IMPRÓPRIA IMPOSTA NOÉDITO CONDENATÓRIO. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA DEVIDAMENTE ANALISADA NOSEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. INVIABILIDADE DE UTILIZAÇÃODA REVISÃO CRIMINAL COMO TERCEIRA VIA RECURSAL. NÍTIDA INTENÇÃO DEREDISCUSSÃO DO JULGADO.
ADEMAIS, APLICADO ENTENDIMENTO PACIFICADO NOEGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA À ÉPOCA DA CONDENAÇÃO. PEDIDO REVISIONAL NÃO CONHECIDO.
No presente writ (e-STJ, fls. 3/14), a impetrante sustenta que o acórdão impugnado impôs constrangimento ilegal aos pacientes, na medida em que manteve o concurso formal impróprio de crimes, embora fosse único o patrimônio visado, sendo o caso, portanto, de reconhecimento de crime único ou, ao menos, do concurso formal próprio, haja vista a ausência de desígnios autônomos.
Diante disso, requer o redimensionamento das sanções dos pacientes, ante o afastamento do concurso formal impróprio entre os crimes de latrocínio consumado e latrocínio tentado, de modo a reconhecer a prática de crime único, reduzindo-se a pena final imposta aos Pacientes e; subsidiariamente, reconhecer o concurso formal próprio, aplicando-se o critério de 1/6 de exasperação sobre a pena mais grave, ao invés do cúmulo material de penas (e-STJ, fl. 13).
Suficientemente instruídos os autos, dispenso o envio de informações.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder, ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.
Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Acerca do rito a ser adotado para o julgamento desta impetração, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
Possível, assim, a análise do mérito da impetração, já nesta oportunidade.
Conforme relatado, busca-se o reconhecimento de crime único, em relação aos dois delitos de latrocínio perpetrados pelos pacientes ou, ao menos, a aplicação da regra do concurso formal próprio de crimes.
Preliminarmente, cabe ressaltar que a dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento inserem-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
Ao sentenciar os pacientes, a Magistrada asseverou que (e-STJ, fls. 286/287, destaquei):
[...]
No caso em tela, os agentes adentraram a residência da vítima com a finalidade de subtrair-lhe dinheiro e a caminhonete, resultando na violência e morte das vítimas.
É incontroverso que no caso em questão, apesar de as condutas terem sido realizadas no mesmo contexto fático, cada ato foi praticado com nítida autonomia de desígnios em relação à morte das vítimas, com a finalidade de atingir o benefício patrimonial, ora pretendido.
Prevalece no STJ, o entendimento de que "configurado o latrocínio, previsto no art. 157, § 3º, II, do CP, no qual há única subtração patrimonial, com desígnios autônomos e com dois resultados morte, fica caracterizado o concurso formal impróprio, disposto no art. 70 do CP".
[...]
Logo, inexiste razão em seu pleito para aplicação do concurso formal próprio entre os crimes.
Assim se manifestou a Corte catarinense sobre a questão (e-STJ, fl. 65, grifei):
[...]
Como se vê, o pleito revisional não representa hipótese vertente para revisão do julgado, porquanto da análise da inicial infere-se, com clareza, que busca o requerente a reapreciação de questão que foi levada a julgamento e, inclusive, foi objeto de discussão e expressa deliberação colegiada por esta Corte, culminando, ao final, com a manutenção do reconhecimento do concurso formal impróprio entre os crimes de latrocínio.
De fato, por ocasião do julgamento da Apelação Criminal n. 5000032-52.2021.8.24.0029 pela Terceira Câmara Criminal, promoveu o órgão julgador a análise da matéria, oportunidade em que reafirmou a compreensão externada na origem no tocante a caracterização de 2 (dois) delitos em concurso formal impróprio, o que necessariamente afasta a tese pretendida na exordial.
Extrai-se, no que interessa, os excertos do Acórdão da lavra do eminente Desembargador Ricardo Roesler (evento 48, RELVOTO2):
Quanto ao concurso de crimes, esclareço que não há como considerar a unidade de desígnios nos moldes propostos no apelo, ao pretender a aplicação de concurso formal próprio, porquanto é certo que, apesar de as condutas terem sido realizadas no mesmo contexto fático, cada ato foi praticado com nítida autonomia de desígnios em relação à morte das vítimas, com a finalidade de atingir o benefício patrimonial pretendido.
Assim, mais uma vez, resta acertada a exasperação da pena.
Pela leitura do recorte acima, verifica-se que apesar de não haver sido debatida a matéria relativa à ocorrência de crime único, mas apenas a modalidade do concurso formal de crimes, se próprio ou impróprio, constato que o acórdão impugnado divergiu da orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, em suas duas Turmas, as quais têm afastado o concurso formal impróprio, e reconhecido a ocorrência de crime único de latrocínio, nas situações em que, embora o animus necandi seja dirigido a mais de uma pessoa, apenas um patrimônio haja sido atingido, como no caso dos autos, em que o bem visado era apenas o da vítima Paulo Matias (dinheiro e um veículo Toyota Hilux), sendo a vítima Antônio Matias, irmão de Paulo, atingida, ao tentar socorrer o irmão.
Nesse sentido:
EMENTA Agravo regimental em habeas corpus. Penal. Latrocínio ( CP, art. 157, § 3º). Pluralidade de vítimas. Concurso formal impróprio não configurado. Delito praticado com unidade de desígnios.
Reconhecimento do concurso formal próprio ( CP, art. 70, 1ª parte).
Precedentes. Condenação transitada em julgado. Impetração utilizada como sucedânea de revisão criminal. Possibilidade em hipóteses excepcionais, quando líquidos e incontroversos os fatos postos à apreciação da Corte. Precedente da Segunda Turma. Regimental não provido. 1. O reconhecimento do concurso formal próprio no delito de latrocínio praticado encontra respaldo jurídico na jurisprudência do Supremo Tribunal segundo a qual 'o crime de latrocínio é um delito complexo, cuja unidade não se altera em razão da diversidade de vítimas fatais; há um único latrocínio, não obstante constatadas duas mortes; a pluralidade de vítimas não configura a continuidade delitiva, vez que o crime-fim arquitetado foi o de roubo e não o de duplo latrocínio' (HC nº 71.267/ES, Segunda Turma, Relator o Ministro Maurício Corrêa, DJ de 20/4/95). 2. A Segunda Turma (RHC nº 146.327/RS, Relator o Ministro Gilmar Mendes, julgado em 27/2/18) assentou, expressamente, a cognoscibilidade de habeas corpus manejado em face de decisão já transitada em julgado em hipóteses excepcionais, desde que líquidos e incontroversos os fatos postos à apreciação do Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo regimental ao qual se nega provimento (HC n. 140.368 AgR, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 7/8/2018, DJe 6/9/2018).
CRIME - LATROCÍNIO - DESCLASSIFICAÇÃO AFASTADA. Aquele que se associa a comparsas para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima, responde pelo crime de latrocínio, ainda que não tenha sido o autor do disparo fatal ou a participação se revele de menor importância. LATROCÍNIO - PLURALIDADE DE VÍTIMAS - CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO NÃO CONFIGURADO. A pluralidade de vítimas em crime de latrocínio não enseja a conclusão de ocorrência de concurso formal impróprio. PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - PROGRESSÃO. Ante o cumprimento parcial da pena privativa de liberdade, incumbe ao Juízo da execução a análise da possibilidade de progressão de regime, tendo por base a pena remanescente (RHC n. 133.575, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 21/2/2017, DJe 16/5/2017, grifei).
Habeas corpus. 2. O acórdão impugnado condenou o paciente pela prática de dois latrocínios em concurso formal. 3. É incontroverso nos autos que houve prática delitiva caracterizada pela subtração de um único bem - um caminhão - com duas mortes. A análise do presente writ não demanda revolvimento fático-probatório. Possibilidade de reconhecimento de concurso formal de latrocínio, na hipótese de delito praticado mediante ação desdobrada em vários atos, que atinja um único patrimônio e vítimas diferentes. 4. Quantidade de mortes repercute na fixação da pena-base (art. 59 do CP) 5. Precedente:
STF, HC n. 71267-3/ES. 6. Sentença deve ser restabelecida. 7. Ordem de habeas corpus concedida para afastar o concurso formal impróprio de latrocínios e determinar o restabelecimento da sentença (HC n. 107.201, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 2/9/2014, DJe 6/11/2014).
HABEAS CORPUS. PENAL. LATROCÍNIO. ART. 157, § 3º, DO CÓDIGO PENAL.
PLURALIDADE DE VÍTIMAS NA EXECUÇÃO DO DELITO. UNIDADE PATRIMONIAL.
CRIME ÚNICO. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DO HABEAS CORPUS AO CORRÉU.
ART. 580 DO CPP.
1. Segundo entendimento acolhido por esta Corte, a pluralidade de vítimas atingidas pela violência no crime de roubo com resultado morte ou lesão grave, embora único o patrimônio lesado, não altera a unidade do crime, devendo essa circunstância ser sopesada na individualização da pena, que, no caso, é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos. Precedentes.
2. Desde que a conduta do agente esteja conscientemente dirigida a atingir mais de um patrimônio, considerado de forma objetiva, como requer o fim de proteção de bens jurídicos do Direito Penal, haverá concurso de crimes. Essa conclusão, todavia, somente pode ser alcançada mediante a análise das circunstâncias que envolvem a prática do ato delitivo.
3. No caso dos autos, não restou demonstrada, de modo inequívoco, a vontade do agente de atingir mais de um patrimônio. A própria denúncia, aliás, considera os bens subtraídos como pertencendo a um único patrimônio (= do supermercado).
4. Ordem parcialmente concedida para afastar o concurso de crimes, com a extensão dos efeitos ao corréu ( CPP, art. 580), e determinar ao juízo competente que considere a circunstância da pluralidade de vítimas na fixação da pena-base ( CP, art. 59), respeitado o limite do ne reformatio in pejus (HC n. 96736, Rel. Ministro TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 17/9/2013 DJe 2/10/2013, grifei).
Seguindo a mesma orientação, as seguintes decisões monocráticas: HC n. 207.790/SC, Rel. Ministro EDSON FACHIN, j. 12/8/2022, DJe 16/8/2022; HC n. 218.564/SP, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, j.
15/8/2022, DJe 16/8/2022.
Segue nesse sentido, a atual jurisprudência desta Corte de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL.
LATROCÍNIOS TENTADOS. DECISÃO AGRAVADA. FUNDAMENTO. IMPUGNAÇÃO.
AUSÊNCIA. SÚMULA N. 182 DO STJ. RECURSO INTERNO. CORREÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS DO AGRAVO EM RECURSOESPECIAL. INADMISSIBILIDADE.
PRECLUSÃO CONSUMATIVA. MÉRITO DO APELO NOBRE. ANÁLISE.
INVIABILIDADE. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE DOS AGRAVOS NÃO ULTRAPASSADO. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. UTILIZAÇÃO COMO MEIO PARA ANÁLISE DO MÉRITO DO RECURSO INADMITIDO. DESCABIMENTO. ILEGALIDADE MANIFESTA. CONSTATAÇÃO SPONTE PROPRIA POR ESTA CORTE SUPERIOR.
LATROCÍNIO. RECONHECIMENTO DO CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO EM RAZÃO DO NÚMERO DE VÍTIMAS ALVEJADAS. DESCABIMENTO. OVERRULING DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ADEQUAÇÃO À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE OFÍCIO.
1. Ausente a impugnação concreta ao fundamento da decisão agravada, que não conheceu do agravo em recurso especial, tem aplicação a Súmula n. 182 do Superior Tribunal de Justiça.
2. Pela ocorrência de preclusão consumativa, mostra-se inviável buscar, no agravo regimental, suprir as deficiências existentes na fundamentação das razões do agravo em recurso especial.
3. Se o presente agravo regimental não foi conhecido, ficando inalterado o não conhecimento do agravo em recurso especial, é inviável a análise das questões suscitadas no recurso especial inadmitido.
4. Nos termos do art. 654, § 2.º, do Código de Processo Penal, o habeas corpus de ofício é deferido por iniciativa dos Tribunais quando detectarem ilegalidade flagrante. Não se presta como meio para que a Defesa obtenha pronunciamento judicial acerca do mérito de recurso que não ultrapassou os requisitos de admissibilidade.
5. Constatação de ilegalidade manifesta, a ser reparada, sponte propria, por esta Corte Superior, e não por força de acolhimento de pedido ou recurso defensivo, por força do art. 654, § 2.º, do Código de Processo Penal, em relação ao Agravante, DIEGO ANTUNES SOARES, e aos Corréus PAULO ROBERTO SEVERO DO NASCIMENTO, HUGO GUILHERME CAPIEIRA RODRIGUES e
WILLIAN VENDRUSCOLO DE CORDOVA.6. O entendimento adotado pelas instâncias ordinárias encontra respaldo na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que há concurso formal impróprio no crime de latrocínio quando, não obstante houver a subtração de um só patrimônio, o animus necandi seja direcionado a mais de um indivíduo, ou seja, a quantidade de latrocínios será aferida a partir do número de vítimas em relação às quais foi dirigida a violência, e não pela quantidade de patrimônios atingidos.
7. No entanto, essa posição destoa da orientação do Supremo Tribunal Federal, em suas duas Turmas, as quais têm afastado o concurso formal impróprio, e reconhecido a ocorrência de crime único de latrocínio, nas situações em que, embora o animus necandi seja dirigido a mais de uma pessoa, apenas um patrimônio tenha sido atingido. Por essa razão, mostra-se prudente proceder ao overruling da jurisprudência deste Tribunal Superior, adequando-a à firme compreensão do Pretório Excelso acerca do tema.
8. No caso concreto, as instâncias ordinárias afirmaram que houve desígnios autônomos em relação ao animus necandi, motivo pelo qual entenderam pelo concurso formal impróprio, o qual deve ser afastado, nos termos do entendimento do Supremo Tribunal Federal. No entanto, é inviável o reconhecimento de crime único, porque foram atingidos dois patrimônios distintos. Nesse contexto, deve ser reconhecida a prática de dois delitos de latrocínio, na forma tentada, em concurso formal próprio, pois não foi mencionado pelas instâncias ordinárias que também teria havido autonomia de desígnios em relação às subtrações patrimoniais, mas tão-somente no tocante ao animus necandi.
9. Agravo regimental não conhecido. Habeas corpus concedido, de ofício, ao Agravante, DIEGO ANTUNES SOARES, e aos Corréus PAULO ROBERTO SEVERO DO NASCIMENTO, HUGO GUILHERME CAPIEIRA RODRIGUES e WILLIAN VENDRUSCOLO DE CORDOVA para, afastando a capitulação atribuída pelas instâncias ordinárias (três delitos de latrocínio na forma tentada, em concurso formal impróprio), tipificar a conduta na prática de dois delitos de latrocínio, na forma tentada, em concurso formal próprio, ficando as penas redimensionadas nos termos do voto (AgRg no AREsp n. 2.119.185/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Terceira Seção, julgado em 13/9/2023, DJe 19/9/2023, grifei).
No caso concreto, as instâncias de origem afirmaram que houve desígnios autônomos em relação ao animus necandi, motivo pelo qual entenderam pelo concurso formal impróprio, o qual deve ser afastado, nos termos do entendimento do Supremo Tribunal Federal e desta Corte Superior, sendo portanto, de rigor o reconhecimento de crime único, porque foi atingido apenas um patrimônio.
Desse modo, constato o flagrante constrangimento ilegal apontado pela impetrante e, de ofício, reconheço a ocorrência de apenas um crime de latrocínio, e determino que as instâncias de origem refaçam a dosimetria das sanções dos pacientes, considerando a pluralidade de vítimas na fixação de suas penas-base, observado o princípio do ne reformatio in pejus.
Ante o exposto, com fulcro no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo a ordem, ex officio, para reconhecer a ocorrência de crime único de latrocínio aos pacientes, e determino que as instâncias de origem refaçam a dosimetria de suas sanções, considerando a pluralidade de vítimas na fixação de suas penas-base, observado o princípio do ne reformatio in pejus.
Comunique-se, com urgência, ao Tribunal impetrado e ao Juízo de primeiro grau.
Intimem-se.
Brasília, 10 de setembro de 2024.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator
(STJ - HC: 943769, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 11/09/2024)
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