STJ Mar25 - Dosimetria Irregular - Corrupção e Lavagem - Pena Reduzida de 9 anos para 5 anos (i)circunstâncias do crime apenas repete os elementos já indicados na culpabilidade - Bis In Idem; (ii) Consequências do crime genérica - informa que a conduta é grave, desabona a imagem do poder público, conduta antiética

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de VANXXXXXXXXXX, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, no julgamento da Apelação Criminal n. 0005157-72.2017.822.0000, referente ao Processo na Origem n. 0003398-65.2016.8.22.0014.

Consta dos autos que o paciente foi condenado, em primeiro grau de jurisdição, às penas de 9 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão, em regime prisional inicialmente fechado, e 32 dias-multa, pela prática dos delitivos tipificados no art. 317, caput, c/c o art. 327, ambos do Código Penal, e no art. 1º, caput, da Lei n. 9.613/1998, nos moldes dos arts. 29 e 69, do CP (e-STJ fls. 22/61).

Irresignada, a defesa apelou e o Tribunal local proveu parcialmente o recurso para redimensionar as sanções aplicadas ao apelante a 8 anos e 4 meses de reclusão, e 32 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação (e-STJ fls. 62/90).

No presente writ (e-STJ fls. 3/21), a impetrante sustenta que o acórdão impugnado impôs constrangimento ilegal ao paciente, pela exasperação da pena-base por fundamentação que aponta ser inidônea, pois baseada em elementares do tipo penal, a configurar indevido bis in idem.

Aduz que os argumentos utilizados pelas instâncias de origem não são aptos a demonstrar especial desvalor quanto à culpabilidade do paciente, às circunstâncias e às consequências do delito, devendo a pena ser reduzida. Insurge-se, ainda, contra a fração de aumento da pena-base, asseverando tratar-se de aumento desproporcional e exacerbado.

Diante disso, requer, liminarmente e no mérito, a concessão da ordem para que seja reduzida a pena. O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 93/94). O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem, por parecer assim ementado (e-STJ fl. 99):

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. UTILIZAÇÃO DO WRIT COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.

Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.

Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.

Busca-se, no caso, a concessão da ordem para que seja reduzida a pena, ante a apontada ausência de fundamentação idônea a justificar o aumento da pena-base.

Quanto ao pleito de revisão da dosimetria da pena, deve-se ressaltar que cabe às Cortes Superiores apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios aplicados pelas instâncias ordinárias, visando evitar eventuais arbitrariedades, por inobservância dos parâmetros legais ou do entendimento jurisprudencial firmado.

Diante disso, salvo excepcional flagrante ilegalidade, o reexame da presença de circunstâncias judiciais e da existência dos elementos concretos utilizados para a individualização da pena evidenciam-se inadequados à estreita via do habeas corpus, pois exigiriam revolvimento de matéria fático-probatória.

Para melhor delimitar a discussão posta nos autos, destaco os fundamentos apresentados na sentença (e-STJ fls. 49/50):

Passo a analisar as circunstâncias judiciais, com base no artigo 59 do Código Penal, examinando as condutas dos crimes conjuntamente: a culpabilidade dos delitos é exacerbada ou censurável, pelo grau de consciência da ilicitude em razão do cargo ocupado na época do crime (vereador), ciente dos deveres e proibições do cargo que ocupava, tendo pleno domínio sobre as implicações decorrentes do crime, assim como por sua condição social. O réu é tecnicamente primário, sendo que poucos elementos foram coletados acerca da sua conduta social e personalidade, razão pela qual deixo de valorá-las. O motivo que o levou à conduta criminosa foi o desejo de auferir vantagem econômica, o qual já é punido pela própria tipicidade dos delitos. As circunstâncias em que ocorreu o crime de corrupção demonstram uma maior ousadia do réu em sua execução, uma vez que praticou o delito utilizando o cargo para obter vantagens indevidas, em total desacato às instituições públicas e à envergadura do cargo ocupado. Vale ressaltar que o homem não vive mais no "Estado de natureza", como John Locke, filósofo britânico que viveu no século XVII, dizia. Locke afirmava que, antes de a sociedade ser criada, vivia-se no que ele chama de "Estado de natureza", ou seja, uma terra sem leis nem direitos. Assim, sob a égide do Estado Democrático de Direito, não mais vivemos no "Estado de natureza", sendo certo que as instituições e as leis devem ser respeitadas, de modo que ninguém se sobreponha a estas. Quanto ao crime de lavagem de dinheiro, os motivos são inerentes ao tipo. As consequências dos crimes são graves, visto que delitos desta ordem são de elevada gravidade e de incalculável extensão. Além de ofenderem diretamente os interesses da Administração Pública, reflexamente prejudicam inúmeras pessoas, especialmente aquelas economicamente menos favorecidas, que, por esse motivo, são mais dependentes do Poder Público. Ademais, tais crimes ofendem a face moral do Estado, representada pela lealdade e probidade dos agentes públicos. É consabido que a corrupção remonta aos tempos bíblicos; no entanto, suas raízes precisam ser extirpadas, e o Brasil necessita de uma reforma política imediata que busque o mínimo de moralização da política, assim como tem sido buscado atualmente na França. Dessa forma, essas condutas antiéticas devem ser coibidas e exemplarmente punidas. A propósito, nas palavras do ex-Ministro Ayres Brito, "é dessa confiança coletiva no controle estatal que me parece vir a paz pública". Prejudicada a análise acerca do comportamento da vítima, haja vista a natureza do crime. À vista dessas circunstâncias analisadas individualmente e pela preponderância de circunstâncias desfavoráveis, para o crime de corrupção passiva, previsto no art. 317 do Código Penal, fixo para o réu a pena-base acima do mínimo legal em 3 (três) anos, 4 (quatro) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa. Para o crime de lavagem de dinheiro, previsto no art. 1º da Lei n. 9.613/1998, em razão da preponderância de circunstâncias desfavoráveis, fixo a pena de 5 (cinco) anos de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa. Não há agravantes ou atenuantes a serem consideradas. Na terceira fase, presente a causa de aumento prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal, considerando que, ao tempo do crime, o acusado era detentor de mandato eletivo. Nesse sentido: "A causa de aumento prevista no § 2º do art. 327 do Código Penal é aplicada aos agentes detentores de mandato eletivo (agentes políticos)" (STF, 2ª Turma, RHC n. 110513/RJ, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 28/05/2012), razão pela qual majoro a pena do crime de corrupção passiva em 1/3, elevando-a para 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão. Nesta fase, a pena para o crime de lavagem de dinheiro permanece inalterada, ou seja, 5 (cinco) anos de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa. Por fim, aplicando o concurso material de crimes, previsto no art. 69 do Código Penal, efetuo a soma das penas dos crimes para obter 9 (nove) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 32 (trinta e dois) dias-multa, conforme o valor do salário-mínimo vigente à época da prática do crime, penas essas que torno definitivas diante da ausência de outras causas modificadoras.

O Tribunal a quo, por sua vez, afastou a causa de aumento de pena prevista no art. 327, §2º, do Código Penal, mantendo a exasperação das penas-base, nos seguintes termos (e-STJ fls. 84/85):

DAS PENAS Os apelantes Vanderlei Amauri Graebin, Carmozino Alves Moreira, Antonio Marcos de Albuquerque e Eliar Celso Negri questionam a dosimetria da pena, pugnando pela sua redução. Em que pese a fixação da pena-base de todos os recorrentes ter sido fixada acima do mínimo legal, todas foram muito bem fundamentadas e justificadas com base nas circunstâncias judiciais negativas, conforme se observa das fls. 1180-1191 da sentença. [...] DO REDIMENSIONAMENTO DAS PENAS VANDERLEI AMAURI GRAEBIN Atento à análise das circunstâncias judiciais realizadas na sentença, mantenho a pena-base para o crime de corrupção passiva (art. 317, CP) acima do mínimo legal, fixada em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa. Para o crime de lavagem de capitais previsto no art. 1º da Lei 9.613/98, mantenho a fixação da pena em 5 (cinco) anos de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa, conforme fundamentado na sentença. Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes e nem causas de aumento e diminuição de pena. Tendo em vista o concurso material previsto no art. 69 do Código Penal, efetuo a soma das penas, tornando-a definitiva em 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 32 (trinta e dois) dias-multa.

Verifica-se, dos trechos transcritos, que foram valorados negativamente a culpabilidade, as circunstâncias e as consequências dos crimes imputados ao paciente.

Quanto ao primeiro tema, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de o fato de o delito [...] ter sido praticado por um agente político (vereador), no exercício da legislatura, a quem o eleitor depositou confiança, esperando, assim, a lisura de sua atuação, demonstra especial reprovabilidade da conduta, a justificar o incremento da pena pela acentuada culpabilidade" (AgRg no REsp n. 1.193.819/GO, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 4/8/2015, DJe 20/8/2015)

Ainda nesse sentido, destaco os seguintes precedentes:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. OFENSA AO ART. 619 DO CPP. OMISSÃO NÃO INDICADA. SÚMULA 284/STF. 2. UTILIZAÇÃO DE PROVAS EXTRAJUDICIAIS. NÃO REALIZAÇÃO DA DETRAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. TEMA TRAZIDO NA PETIÇÃO RECURSAL DEFENSIVA. IRRELEVÂNCIA. MATÉRIAS DE ORDEM PÚBLICA. IMPRESCINDIBILIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. 3. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. AUTORIA EMBASADA APENAS EM COLABORAÇÃO. NÃO VERIFICAÇÃO. 4. OFENSA AO ART. 317 DO CP. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ELEMENTARES COMPROVADAS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. 5. TIPO PENAL EQUIVOCADO. PRESENÇA DAS ELEMENTARES DO CRIME DE CONCUSSÃO. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL. 6. AFRONTA AO ART. 1º DA LEI 9.613/1998. ALEGADA ATIPICIDADE. MERO EXAURIMENTO. NÃO VERIFICAÇÃO. BENS E VALORES RECEBIDOS EM NOME DE TERCEIROS. 7. VIOLAÇÃO DO ART. 59 DO CP. CULPABILIDADE QUE DESBORDA DO TIPO PENAL. MANUTENÇÃO DA PENA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. 8. ALTERAÇÃO DO REGIME. IMPOSSIBILIDADE. ART. 33, § 3º, DO CP. 9. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO EM PARTE E IMPROVIDO. 1. A defesa apontou, em um primeiro momento, ofensa o art. 619 do Código de Processo Penal, porém não indicou em que consistiria eventual omissão existente e não sanada pela Corte local, o que revela a deficiência da fundamentação recursal, atraindo a aplicação do enunciado n. 284 da súmula do Supremo Tribunal Federal. - O trecho trazido pelo agravante para registrar que houve efetiva indicação de omissão, registra apenas que a defesa não teve "a devida prestação jurisdicional", alegação que, por seu teor genérico e sua localização fora do tópico que trata da alegação de ofensa ao art. 619 do Código de Processo Penal, não tem o condão de afasta a incidência do óbice sumular. 2. Quanto à alegação de que foram utilizadas provas extrajudiciais e de que não foi observada a disciplina da detração, verifico que as matérias não foram previamente analisadas pelas instâncias ordinárias. - O fato de a detração ter sido objeto dos embargos de declaração do agravante não supre a necessidade de prequestionamento, haja vista a imprescindibilidade de efetiva manifestação da Corte local sobre a matéria. De igual sorte, é assente nesta Corte Superior que mesmo as matérias consideradas de ordem pública exigem o prequestionamento como requisito necessário para o conhecimento do recurso especial. 3. No que concerne à alegada insuficiência probatória para a condenação, reitero que é assente que "cabe ao aplicador da lei, na instância ordinária, analisar a existência de provas suficientes para embasar o decreto condenatório, ou a ensejar a absolvição, sendo inviável, em sede de recurso especial, rediscutir a suficiência probatória para a condenação (Súmula 7/STJ)" (AgRg no REsp 1.716.998/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 16/5/2018). - Consta do acórdão recorrido que, após a oitiva do delator, foram ouvidas 19 testemunhas, cumpridos mandados de prisão e de busca e apreensão, além da própria oitiva do recorrente, havendo, portanto, elementos suficientes para embasar o oferecimento da denúncia e a própria confirmação da autoria, ao final da instrução processual. Dessa forma, não há se falar que o fundamento utilizado na origem foi apenas a declaração do colaborador. 4. A Corte local assentou que "é irrefutável a ilicitude perpetrada pelos apelantes no recebimento indevido dos lotes de terras para a aprovação do loteamento pelos vereadores e a tentativa frustrada de aparência de legalidades nos atos praticados". Nesse contexto, "a inversão do acórdão, acolhendo-se a tese de atipicidade da conduta, demandaria amplo revolvimento probatório, o que não se admite na via do recurso especial, em razão da Súmula 7/STJ". (AgRg no AREsp n. 1.717.936/PR, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 15/9/2020, DJe de 23/9/2020.) 5. No que diz respeito à alegação inédita trazida pela defesa, no sentido de que os fatos melhor se amoldam ao crime de concussão, registro não ser possível indevida inovação recursal em agravo regimental, haja vista não apenas a preclusão consumativa, mas igualmente a manifesta ausência de prequestionamento da matéria, motivo pelo qual não é possível conhecer da alegação. 6. No que concerne à alegada atipicidade do crime de lavagem de dinheiro, a Corte local considerou que a conduta estava devidamente comprovada, por meio da colocação dos terrenos recebidos em nome de terceiros e da troca dos cheques recebidos também com terceiros, para que não fossem depositados nas próprias contas, buscando, assim, ocultar a origem das vantagens recebidas. - "Embora apenas gastar o dinheiro do crime antecedente não constitua o crime de lavagem de capitais, a alocação desse valor em nome de terceiros (esposas) pode isso configurar e mais ainda o uso de empresas "fantasmas" para o escondimento do patrimônio, valendo a prova dos autos para a definição oportuna (na sentença) da caracterização de atos de escondimento e para a determinação do dolo de lavagem". (AgRg no HC n. 558.376/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 9/6/2020, DJe de 16/6/2020.) - Relevante anotar que a presente hipótese não guarda similitude com o precedente indicado pelo agravante, uma vez, no caso dos autos, o recorrente efetivamente recebeu os bens imóveis e os cheques, tendo ocultado a origem ilícita de ambos por meio da colocação dos imóveis em nome de terceiros e pela troca dos cheques sem passar pelo sistema bancário. 7. No que diz respeito à culpabilidade, esta, de fato, desborda do tipo penal, porquanto a prática do crime de corrupção passiva por vereadores eleitos, que recebem valores para votar projetos sem a necessária atenção ao interesse público, se mostra realmente mais reprovável. - "(...) restando patente a maior reprovabilidade da conduta, tendo em vista o relevante cargo exercido dentro da estrutura da Administração Pública, circunstância que lhe impunha o mais acentuado dever de probidade, decoro e lisura" (HC n. 478.982/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 15/9/2020, DJe 21/9/2020.)" (AgRg no REsp n. 1.524.361/RR, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 26/10/2021, DJe de 28/10/2021.) 8. Mantida a valoração negativa da culpabilidade, não há como se abrandar o regime de cumprimento da pena. De fato, "embora a sanção final aplicada ao réu não ultrapasse 8 anos de reclusão, a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis justifica a fixação do regime fechado para o início do cumprimento da sanção, tendo em vista o disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal". (AgRg no AREsp n. 1.787.454/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 17/2/2023.) 9. Agravo regimental conhecido em parte e improvido. (AgRg no AREsp n. 2.336.974/RO, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 28/8/2023.) AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. PENA-BASE. PRESERVADA A VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. ELEVADO CARGO EXERCIDO PELO AGRAVANTE DENTRO DA ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VEREADOR. MAIOR REPROVABILIDADE DAS CONDUTAS. FUNDAMENTO CONCRETO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. NÃO OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA ISONOMIA. MESMO ENTENDIMENTO DA DECISÃO AGRAVADA APLICADO A TODOS OS RECORRIDOS. ALEGAÇÃO DE CARÊNCIA DE PROPORCIONALIDADE E DE RAZOABILIDADE NA ESCOLHA DA FRAÇÃO DE AUMENTO. PROVIMENTO. INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS QUE NÃO JUSTIFICARAM A RAZÃO DO PATAMAR ACIMA DE 1/6. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. Não há falar em ilegalidade na valoração negativa da culpabilidade. Consta dos autos: culpabilidade acentuada, pois o juízo de reprovação que recai sobre sua conduta é particularmente intenso, na medida em que se tratava de Vereador que tinha como obrigação tutelar pelo interesse da sociedade. (fl. 12.085). 2. A condição de vereador, pessoa eleita pela população para cuidar do interesse público, confere maior reprovabilidade à conduta perpetrada, demonstrando, assim, a idoneidade da negativação do referido vetor judicial. 3. [...] No que diz respeito à culpabilidade, esta, de fato, desborda do tipo penal, porquanto a prática do crime de corrupção passiva por vereadores eleitos, que recebem valores para votar projetos sem a necessária atenção ao interesse público, se mostra realmente mais reprovável. (AgRg no AREsp n. 2.336.974/RO, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 28/8/2023) [...] Na esteira do entendimento firmado por esta Corte, "o fato de o delito [...] ter sido praticado por um agente político (vereador), no exercício da legislatura, a quem o eleitor depositou confiança, esperando, assim, a lisura de sua atuação, demonstra especial reprovabilidade da conduta, a justificar o incremento da pena pela acentuada culpabilidade" (AgRg no REsp n. 1.193.819/GO, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 4/8/2015, DJe 20/8/2015) -(AgRg no REsp n. 2.004.658/RS, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 23/3/2023). 4. Não prospera a tese de violação do princípio da isonomia, haja vista a decisão agravada ter apresentado o seguinte fundamento a todos os recorridos: [...] Acerca da culpabilidade, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite que o cargo ocupado pelo réu é parâmetro idôneo para se aferir o referido vetor judicial [...] restando patente a maior reprovabilidade da conduta, tendo em vista o relevante cargo exercido dentro da estrutura da Administração Pública, circunstância que lhe impunha o mais acentuado dever de probidade, decoro e lisura" (HC n. 478.982/SC, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 15/9/2020, DJe 21/9/2020) - (AgRg no REsp n. 1.524.361/RR, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 28/10/2021). 5. Quanto ao argumento de desproporcionalidade na exasperação dada à pena-base, razão assiste à defesa. As instâncias ordinárias assim dispuseram na dosimetria da pena-base, na sentença considerando 4 vetores negativos; no acórdão, 1 vetor negativo: [...] G.1) Da corrupção passiva: considerando as circunstâncias judiciais relativamente desfavoráveis, fixo a pena-base acima do mínimo legal, mais precisamente em 6 (seis) anos de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. [...] Já em relação a S e H, restando em seu desfavor os maus antecedentes criminais, fixo a pena-base em 3 anos de reclusão e 45 dias-multa (fls. 12.086 e 12.907). 6. Não houve a apresentação de fundamento para justificar o acréscimo no patamar de 1/2 para cada circunstância judicial considerada desfavorável, o que vai de encontro à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 7. [...] considerando a ausência de previsão legal, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que ficam observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade com a exasperação da pena-base na fração de 1/6 da pena mínima cominada para o delito, ou 1/8 do intervalo entre as penas mínima e máxima previstas para o tipo penal, para cada circunstância judicial desfavorável, salvo diante de fundamentação concreta que justifique incremento diferenciado (AgRg no AREsp n. 2.552.344/SP, Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 9/8/2024). 8. Agravo regimental provido parcialmente para redimensionar a pena privativa de liberdade do agravante, reconhecida a extinção da sua punibilidade. (AgRg no REsp n. 2.145.603/MS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 23/10/2024, DJe de 25/10/2024.)

Assim, pela leitura atenta dos excertos acima transcritos, verifica-se que a culpabilidade, de fato, desborda do tipo penal, uma vez que a prática do crime de corrupção passiva por vereador eleito, o qual recebeu vantagem para aprovar projetos sem a necessária atenção ao interesse público, se mostra realmente mais reprovável.

No entanto, a fundamentação apresentada para valorar negativamente as circunstâncias do crime apenas repete os elementos já indicados na culpabilidade.

Ademais, no que se refere às consequências do crime, não foi apresentada fundamentação concreta, baseada em elementos fáticos imputados ao paciente, os quais indiquem que sua conduta desbordou da prática criminosa usual, já tipificada no referido dispositivo.

Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a exasperação da pena-base deve estar fundamentada em elementos concretos, precisos e individualizados, os quais desbordem das elementares do tipo. Acerca do tema, destaco os seguintes precedentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FALSIDADE MATERIAL DE ATESTADO OU CERTIDÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. ANÁLISE DESFAVORÁVEL DOS MOTIVOS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. AFASTAMENTO DA VALORAÇÃO NEGATIVA DAS VETORIAIS E REDUÇÃO DA PENA CONCEDIDOS. PLEITO MINISTERIAL DE RESTABELECIMENTO DA EXASPERAÇÃO. 1. "A jurisprudência pátria, em obediência aos ditames do art. 59 do Código Penal e do art. 93, IX, da Constituição Federal, é firme no sentido de que a fixação da pena-base deve ser fundamentada de forma concreta, idônea e individualizada, não sendo suficiente referências a conceitos vagos e genéricos, máxime quando ínsitos ao próprio tipo penal". (AgRg no HC n. 548.907/SP, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 5/3/2020, DJe 10/3/2020.) 2. As instâncias ordinárias exasperaram a pena-base porque a ré tinha a intenção de obter votos para se eleger vereadora e porque a fé pública foi atacada diante do prejuízo aos cofres públicos. Referido entendimento está em dissonância com a jurisprudência desta Corte Superior, haja vista que o proveito próprio é inerente ao crime de falso e o abalo à fé pública é consequência direta do delito. 3. A pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação (AgRg no AREsp n. 1661671/PB, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/5/2020, DJe 27/5/2020). 4. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 767.247/PE, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Sexta Turma, julgado em 16/10/2023, DJe de 19/10/2023.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF. ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO E TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. VALORAÇÃO NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA REDUZIR A PENA. AGRAVO REGIMENTAL DO MPF DESPROVIDO. 1. O refazimento da dosimetria da pena em habeas corpus tem caráter excepcional, somente sendo admitido quando se verificar de plano e sem a necessidade de incursão probatória, a existência de manifesta ilegalidade ou abuso de poder. 2. A valoração negativa de consequências do delito de tráfico de drogas não se deu com fundamentação idônea, pois o aspecto ressaltado na origem, ou seja, a disseminação de entorpecentes em comunidade de baixa renda, como infelizmente ocorre como regra geral em nossa sociedade, é consequência que não extrapola o tipo penal em comento, na medida em que foram mencionados fundamentos genéricos, não constituindo justificativa idônea para elevação da pena-base. 3. Era de rigor o redimensionamento da pena da agravada, que restou fixada em 12 anos e 10 meses de reclusão, e pagamento de 1.747 dias-multa, para os crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) e associação ao narcotráfico (art. 35, caput, da Lei 11.343/2006), não havendo motivos para a reforma da decisão impugnada. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 873.691/AL, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/11/2024, DJe de 25/11/2024.)

Nesse contexto, deve ser mantida apenas a valoração negativa da culpabilidade, de forma que as penas-bases devem ser redimensionadas. Com efeito, a ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade, devendo o julgador pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça. Assim, "não há falar em um critério matemático impositivo estabelecido pela jurisprudência desta Corte, mas, sim, em um controle de legalidade do critério eleito pela instância ordinária, de modo a averiguar se a pena-base foi estabelecida mediante o uso de fundamentação idônea e concreta (discricionariedade vinculada)" (AgRg no HC n. 603.620/MS, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, DJe 9/10/2020).

Considerando o silêncio do legislador, a doutrina e a jurisprudência estabeleceram dois critérios de incremento da pena-base, por circunstância judicial valorada negativamente, sendo o primeiro de 1/6 (um sexto) da mínima estipulada, e outro de 1/8 (um oitavo), a incidir sobre o intervalo de condenação previsto no preceito secundário do tipo penal incriminador (ut, AgRg no AgRg nos EDcl no AREsp 1.617.439/PR, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, DJe 28/9/2020). Precedentes: AgRg no REsp 1.986.657/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe 11/4/2022; AgRg no AREsp 1.995.699/SP, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 5/4/2022, DJe 19/4/2022.

Diante disso, a exasperação superior às referidas frações, para cada circunstância, deve apresentar fundamentação adequada e específica, a qual indique as razões concretas pelas quais a conduta do agente extrapolaria a gravidade inerente ao teor da circunstância judicial.

No ponto, ressalta-se que o réu não tem direito subjetivo à utilização das referidas frações, não sendo tais parâmetros obrigatórios, porque o que se exige das instâncias ordinárias é a fundamentação adequada e a proporcionalidade na exasperação da pena.

No caso, fixo a pena-base do crime de corrupção passiva em 2 anos e 4 meses de reclusão e 12 dias-multa, e do crime de lavagem de dinheiro em 3 anos e 6 meses de reclusão e 12 dias-multa, fração que reputo proporcional e adequada à reprovação dos delitos.

O regime prisional inicial permanece o fechado, tendo em vista o patamar da pena e a existência de circunstâncias judiciais negativas, a teor do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Ante o exposto, com base no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus, mas, evidenciado o constrangimento ilegal a que está submetido o paciente, concedo a ordem de ofício para, nos autos da Apelação Criminal n. 0005157-72.2017.822.0000, referente ao Processo na Origem n. 0003398-65.2016.8.22.0014, redimensionar a pena do paciente para 5 anos e 10 meses de reclusão e 24 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação.

Em observância ao art. 580 do Código de Processo Penal, estendo aos corréus ANTONIO MARCO DE ALBUQUERQUE e CARMOZINO ALVES MOREIRA os efeitos da presente decisão. Tendo em vista a confissão extrajudicial de CARMOZINO ALVES MOREIRA, sua pena definitiva resulta em 5 anos e 3 meses de reclusão e 22 dias-multa, devendo ser mantidos os demais termos da condenação. Intimem-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 830837 - RO (2023/0202918-3) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 06/03/2025)

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