STJ Fev25 - Dosimetria Irregular - Crimes Sexuais - Reformation In Pejus - Tema 1214 do STJ :"o TJ Afastou a valoração negativa da circunstância judicial da personalidade, mas manteve a pena-base no mesmo patamar"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em favor de C.I. da R.N. contra decisão proferida pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (5003853-84.2011.8.21.0001), que desproveu recurso de apelação interposto pela defesa e manteve a condenação do paciente à pena de 24 (vinte e quatro) anos de reclusão, em regime inicial fechado, pelo crime previsto no art. 214 c/c art. 224, "a", art. 226, II, e art. 61, II, "h", da redação original do Código Penal.nos termos da seguinte ementa (fls. 909-924):
"APELAÇÃO CRIME. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. SENTENÇA CONDENATÓRIA. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. A prova dos autos é robusta para demonstrar a prática dos delitos, não havendo qualquer circunstância que permita levantar dúvida sobre as declarações das ofendidas, que foram consistente em todas as oportunidades em que ouvidas. DESCLASSIFICAÇÃO. Não é possível aplicar o artigo 215-A do Código Penal, porque se trata de tipo penal subsidiário. DOSIMETRIA. Neutralizada a avaliação negativa da personalidade, sem reflexo no apenamento final. PREQUESTIONAMENTO. Desnecessária a manifestação do julgador acerca de todos os dispositivos indicados pela parte, estando a questão suficientemente resolvida e fundamentada. APELO DESPROVIDO."
Em sua peça de ingresso sustenta a ocorrência de reforma prejudicial em julgamento de recurso exclusivo da defesa, argumentando que o Tribunal a quo, embora tenha afastado a valoração negativa da circunstância judicial da personalidade, manteve a pena-base no mesmo patamar estabelecido na origem, sob nova fundamentação.
Informações prestadas pelo tribunal de origem (fls. 962-982). Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal oficiou pela concessão da ordem em parecer com a seguinte ementa (fls. 986-990)
"Habeas Corpus impetrado como sucedâneo de recurso próprio. Estupro de vulnerável. – Dosimetria. Afastamento de circunstância judicial pelo Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, sendo mantida a penas-base sem apresentação de novos fundamentos. Reformatio in pejus. Entendimento do STJ. Constrangimento ilegal a ser sanado. – Promoção pelo não conhecimento do writ, mas com a concessão da ordem, nos termos deste parecer."
É o relatório. DECIDO. O presente writ foi impetrado contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em substituição a recurso próprio.
Diante dessa situação, não deve ser conhecido, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. WRIT NÃO CONHECIDO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. DELITOS DE ROUBO EM CONCURSO MATERIAL. CUMULAÇÃO DE CAUSAS DE AUMENTO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DESPROVIDO. 1. Conforme consignado na decisão agravada, o presente habeas corpus não merece ser conhecido, pois foi impetrado em substituição a recurso próprio. Contudo, a existência de flagrante ilegalidade justifica a concessão da ordem de ofício. 2. [...] 3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no HC n. 738.224/SP Quinta Turma, Min. Rel. Joel Ilan Paciornik, DJe de 12/12/2023.) “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. REDUTOR DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS ISOLADAMENTE. ELEMENTOS INSUFICIENTES PARA DENOTAR A HABITUALIDADE DELITIVA DA AGENTE. INCIDÊNCIA NA FRAÇÃO MÁXIMA (2/3). REGIME ABERTO. ADEQUADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. [...] 6. Agravo regimental não provido.” (AgRg no HC n. 857.913/SP, Quinta Turma, Min. Rel. Ribeiro Dantas, DJe de 1/12/2023.)
Tendo em vista, contudo, o disposto no artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, passo à análise de possível ilegalidade flagrante que autorize a concessão da ordem de ofício.
O ponto central da discussão envolve a ocorrência de reformatio in pejus no julgamento da apelação defensiva, uma vez que o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastou a valoração negativa da personalidade, mas manteve a pena-base sem redução proporcional.
No tocante à fixação da pena-base acima do mínimo legal, cumpre registrar que a dosimetria da pena está inserida no âmbito de discricionariedade do julgador e está atrelada às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas dos agentes, elementos que somente podem ser revistos por esta Corte em situações excepcionais, quando malferida alguma regra de direito.
Verifico que o acórdão impugnado expressamente registra que "a valoração negativa da personalidade deve ser neutralizada, uma vez que não foram produzidos elementos capazes de delimitá-la".
Contudo, a despeito do afastamento dessa circunstância judicial, consignou que "mesmo com o afastamento da negativação da personalidade, as penas-base vão mantidas em sete anos e seis meses de reclusão, tendo em vista que o acréscimo foi inferior ao parâmetro jurisprudencial de 1/6 para cada operacional negativa." (fls. 920)
Com efeito, o entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em recurso exclusivo da defesa, afastado o desvalor conferido a circunstâncias judiciais equivocadamente negativadas, a pena-base deverá ser reduzida proporcionalmente, em vez de se manter inalterada, sob pena de caracterizar reformatio in pejus.
Nesse sentido, dispõe o Tema 1214: "É obrigatória a redução proporcional da pena-base quando o tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, afastar circunstância judicial negativa reconhecida na sentença.
Todavia, não implicam 'reformatio in pejus' a mera correção da classificação de um fato já valorado negativamente pela sentença para enquadrá-lo como outra circunstância judicial, nem o simples reforço de fundamentação para manter a valoração negativa de circunstância já reputada desfavorável na sentença".
No caso, verifico que a pena do crime do art. 214 do CP (redação original) varia entre 6 e 10 anos de reclusão, sendo o intervalo entre as penas mínima e máxima de 4 anos. A sentença fixou a pena-base em 7 anos e 6 meses de reclusão, partindo do mínimo legal e aumentando 1 ano e 6 meses em razão de três circunstâncias judiciais negativas (personalidade, circunstâncias e consequências).
Da análise da dosimetria, constato que cada vetorial correspondeu a um aumento de 6 meses, equivalente a 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima. Esta fração está em consonância com a jurisprudência desta Corte, que admite o aumento entre 1/8 e 1/6 do intervalo para cada circunstância judicial desfavorável, desde que fundamentada sua escolha. Tendo a sentença atribuído valoração equilibrada e proporcional às circunstâncias judiciais (1/8 para cada uma), mostra-se manifestamente desproporcional a manutenção do mesmo quantum de aumento após o afastamento de uma delas.
A alegação do Tribunal de que "o acréscimo foi inferior ao parâmetro jurisprudencial de 1/6" configura nova fundamentação em prejuízo do réu, em evidente reformatio in pejus. Isto porque, se o magistrado sentenciante entendeu adequada a fração de 1/8 calculado sobre a diferença entre a pena máxima e a pena mínima para cada vetorial - dentro dos parâmetros admitidos pela jurisprudência - não pode o Tribunal, em recurso exclusivo da defesa, manter o mesmo aumento com base em fração diversa, sob pena de agravar qualitativamente a situação do réu.
Quanto ao tema, destaca-se que “[a] legislação brasileira não prevê um percentual fixo para o aumento da pena-base em razão do reconhecimento das circunstâncias judiciais desfavoráveis, tampouco em razão de circunstância agravante ou atenuante, cabendo ao julgador, dentro do seu livre convencimento motivado, sopesar as circunstâncias do caso concreto e quantificar a pena, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” (EDcl no HC n. 908.566/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 10/6/2024, DJe de 12/6/2024). No mesmo sentido: REsp n. 2.141.544/AL, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJe de 6/12/2024.
O afastamento de uma das circunstâncias judiciais negativas deve necessariamente repercutir no quantum final da pena-base, reduzindo-o na mesma proporção estabelecida na sentença (1/8 do intervalo = 6 meses). Manter o mesmo patamar significa, na prática, majorar a fração de aumento das circunstâncias remanescentes, o que é vedado em recurso exclusivo da defesa.
Assim, tendo sido afastada a valoração negativa da personalidade, mantendo-se apenas duas circunstâncias desfavoráveis (circunstâncias e consequências), deve-se partir da pena mínima de 6 anos, acrescendo-se 6 meses por cada vetorial remanescente (1/8 do intervalo para cada uma), totalizando 1 ano de aumento, o que resulta na pena-base de 7 anos de reclusão.
Mantidas as demais condições da dosimetria da pena original, na segunda fase, aplico a agravante prevista no art. 61, inciso II, alínea "h", do CP (crime cometido contra criança), com aumento a pena em 6 meses, resultando na pena de 7 anos e 6 meses de reclusão. Na terceira fase, aplico a causa de aumento da pena do art. 226, II, do CP, na fração de 1/2, tornando definitiva a pena de 11 anos e 3 meses para cada um dos crimes cometidos. Considerando a prática de dois crimes em concurso material, a pena definitiva consolidada alcança o patamar de 22 (vinte e dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, mantido o regime inicial fechado.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas CONCEDO A ORDEM DE OFÍCIO para redimensionar a pena do paciente, fixando-a definitivamente em 22 (vinte e dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, mantido o regime inicial fechado. Publique-se. Intimem-se.
Relator
MESSOD AZULAY NETO
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