STJ Abr25 - Busca Pessoal Nula - Absolvição na Lei de Drogas - Correr para o Interior da Residência Não é Justa Causa
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto por ANDERSONXXXXXXXXXcontra decisão que inadmitiu seu recurso especial. Consta dos autos que o agravante foi condenado pelo crime de tráfico privilegiado. No recurso especial, sustentou a defesa violação à legislação federal, em especial aponta a existência de ilegalidade da violação de domicílio.
Inadmitido o recurso especial, sobreveio o presente agravo. Com vista dos autos, opinou o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso (e-STJ fls. 859/880). Eis a ementa do parecer:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR MOTIVADA PELA FUGA DE SUSPEITO AO AVISTAR A GUARNIÇÃO EM LOCAL CONHECIDO PELA TRAFICÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA BUSCA DOMICILIAR. NULIDADE CONFIGURADA, NO CASO. PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO.
É o relatório. Decido.
O agravante rebateu a tempo e modo os fundamentos da decisão agravada, devendo, pois, ser conhecido o recurso. Passo, portanto, ao exame do recurso especial. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616, Relator Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral - DJE 9/5/1016 Public. 10/5/2016).
Confira-se, a propósito, a ementa do referido julgado:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito.
No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio.
Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1).
O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto.Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso (RE 603.616, Relator(a): Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito - DJe-093, divulg 9/5/2016, public 10/5/2016) - Negritei.
Nessa linha de raciocínio, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão.
É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. De fato, O ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial para busca e apreensão é legítimo se amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, especialmente nos crimes de natureza permanente, como são o tráfico de entorpecentes e a posse ilegal de arma de fogo (AgRg no HC n. 612.972/SP, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quinta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 28/6/2021).
Em acréscimo, o Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, no julgamento do REsp n. 1.574.681/RS, destacou que a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar (REsp n. 1.574.681/RS, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 20/4/2017, DJe de 30/5/2017). No caso, ressalta-se que não houve qualquer referência à prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, havendo, apenas, a descrição no fato de o agravante correr para o interior da residência ao avistar os policiais (e-STJ fl. 227).
Por outro lado, relevante pontuar que, ainda que as provas encontradas posteriormente configurem crime permanente, não podem ser usadas para justificar, a posteriori, a violação do domicílio, porquanto as razões que justifiquem o ingresso na residência devem existir no momento da ação ou previamente a ela.
A constatação posterior da situação de flagrância não é capaz de conferir licitude à invasão, de forma retroativa. De fato, A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia dos acusados, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e a própria ação penal relativa aos delitos descritos nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial (HC 665.668/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 21/9/2021).
Ademais, esta Corte Superior possui pacífico entendimento no sentido de que: A fuga do paciente ao avistar patrulhamento não autoriza presumir armazenamento de drogas na residência, nem o ingresso nela sem mandado pelos policiais. O objetivo de combate ao crime não justifica a violação "virtuosa" da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI - CF) (HC n. 697.262/SP, Relator Ministro OLINDO MENEZES (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe de 13/12/2021).
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. FUNDADAS RAZÕES. DENÚNCIAS ANÔNIMAS. PATRULHAMENTO. FUGA DO SUSPEITO. AUTORIZAÇÃO DA ENTRADA. LIVRE E SEM VÍCIO DE CONSENTIMENTO. NÃO COMPROVAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados." (RE n. 603.616, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral - DJe 9/5/2016). 2. "A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar." (REsp 1.574.681/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/4/2017, DJe de 30/5/2017). 3. Na hipótese, os policiais, diante de prévias denúncias de que, na residência do acusado, era praticado o tráfico de drogas, dirigiram-se ao local para realizarem monitoramento. Ao se aproximarem da habitação, os agentes visualizaram um indivíduo que, ao perceber a presença policial, imediatamente empreendeu fuga e ingressou justamente na moradia alvo das denúncias. Nesse contexto, os policiais ingressaram na casa em questão, onde apreenderam os itens descritos na denúncia. 4. Incompatibilidade do flagrante com a jurisprudência desta Corte, pois o simples fato de o tráfico de drogas configurar crime permanente não autoriza, por si só, o ingresso em domicílio sem o necessário mandado judicial. Exigese, para que se configure a legítima flagrância, a demonstração posterior da justa causa ou, em outros termos, de fundadas razões quanto à suspeita de ocorrência de crime no interior da residência. 5. "A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida" (HC 512.418/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 26/11/2019, DJe de 3/12/2019). 6. "A fuga do paciente ao avistar patrulhamento não autoriza presumir armazenamento de drogas na residência, nem o ingresso nela sem mandado pelos policiais. O objetivo de combate ao crime não justifica a violação "virtuosa" da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI - CF)." (HC 660.118/SP, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), Sexta Turma, julgado em 25/5/2021, DJe 31/5/2021). 7. E ainda, ausente a comprovação de que houve autorização para a entrada e que esta foi livre e sem vício de consentimento, deve ser reconhecida a ilegalidade da busca domiciliar e consequentemente de toda a prova dela decorrente '(fruits of the poisonous tree)'. 8. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 149.964/SC, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021). HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGALIDADE. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES PRÉVIAS E DE FUNDADAS RAZÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se em situação de flagrante delito. 2. A informação por usuários de que o paciente seria traficante e sua fuga para dentro do imóvel, ao avistar patrulhamento, dispensando uma pedra de crack, não autorizam presumir armazenamento de drogas na residência nem o ingresso nela sem mandado pelos policiais. 3. Habeas corpus concedido para reconhecer a ilicitude da apreensão da droga, pela violação de domicílio, e, consequentemente, absolver o paciente MIKE FELIPE GOULART. (HC n. 609.955/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 8/2/2021).
Assim, demonstrada a ilegalidade na realização da busca e apreensão por policiais militares no interior da residência, sem mandado judicial nem indício concreto de que ali estivesse sendo cometido crime permanente, contaminadas as provas dela decorrentes.
Ante o exposto, acolhendo o parecer ministerial, conheço do agravo e dou provimento ao recurso especial para, reconhecida a ilicitude do ingresso dos policiais no imóvel, anular a condenação imposta ao recorrente, nos autos da Ação Penal 0230106-23.2015.8.13.0672 (2ª Vara Criminal da Comarca de Sete Lagos/MG), absolvendo-o da imputação de tráfico de drogas, por ausência de prova da materialidade do delito (art. 386, II, do CPP). Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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