STJ Set24 - Quebra da Cadeia de Custódia - Aplica-se aos Crimes Antes do Pacote Anticrime - Homicídio - Perícia Falha (art.6º do CPP) :(i)A completa falta de documentação e informações de onde estava o carro e de onde vieram os cartuchos (ii)"A falta de documentação adequada sobre o local e os objetos periciados gera insegurança jurídica e torna as provas inadmissíveis para fins penais, podendo confundir os jurados em eventual julgamento pelo Tribunal do Júri."
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DAS PROVAS PERICIAIS. VIOLAÇÃO DA CADEIA DE CUSTÓDIA. IMPRESTABILIDADE DA PROVA. RECONHECIMENTO DA NULIDADE DAS PROVAS. DESENTRANHAMENTO. ANULAÇÃO DA DECISÃO DE PRONÚNCIA. RECURSO DES PROVIDO. I. CASO EM EXAME Agravo regimental interposto contra decisão que deu provimento a recurso especial para anular a decisão de pronúncia em razão da nulidade das provas periciais. O Ministério Público argumenta que houve preclusão pela ausência de alegação de nulidade na primeira oportunidade pela defesa. No entanto, a origem tratou da questão e validou a prova pericial. O objeto do recurso envolve a análise da cadeia de custódia e da validade das provas periciais. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se houve preclusão quanto à alegação de nulidade das provas; (ii) estabelecer se a ausência de cadeia de custódia das provas periciais compromete a sua validade no processo penal. III. RAZÕES DE DECIDIR Não há preclusão, pois o tribunal de origem tratou da questão das provas periciais, emitindo juízo de valor sobre a validade das mesmas, conforme registrado nos autos.A ausência de cadeia de custódia das provas periciais, com a falta de preservação do local dos fatos e a demora excessiva na realização da perícia (mais de cinquenta dias após o incidente), viola os artigos 6º, I e II, 158, 169, parágrafo único, do Código de Processo Penal, comprometendo a idoneidade das provas.Conforme jurisprudência do STJ, a cadeia de custódia visa garantir que os vestígios de uma infração penal sejam preservados sem alterações. A falha na cadeia de custódia pode resultar na imprestabilidade da prova, sendo que a mera alegação de correção na coleta das provas pelo Estado não é suficiente para garantir sua admissibilidade (RHC n. 158.441/PA e AgRg no RHC n. 143.169/RJ).A falta de documentação adequada sobre o local e os objetos periciados gera insegurança jurídica e torna as provas inadmissíveis para fins penais, podendo confundir os jurados em eventual julgamento pelo Tribunal do Júri. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento:A alegação de nulidade das provas periciais não está sujeita à preclusão quando o tribunal de origem trata da matéria e emite juízo de valor sobre sua validade.A ausência de cadeia de custódia das provas periciais compromete sua idoneidade e resulta na inadmissibilidade das provas no processo penal, conforme os artigos 6º, I e II, 158 e 169, parágrafo único, do Código de Processo Penal.A mera afirmação de regularidade pelo Estado não é suficiente para validar a prova sem a devida comprovação da cadeia de custódia.Dispositivos relevantes citados: CPP, arts. 6º, I e II; 158; 169, parágrafo único; 170; 171; 172.Jurisprudência relevante citada:STJ, RHC n. 158.441/PA, rel. Min. Olindo Menezes, Sexta Turma, DJe 15.06.2022; STJ, AgRg no RHC n. 143.169/RJ, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 02.03.2023; STJ, HC n. 706.365/RJ, rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 30.05.2023; STJ, AgRg no REsp n. 2.121.042/SP, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 12.04.2024.
(STJ - AgRg no AREsp: 2460649 MG 2023/0320252-2, Relator: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 10/09/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2024)
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RELATÓRIO
Tendo em vista as orientações e valores destacados no Pacto Nacional
do Judiciário pela Linguagem Simples, o qual está pautado em instrumentos internacionais de direitos humanos e de acesso à Justiça, adoto, em parte, o relatório de fls. 2.121-2.122 (e-STJ):
"Fidel de Campos Reis foi pronunciado como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I e IV, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, pois tentou matar seu irmão em virtude de dívidas, de inopino, aproximando-se rapidamente do veículo em que ele estava e efetuando-se em seguida 6 disparos de arma de fogo, sem, contudo, lograr atingi-lo.
O recurso em sentido estrito foi desprovido pelo Tribunal de origem, por unanimidade.
Embargos de declaração rejeitados.
No recurso especial, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional, a Defesa suscitou negativa de vigência aos artigos 6º, I e II, 157, § 1º, 169, parágrafo único, 170, 171 e 172 do Código de Processo Penal, sustentando ilegalidade dos laudos que foram utilizados na pronúncia como elemento de materialidade.
Contrarrazões do Ministério Público pelo não conhecimento ou desprovimento do recurso.
A Vice-Presidência do Tribunal local não admitiu o recurso especial, considerando: Súmula 7/STJ."
A decisão recorrida conheceu do agravo para dar provimento ao recurso especial.
O agravante requer a reconsideração da decisão ou o provimento de seu recurso pelo colegiado.
A defesa manifestou-se pelo desprovimento do agravo regimental.
É o relatório.
VOTO
O agravo regimental é tempestivo e indicou os fundamentos da decisão recorrida, razão pela qual deve ser conhecido.
No entanto, não verifico elementos suficientes para reconsiderar a decisão proferida, cuja conclusão mantenho pelos seus próprios fundamentos (e-STJ fls. 2.101-2.109):
"Inicialmente, quanto eventual preclusão, verifico que não assiste razão o ministério público, tendo em vista que, apesar da defesa não alegar a nulidade na primeira oportunidade, o Tribunal de origem acabou por tratar da questão em que se funda o recurso, tendo, inclusive, emitido juízo de valor sobre a tese apresentada e validando a prova.
Verifico que no caso concreto, o local dos fatos não foi periciado - consta do Boletim de Ocorrência que o perito Sr. Experidião Porto relatou que" não havia necessidade de perícia ", bem como o veículo atingido durante a suposta tentativa de homicídio foi periciado mais de 50 (cinquenta) dias depois dos fatos e esteve na posse da vítima, em constante utilização, durante todo este período.
O artigo 6º do Código de Processo Penal dispõe:
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá: I- Dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II- Apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;"
No caso dos autos, as Autoridades Policiais não cumpriram as determinações do artigo 6º, incisos I e II, do CP, contudo foram produzidos dois laudos, quais sejam:
(a) LAUDO PERICIAL Nº 2018-471-002974-024-007599358-11 (fs. 39-43) OBJETO: Veículo de placa OLQ-5062, atingido durante a suposta tentativa de homicídio.(b) LAUDO PERICIAL Nº 2019-471-002974-024-007995950-26 (fs. 44-44V) OBJETO: Determinação de calibre de cartuchos de munição vazios.
O Código de Processo Penal, ainda, determina a preservação do local do crime para que as perícias sejam realizadas de maneira que se preserve a cadeia de custódia:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri- lo a confissão do acusado.
Art. 169. Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos.
Parágrafo único. Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as consequências dessas alterações na dinâmica dos fatos.
Conforme jurisprudência dessa Corte, a cadeia de custódia refere-se à "idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, e, uma vez ocorrida qualquer interferência durante o trâmite processual, esta pode resultar na sua imprestabilidade. Não se trata, portanto, de nulidade processual, senão de uma questão relacionada à eficácia da prova, a ser analisada caso a caso" (RHC n. 158.441/PA, relator Ministro Olindo Menezes, Sexta Turma, DJe de 15/6/2022).
Assim, a finalidade principal da cadeia de custódia, enquanto decorrência lógica do conceito de corpo de delito (art. 158 do CPP), é assegurar que os vestígios deixados no mundo material por uma infração penal, correspondem exatamente àqueles coletados pela acusação, examinados e apresentados em juízo. Busca-se, desta forma, assegurar que os vestígios são os mesmos, sem nenhum tipo de adulteração ocorrida durante o período em que permaneceram sob a custódia do Estado.
Independe, no caso, que a prova tenha sido colhida antes da entrada em vigor da Lei 13.964/19, pois afirmar o contrário "equivale a dizer que a atuação estatal não é submetida a controle e que, se o Estado- acusação afirmar que atuou corretamente no manejo da prova, isso já bastaria para encampar suas conclusões, dispensando-se a demonstração objetiva da regularidade de seus atos. Nada mais incompatível, certamente, com um processo penal democrático, racional e pautado em comprovações objetivas, para além das impressões pessoais dos agentes públicos que nele atuam".(AgRg no RHC n. 143.169/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, relator para acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/2/2023, DJe de 02/03/2023).
Nos presentes autos a situação é ainda mais grave: não há cadeia de custódia. A completa falta de documentação e informações de onde estava o carro e de onde vieram os cartuchos, faz com que seja a prova inadmissível.
Neste sentido, já decidiu esta Corte:
(...)
Portanto, a prova pericial é totalmente imprestável para fins penais, traz insegurança jurídica incompatível com o Estado Democrático de Direito e, ainda, pode confundir os jurados em eventual júri, portanto, é inadmissível.
Ante o exposto, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial, para reconhecer a nulidade das provas periciais e determinar o desentranhamento do Laudo Pericial nº 2018-471-002974-024- 007599358-11, Laudo Pericial nº 2019-471-002974-024-007995950-26 e de todos os documentos que a elas façam referência, inclusive o Parecer Técnico Particular subscrito por Flávia Armani de Vasconcellos - ID 8173913009, bem como anulo a decisão de pronúncia para que outra seja prolatada, sem as referidas provas ilícitas."
Reforço a violação dos arts. 6º, I e II, 157, § 1º, 169, parágrafo único, 170, 171 e 172 do Código de Processo Penal, tendo em vista que, de acordo com o contexto fático delineado pelas instâncias ordinárias, consta do Boletim de Ocorrência que o perito designado para atuar no feito relatou que"não havia necessidade de perícia". Além disso, o veículo atingido durante a suposta tentativa de homicídio foi periciado mais de cinquenta dias depois dos fatos, período em que esteve na posse da vítima, em constante utilização.
Resta caracterizada, portanto, falha na produção de provas essenciais para o esclarecimento dos fatos, que configuram perda de uma chance probatória pelo Estado. Nesse sentido, " apesar de os fatos serem gravíssimos e ser dever do Estado não incorrer em proteção insuficiente aos bens jurídicos merecedores de tutela penal, essa obrigação não pode ser cumprida da maneira mais cômoda, com a prolação de condenações baseadas em prova frágil, mormente quando possível a produção de elemento probatório que, potencialmente, possa resolver adequadamente o caso penal "(HC n. 706.365/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 30/5/2023 e AgRg no REsp n. 2.121.042/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 8/4/2024, DJe de 12/4/2024.)
Por fim, Para superar as conclusões alcançadas na origem e chegar às pretensões apresentadas pela parte, é imprescindível a reanálise do acervo fático- probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula 7 desta Corte.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
Prejudicado o exame do agravo regimental interposto pelo assistente de acusação (00481444/2024).
É o voto.
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