STJ Mar25 - Desclassificação de Tipo Penal por Excesso de Acusação Obriga a Suspensão do Processo para Fins de Benefícios do Art. 89 da Lei 9.099 - Súmula n. 337 do STJ
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
ANTÔNIO XXXXX alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará na Apelação Criminal n. 172776-68.2017.8.06.0001.
Consta dos autos que o paciente foi condenado a 3 meses de detenção pela prática do crime previsto no art. 66 da Lei n. 8.078/1990. A defesa aduz que o Tribunal local, ao reformar parcialmente a sentença, deveria haver suspendido o julgamento e encaminhado os autos ao Ministério Público para o oferecimento dos benefícios descritos na Lei n. 9.099/1995.
No entanto, a Corte Estadual decidiu examinar a prova dos autos e manter a condenação em relação ao tipo penal citado antes de concluir pela abertura de vista ao órgão ministerial, em ofensa ao enunciado da Súmula n. 337 do STJ.
Requer, assim, a concessão da ordem para cassar o ato apontado como coator na parte em que manteve a condenação do acusado pela prática do crime previsto no art. 66 da Lei n. 8.078/1990. O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento da impetração (fls. 1.287-1.294).
Decido.
A sentença proferida pelo Juízo singular condenou o paciente a 1 ano de reclusão pela prática do crime previsto no art. 65 da Lei n. 4.591/1964 e 3 meses de detenção como incurso nas sanções descritas no art. 66 da Lei n. 8.078/1990, além de multa (fls. 903-915).
O Tribunal de origem deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela defesa para absolver o réu da imputação relativa ao art. 65 da Lei n. 4.591/1964 e manter a condenação pela prática do delito contido no art. 66 do Código de Defesa do Consumidor com o emprego da seguinte solução (fls. 18-19, grifei):
Assim, hei por bem reformar a sentença recorrida para afastar a condenação pelo crime tipificado no art. 65 da Lei nº 4.591/1964 para condenar o apelante exclusivamente pela prática da infração penal prevista no art. 66 do Código do Consumidor. Oportuno registrar que, em se tratando a conduta prevista no art. 66 do Código do Consumidor de delito de menor potencial ofensivo, em conformidade com o disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/1995, deverão retornar os autos ao Juízo de origem a fim de intimar o representante do Ministério Público para que verifique a possibilidade de oferecimento dos benefícios previstos nesta norma. Nesse sentido, oportuno colacionar os seguintes arestos ilustrativos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "Conforme a dicção da Súmula 337/STJ, 'é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime e na procedência parcial da pretensão punitiva'. Diante disso, deve ser aberto prazo para o Ministério Público, a fim de que verifique a possibilidade de oferecimento dos benefícios previstos na Lei n. 9.099/1995, não cabendo ao julgador tal análise, uma vez que trata de prerrogativa do órgão ministerial. Possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício." (AgRg no REsp 1877863/SC, Rel. Min. FELIX FISCHER, D Je 09/09/2020) "Havendo desclassificação do delito ou procedência parcial da pretensão punitiva - como verificado na espécie, já que foi desclassificada a conduta do delito de tráfico para a prevista no art. 28 da Lei n.º 11.343/2006 -, é cabível a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n.º 9.099/1995. É o que ficou sedimentado na Súmula n.º 337 desta Corte." (AgRg no R Esp 1825750/MG, Rel. Min. LAURITA VAZ, D Je 17/12/2019). Isso posto, conheço do apelo para lhe dar parcial provimento e reformar a sentença vergastada para afastar a condenação do réu pelo crime do art. 65 da Lei nº 4.591/1964 e condenar o apelante exclusivamente pelo delito previsto no art. 66 da Lei nº 8.078/1990, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem a fim de intimar o representante do Ministério Público para que verifique a possibilidade de oferecimento dos benefícios previstos na Lei nº 9.099/1995.
Há evidente contradição no pronunciamento judicial que reconhece a procedência da pretensão acusatória e, simultaneamente, confere ao Ministério Público a possibilidade de oferecer as medidas despenalizadoras da Lei n. 9.099/1995, cuja finalidade é justamente evitar a instauração da ação penal ou a imposição de penas (art. 89 da Lei n. 9.099/1995).
Mesmo que não seja direito subjetivo do réu obter a suspensão condicional do processo, é necessário que ao menos lhe seja assegurada a possibilidade de que o titular da ação penal exerça o seu poder-dever de analisar a aplicação do instituto de forma fundamentada antes da manifestação do Poder Judiciário sobre a denúncia.
No caso dos autos, o Ministério Público nada indicou a respeito da possibilidade de concessão de suspensão condicional do processo ao oferecer a peça acusatória, certamente em decorrência do somatório das penas previstas às infrações penais descritas, em atenção ao disposto no enunciado da Súmula n. 243 deste Superior Tribunal.
Entretanto, com o afastamento de parte dessas imputações, o requisito objetivo constante no art. 89 da Lei n. 9.099/1995 restou preenchido, de modo que deveria haver sido expressa e fundamentadamente avaliado se o referido benefício era cabível.
Com efeito, ao identificar o cabimento, em tese, dos benefícios da Lei n. 9.099/1995, o Tribunal local deveria ter anulado a condenação imposta em primeiro grau para, então, instar a manifestação do órgão do Ministério Público acerca do cabimento de eventual transação penal ou suspensão condicional do processo (STF, RHC n. 81.925/SP, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 21/2/2003).
Assim agindo, o enunciado da Súmula n. 337 desta Corte estaria devidamente observado, conforme decidiu a Sexta Turma deste Superior Tribunal no julgado a seguir:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA. DESCLASSIFICAÇÃO DA IMPUTAÇÃO. FORMA SIMPLES DO DELITO. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES. SÚMULA N. 337/STJ. SENTENÇA E ACÓRDÃOS CONDENATÓRIOS. ANULAÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. CONSUMAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM A ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES. 1. Havendo desclassificação do delito ou procedência parcial da pretensão punitiva, é cabível a aplicação dos institutos despenalizadores da Lei n. 9.099/1995. Incidência da orientação jurisprudencial sedimentada na Súmula n. 337 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Se a nova capitulação jurídica do fato criminoso permite a celebração de transação penal ou até mesmo o sursis processual, não se pode retirar do Réu a possibilidade de fruir tais benefícios que não lhes foram ofertados no início da ação penal, em razão do equívoco na qualificação jurídica dada ao fato criminoso. 3. Ante a desclassificação e sendo possível, ao menos em tese, a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei dos Juizados Especiais, os éditos condenatórios de primeiro e segundo graus não podem subsistir, isto é, devem ser anulados, porque somente assim se garante, ao Réu, idêntico tratamento que seria conferido àquele que praticasse conduta semelhante cuja capitulação jurídica fosse realizada corretamente desde o princípio da persecução penal. 4. Desconstituída a condenação - e os marcos interruptivos da prescrição dela decorrentes - está extinta a punibilidade do Embargante pela prescrição da pretensão punitiva. 5. A pena máxima cominada ao crime de lesão corporal simples é de 1 (um) ano de detenção, que prescreve em 4 (quatro) anos (art. 109, inciso V, do Código Penal), lapso transcorrido desde o recebimento da denúncia, em 05/02/2016. No mesmo prazo prescreve a pena de multa (art. 114, inciso II, do mesmo Estatuto). 6. Embargos de declaração acolhidos com atribuição de efeitos infringentes, para anular os éditos condenatórios de primeiro e segundo grau de jurisdição e, de ofício, declarar extinta a punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 107, inciso IV, do Código Penal. (EDcl no HC n. 689.921/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 18/4/2023, DJe de 26/4/2023, destaquei).
Entretanto, a decisão de manter o édito condenatório, além de inverter a lógica processual, retira do réu o direito de obter a solução extrapenal do fato que lhe é imputado, mediante composição dos danos civis ou a sua submissão a período de prova com o cumprimento das condições previstas no art. 89, § 1º da Lei n. 9.099/1995.
A preservação de uma condenação indevida, porque prematura, caracteriza constrangimento ilegal apto a ser sanado em habeas corpus. Portanto, a ilegalidade ora reconhecida é suficiente para suplantar o óbice que inviabilizaria o conhecimento desta ação constitucional e possibilitar a concessão da ordem para assegurar que, antes de eventual pronunciamento judicial sobre a procedência da pretensão acusatória, seja avaliada pelo Ministério Público a possibilidade de oferecimento para o paciente dos institutos despenalizadores.
À vista do exposto, concedo a ordem de habeas corpus para declarar insubsistente a condenação imposta pela sentença e mantida em grau de apelação nos autos n. 172776-68.2017.8.06.0001 e, com base na desclassificação operada pelo Tribunal local, determinar que seja ouvido o Ministério Público sobre a possibilidade de oferecimento de proposta de suspensão do processo, nos moldes do art. 89 da Lei n. 9.099/1995. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias, para as providências cabíveis. Publique-se e intimem-se.
Relator
ROGERIO SCHIETTI CRUZ
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