STJ Jan25 - Roubo - Absolvição - Ausência de Provas - Ferimento ao Art. 386, I do CPP :"(i) depoimento Isolado da Vítima; (ii) Perícia Confirma Violência, mas não é elementar do tipo; (iii) ausência de outros elementos de provas de que o fato típico tenha ocorrido; (iv) versão diferente do réu
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2635006 - SP (2024/0169515-2)
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto contra decisão que inadmitiu o recurso especial manejado pelo ora agravante.
O agravante requer o provimento do agravo (e-STJ fls. 577-589) a fim de que seja conhecido e provido o recurso especial "I) absolvendo os recorrentes, com base no artigo 386, V e VII do Código de Processo Penal, ou, ao menos, II) afastando a causa de aumento de pena - concurso de pessoas - do recorrente Samuel, III) fixando o regime inicial aberto" (e-STJ fls. 493-508).
Contraminuta apresentada (e-STJ fls. 604-618).
Parecer do Ministério Público Federal "pelo não conhecimento do agravo em recurso especial" (e-STJ fls. 648-649).
É o relatório.
Decido.
O Tribunal de origem inadmitiu o recurso especial interposto pela parte agravante com amparo nos seguintes fundamentos (e-STJ fls. 563-566):
"Verifico que o reclamo é inadmissível diante da existência de óbice processual.
Com efeito, o recurso especial foi interposto sem a fundamentação necessária apta a autorizar o seu processamento, consoante determina o artigo 1.029 do Código de Processo Civil1, pois não foram devidamente atacados todos os argumentos do aresto.
Nessa linha, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça2: (...)
Na hipótese vertente, não foram infirmados todos os fundamentos do acórdão recorrido, razão pela qual o recurso, nesse ponto, não pode ser conhecido, nos termos em que aduz a Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
Nem mesmo com base no dissídio jurisprudencial a insurgência pode ser admitida, uma vez que ausentes as condições exigidas pelo Código de Processo Civil, pelo Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça e pela própria Constituição Federal.
O Diploma Processual Civil, no artigo 1.029, § 1º, bem como o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, em seu artigo 255, § 1º, dispõem que: Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência com a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, devendo-se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.
Pertinente a decisão proferida perante o Superior Tribunal de Justiça de que (...) 3. No recurso especial fundado na alínea c do permissivo constitucional, deve a parte recorrente realizar o necessário cotejo analítico entre o acórdão recorrido e os colacionados, a fim de demonstrar a similitude fática e a adoção de teses divergentes, sendo insuficiente a mera transcrição de ementas.
4. Ademais, o recorrente deve provar o dissenso por meio de certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório, oficial ou credenciado, em que tiver sido publicada a decisão divergente, o que não foi feito na hipótese dos autos.3 Ademais, para se chegar a solução contrária à do aresto recorrido, seria necessário o reexame da prova. Nesse passo, cabe reproduzir a Súmula nº 7, do Superior Tribunal de Justiça: A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial, ou seja, há divergência quanto aos fatos reconhecidos pelo Tribunal, não sendo possível emitir um juízo de valor sobre a questão de direito federal sem antes alterar a base fática.
A propósito, decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no AgRg no AR Esp 593109/MT, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, julgado em 23/11/2021, D Je 26/11/21, que: (...) para afastar as conclusões alcançadas pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise do acervo fático-probatório, imperioso seria o reexame de fatos e provas, providência vedada na via eleita, tendo em vista a redação do enunciado n. 7 da Súmula desta Casa.4 Ante o exposto, não preenchidos os requisitos exigidos, NÃO ADMITO o recurso especial, nos termos do artigo 1.030, V, do Código de Processo Civil."
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que "a decisão que não admite o recurso especial tem como escopo exclusivo a apreciação dos pressupostos de admissibilidade recursal. Seu dispositivo é único, ainda quando a fundamentação permita concluir pela presença de uma ou de várias causas impeditivas do julgamento do mérito recursal, uma vez que registra, de forma unívoca, apenas a inadmissão do recurso. (...) A decomposição do provimento judicial em unidades autônomas tem como parâmetro inafastável a sua parte dispositiva, e não a fundamentação como um elemento autônomo em si mesmo, ressoando inequívoco, portanto, que a decisão agravada é incindível e, assim, deve ser impugnada em sua integralidade, nos exatos termos das disposições legais e regimentais"(EAREsp 746.775/PR, relator Ministro João Otávio de Noronha, redator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/9/2018, DJe de 30/11/2018).
Esse posicionamento vem guiando a jurisprudência das Turmas Criminais desta Corte, como se nota a partir dos acórdãos que consignam que "a falta de impugnação específica aos fundamentos da decisão que inadmitiu o recurso especial obsta o conhecimento do agravo, nos termos dos arts. 932, III, do CPC, e 253, parágrafo único, I, do RISTJ e da Súmula 182 do STJ, aplicável por analogia" (AgRg no AREsp 2.225.453/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 13/3/2023; AgRg no AREsp 1.871.630/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023).
Postas essas premissas, verifica-se que o recurso especial foi inadmitido com base nos óbices previstos nas Súmulas 283/STF e 7/STJ.
Na esteira da jurisprudência dominante desta Corte, a superação do óbice da Súmula 7/STJ exige que o recorrente demonstre, de forma clara e objetiva, ser desnecessário o reexame de fatos e provas para alterar o entendimento das instâncias ordinárias, o que não fez.
Nesse sentido:
DIREITO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE.
PECULATO. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
(...) III. Razões de decidir 3. A decisão agravada está de acordo com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, para transcender o óbice da Súmula n. 7/STJ, a defesa precisa demonstrar em que medida as teses não exigiriam a alteração do quadro fático delineado pela Corte local, não bastando a assertiva genérica de que o recurso visa à revaloração das provas, vale dizer, no caso, avaliar a tese de atipicidade, como quer a defesa, demandaria revolvimento fático-probatório, e não questões de direito ou de má aplicação da lei federal.
IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(EDcl no REsp 2131621 / SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 4/11/2024, DJe 6/11/2024) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO.
TIPICIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. CONTINUIDADE DELITIVA. ÓBICE DA SÚMULA 283/STF. ATENUANTE INOMINADA DO ART. 66 DO CÓDIGO PENAL. SÚMULA 7/STJ. VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. SÚMULA 568/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. No que diz respeito à atipicidade da conduta, em razão da ausência da alegada ausência de dolo, deve-se ressaltar que para afastar a incidência da Súmula 7 desta Corte exige-se a demonstração clara e objetiva de que a solução da controvérsia e a violação de lei federal independem do reexame do conjunto fático-probatório dos autos.
(...) 5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.517.591/GO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/4/2024, DJe de 23/4/2024).
A superação do óbice da Súmula 284/STF exige que o recorrente realize o cotejo entre o conteúdo preceituado na norma e os argumentos aduzidos nas razões recursais, com vistas a demonstrar a devida correlação jurídica entre o fato e o mandamento legal, não bastando, para tanto, a menção superficial a leis federais, tampouco a exposição do tratamento jurídico da matéria que o recorrente entende correto. Além disso, na hipótese de alegação de dissídio jurisprudencial, deve demonstrar, de forma clara e objetiva, que situações fáticas semelhantes tiveram conclusões jurídicas distintas, não bastando a mera transcrição de ementas. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS DA DECISÃO QUE INADMITIU O RECURSO NÃO COMBATIDOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. É ônus do agravante impugnar todas as causas específicas de inadmissão do recurso especial, sob pena de não conhecimento do agravo.
2. O insurgente deixou de refutar, de forma direta, objetiva e eficaz, os seguintes fundamentos: Súmulas n. 83 do STJ e 284 do STF.
3. A argumentação empreendida pela defesa não foi suficiente para afastar a indicação da jurisprudência do STJ de que, nos casos de receptação, "cabe à defesa do acusado flagrado na posse do bem demonstrar a sua origem lícita ou a conduta culposa, fato não ocorrido na presente hipótese [...] (REsp n. 1.961.255/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 11/4/2024.)".
4. No tocante ao dissídio jurisprudencial, de fato não houve a devida demonstração de que situações fáticas semelhantes tiveram conclusões jurídicas distintas, o que caracteriza a deficiência recursal e justifica a incidência do óbice previsto na Súmula n. 284 do STF.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 2.549.078/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 4/6/2024, DJe de 13/6/2024).
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO.
DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. MERA TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. ACÓRDÃO DE HABEAS CORPUS APONTADO COMO PARADIGMA, IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A alegação de ofensa à lei federal presume a realização do cotejo entre o conteúdo preceituado na norma e os argumentos aduzidos nas razões recursais, com vistas a demonstrar a devida correlação jurídica entre o fato e o mandamento legal. Não basta, para tanto, a menção en passant a leis federais, tampouco a exposição do tratamento jurídico da matéria que o recorrente entende correto, como se estivesse a redigir uma apelação. Desse modo, a incidência da Súmula 284 do STF é medida que se impõe.
2. Não se revela cognoscível a interposição do recurso com base na alínea c do art. 105, inciso III, da Constituição da Republica, quando a demonstração do dissídio interpretativo se restringe à mera transcrição dos acórdãos tidos por paradigmas.
3. A jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que não se admite como paradigma para comprovar eventual dissídio, acórdão proferido em habeas corpus, mandado de segurança, recurso ordinário em habeas corpus, recurso ordinário em mandado de segurança e conflito de competência 4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AREsp n. 2.509.469/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19/3/2024, DJe de 5/4/2024.)
Contudo, analisando o conteúdo da documentação colacionada aos autos, verifico, de plano, violação ao ordenamento jurídico que implica em ameaça de violência ou coação à liberdade de locomoção do recorrente, nos termos da Lei nº 14.836, de 8/4/2024, publicada no Diário Oficial da União de 9/4/2024. Vejamos.
O Tribunal de origem negou provimento à apelação, mantendo a condenação dos recorrentes pelos seguintes fundamentos (e-STJ fls. 478-481):
"A materialidade está consubstanciada no laudo de lesão corporal da vítima (fls. 13/14), auto de avaliação indireta (fl. 269) e na prova oral.
A autoria, igualmente, é incontroversa.
Alessandro não prestou a sua versão sobre os acontecimentos, pois, devidamente citado (fl. 320), mudou-se de endereço sem comunicar o Juízo (fl. 350) e teve decretada a revelia (fl. 377).
Samuel infirmou a imputação. Na data dos fatos, vendia doces no semáforo quando foi convidado por E. N. para usar crack, o que foi aceito, porém a vítima e Alessandro subtraíram todo seu dinheiro angariado e não dividiram a porção do entorpecente. Na sequência, alcançou o ofendido e, mediante agressão, recuperou a quantia equivalente àquela que fora utilizada pra comprar a droga.
Reconheceu a fotografia de Alessandro em juízo, acrescentando que frequentavam o mesmo albergue. A vítima também conhecia o corréu desde a época em que moravam em Batatais. Já foi condenado por furto (disponível no e-SAJ).
A versão de Samuel não se sustenta.
Isto porque a vítima E. N. atualmente denominada D. N. relatou que na data dos fatos, foi abordada pelos réus em um ponto de ônibus, sendo que foi agredida por Samuel o qual, dentre outras lesões, quebrou seu nariz enquanto Alessandro subtraiu-lhe a bolsa contendo talão de cheque, celular, perfume e dinheiro. Os acusados eram namorados. Em juízo, reconheceu pessoalmente, sem sombra de dúvidas Samuel como um dos autores do delito, bem como identificou, a partir de uma fotografia, o comparsa Alessandro. Ambos os acusados residiam no albergue onde trabalhava e também morava. Nunca consumiu drogas com os acusados, tampouco teve algum tipo de contato íntimo (disponível no e-SAJ).
Não se deslembre que a palavra do ofendido no crime de roubo merece especial valor. Normalmente por desconhecer o autor do crime, a vítima busca com suas declarações colaborar para apuração da verdade, isenta de interesse escuso na punição gratuita e indevida de inocentes1.
Consigne-se, pois oportuno, que o C. STJ2 e o E. STF3 reafirmam que o procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal para reconhecimento de pessoas é mera recomendação, sendo que eventual inobservância dos requisitos é irrelevante quando o ato é confirmado em Juízo, como ocorre in casu4.
A testemunha Ana Lucia Dellapina afirmou que não se recorda do que aconteceu. Não era funcionária da" casa de passagem ", a qual estava sob a administração de uma OS (organização social). Trabalhou como coordenadora do" Centro POP "onde conheceu os réus e a vítima, pertencente à Secretaria Municipal de Cidadania e Assistência Social (disponível no e-SAJ).
Em reforço, a perícia constatou que E. N. sofreu lesões corporais de natureza leve causadas por agente contundente, quais sejam, edema em nariz, além de escoriações em cotovelos e joelhos (fls. 13/14).
Nem se alegue, ademais, que o édito condenatório se fundamentou exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação em afronta ao artigo 155 do CPP mormente porque estes foram devidamente corroborados pelas sólidas declarações da vítima, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
A causa especial de aumento de pena do concurso de agentes também restou comprovada, mormente pela prova oral.
Portanto, ao contrário do alegado, a prova colhida é suficiente e segura para demonstrar a responsabilidade penal dos apelantes pelo crime do artigo 157, § 2º, II, do Código Penal."
Extrai-se do excerto acima transcrito que a condenação dos recorrentes fundamentou-se tão somente na palavra da vítima.
Não se desconhece a jurisprudência desta Corte que confere especial relevo à palavra da vítima nos crimes patrimoniais, contudo, esta palavra deve ser corroborada por outros elementos probatórios produzidos nos autos, o que, no caso, não ocorreu.
Como cediço, "em crimes contra o patrimônio, em especial o roubo, cometidos na clandestinidade, a palavra da vítima tem especial importância e prepondera, especialmente quando descreve, com firmeza, a cena criminosa" (AgRg no AREsp 1577702/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 1º/9/2020).
Ocorre que, in casu, o suposto crime de roubo não ocorreu na clandestinidade, mas em ponto de ônibus, no período da manhã e, apesar disso, sequer na fase inquisitorial foram ouvidas testemunhas que pudessem corroborar o relato da vítima.
No caso, foram confirmadas no laudo pericial as lesões sofridas pela vítima, mas há duas versões fáticas sobre como estas teriam ocorrido, aquela narrada pelo ofendido e outra apresentada pelo acusado, sendo que nenhuma delas é corroborada por outros elementos de provas contidos nos autos.
Não se insinua que a vítima minta, mas, em um Estado Democrático de Direito, não é possível que condenações criminais, que implicam restrição a direitos fundamentais do indivíduo, sejam baseadas única e exclusivamente na palavra da vítima.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO REALIZADO APENAS EM ÂMBITO POLICIAL, NÃO CORROBORADO EM JUÍZO. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS IDÔNEAS. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que o referido artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos.
2. Em julgamento concluído no dia 23/2/2022, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n. 206.846/SP (Rel.
Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação. Reportando-se ao decidido no julgamento do referido HC n. 598.886/SC, no STJ, foram fixadas pelo STF três teses: 2.1) O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa; 2.2) A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo.
Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas; 2.3) A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos.
3. Posteriormente, em sessão ocorrida no dia 15/3/2022, a Sexta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 712.781/RJ (Rel. Ministro Rogerio Schietti), avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n. 598.886/SC e decidiu, à unanimidade, que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica; se, porém, realizado em desacordo com o rito previsto no art. 226 do CPP, o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar.
4. Mais recentemente, com o objetivo de minimizar erros judiciários decorrentes de reconhecimentos equivocados, a Resolução n. 484/2022 do CNJ incorporou os avanços científicos e jurisprudenciais sobre o tema e estabeleceu "diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário" (art. 1º).
5. Cuidam os autos de caso de roubo praticado por duas pessoas em uma motocicleta. Os pacientes foram apontados pela vítima como os autores do delito em reconhecimento fotográfico realizado em âmbito policial, 40 dias depois dos fatos. Naquela ocasião, foram apresentadas ao ofendido apenas as imagens dos acusados.
6. Assim, excluída a possibilidade de valoração de tal prova, impõe-se concluir que inexistem provas independentes e que justifiquem a manutenção da condenação.
7. Não obstante, o acórdão prolatado pela autoridade coatora fundamentou o desfecho condenatório com base no especial valor probatório da palavra da vítima - ainda que o grau de certeza por ela declarado deva ser examinado criticamente. Com isso, não se insinua que a vítima mente, senão que o compromisso do sistema de justiça com a redução do risco de condenações injustas também impõe precaução com os "erros honestos".
8. Daí a relevância de se produzir e valorar o reconhecimento de pessoas considerando os efeitos das variáveis que atuam contaminando a memória humana.
9. Não é possível, assim, ratificar a condenação do acusado, visto que apoiada em prova desconforme ao modelo legal e não corroborada por elementos autônomos e independentes, suficientes, por si sós, para lastrear a autoria delitiva.
10. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 865763 / SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/03/2024, DJe 20/03/2024) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO SIMPLES. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA.
ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO.
1. A atual jurisprudência dos Tribunais Superiores vem caminhando na direção de extirpar do sistema aquelas condenações baseadas unicamente em reconhecimentos dos acusados, muitas das vezes realizadas sem a mínima observância dos procedimentos legais exigidos.
2. "A desconformidade ao regime procedimental determinado no art. 226 do CPP deve acarretar a nulidade do ato e sua desconsideração para fins decisórios, justificando-se eventual condenação somente se houver elementos independentes para superar a presução de inocência." (STF, RHC 206846, relator Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 22/2/2022, DJe 25/5/2022). Na mesma linha:
HC 652.284/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/4/2021, DJe 3/5/2021.
3. In casu, embora o Tribunal a quo tenha salientado que o reconhecimento por fotografia efetuado na fase de investigação preliminar pode constituir meio idôneo de prova, desde que corroborado por outros elementos de convicção carreados durante a instrução procedimental, não foi observada a existência de outras provas para a condenação do paciente, que foi amparada exclusivamente no reconhecimento fotográfico viciado realizado em solo policial e confirmado em juízo em audiência realizada por videoconferência.
4. O fato de o acusado ostentar uma tatuagem no braço é fato comum, e foi atestado pela vítima, também, somente através de fotografia, razão pela qual não se presta como elemento seguro da autoria delitiva.
5. É nula a sentença condenatória baseada em um único elemento de prova, diante da total inexistência de outros elementos probatórios.
6. Agravo regimental provido. (AgRg no HC 775265 / RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, Relator para Acórdão Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/08/2023, DJe 08/09/2023)
Ante o exposto, na forma do art. 253, parágrafo único, I, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do agravo em recurso especial, contudo, concedo de ofício habeas corpus, com base no art. 647-A do CPP, para absolver os recorrentes, com fundamento no art. 386, VII, do CPP.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 26 de janeiro de 2025.
Ministra Daniela Teixeira Relatora
(STJ - AREsp: 2635006, Relator.: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Publicação: Data da Publicação DJEN 29/01/2025)
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