STJ Jun25 - Apropriação Indébita e Sonegação - Absolvição - Ausência de Descrição de Conduta Individualizada - Responsabilidade Objetiva Ilegal - Ser Sócio, sem Descrição da Conduta, Facilita ao Acusador - Direito Penal do Inimigo
DECISÃO
Trata-se de agravo contra a decisão que inadmitiu o recurso especial interposto por L T C B DA S, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, em oposição a acórdão proferido pelo TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, assim ementado (fls. 1191 - 1195):
"DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ARTIGO 337-A, DO CÓDIGO PENAL. ARTIGO 168-A DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO FISCAL. CRIME ÚNICO. AUTORIA DELITIVA COMPROVADA. DOLO DEMONSTRADO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO COMPROVADA. DOSIMETRIA DA PENA REVISTA. CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS DELITOS DO ARTIGO 168-A E 337-A DO CP RECONHECIDA DE OFÍCIO. APELAÇÃO DEFENSIVA PARCIALMENTE PROVIDA. 1. De acordo com a denúncia, de forma livre e consciente, a ré, na qualidade de sócia administradora da empresa “Control Serviços Gerais em Terceirização de Mão de Obra Ltda. – EPP”, arrecadou as contribuições previdenciárias dos segurados empregados ou a seu serviço e não as repassou à Previdência Social na competência 13/2008, bem como informou em GFIP a remuneração de apenas um segurado entre 01/2008 a 12/2008, ocasionando o não pagamento de contribuições previdenciárias e de contribuições devidas a outras entidades ou terceiros – FNDE, INCRA, SENAC, SESC e SEBRAE. 2. A materialidade delitiva do delito previsto no artigo 168-A, §1º, do CP é incontroversa e está devidamente comprovada pelo procedimento administrativo fiscal nº 19515722.278/2013-92, que demonstra o desconto das contribuições dos empregados na competência 13/2008 sem o efetivo recolhimento aos cofres públicos, que gera o crime do artigo 168-A, §1º, inciso I, do Código Penal. Sendo assim, de acordo com a Representação Fiscal para Fins Penais nº 19515.72244612013.40 foi considerado como Apropriação Indébita Previdenciária o valor referente ao Auto de Infração nº 37.261-441-8, no valor originário, descontados os juros e as multas, de R$ 4.815,30 (quatro mil, oitocentos e quinze reais e trinta centavos). 3. De acordo a fiscalização, quanto ao crime previsto no artigo 337-A do CP, o contribuinte, nas competências de 01/2008 a 12/2008 e também em 13/2008, informou em GFIP a remuneração de apenas um segurado constante na sua folha de pagamento, deixando de fazê-lo em relação aos demais segurados. Com efeito, de acordo com o apurado, nas competências de janeiro a dezembro/2008 deixaram de ser recolhidas contribuições previdenciárias e de terceiros, em função da omissão de remunerações em GFIP, além da declaração errônea da alíquota de RAT e de terceiros, em razão da errônea opção pelo regime do SIMPLES, perfazendo o valor devido de R$ 145.636,56 (cento e quarenta e cinco, seiscentos e trinta e seis reais e cinquenta e seis centavos), descontados os juros e as multas. 4. No que se refere ao delito previsto no artigo 1.º da Lei nº 8.137/90, referida omissão ocorrida nas Guias de Recolhimento da Previdenciária Social, acarretou o não pagamento integral de contribuições previdenciárias devidas pela empresa e de contribuições devidas a outras entidades (ou terceiros - FNDE, INCRA, SENAC, SESC e SEBRAE), totalizando as mencionadas contribuições sociais, o valor originário, descontados os juros e as multas, de R$ 58.370,23 (cinquenta e oito mil, trezentos e setenta reais e vinte e três centavos), nos termos da Representação Fiscal para Fins Penais nº 19515.72244612013.40 e o Auto de Infração nº 37.261.442-6. 5. A autoria dos delitos é patente diante do conjunto probatório acostado aos autos, que demonstra que a ré tinha o dever legal de informar aos órgãos fiscalizadores, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias de seus empregados, bem como o dever de repassar e descontar dos salários dos empregados suas contribuições previdenciárias, em favor da Previdência Social no devido prazo, assim como as contribuições de terceiros, haja vista ser ela, à época dos fatos narrados a única responsável pela administração da empresa ( Alteração contratual nocf. contrato social, de fls. 81 e ss. como administradora única da empresa, de acordo com a cláusula 6ª). 6. Dolo demonstrado. É irrelevante perquirir sobre a comprovação do elemento subjetivo (dolo), porquanto os delitos de apropriação indébita previdenciária, sonegação de contribuição previdenciária e de sonegação fiscal exigem apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária ou qualquer acessório. Desse modo, é desnecessária a comprovação de que o réu não obteve "proveito próprio", bastando que a conduta imputada subsoma-se a uma das hipóteses previstas no dispositivo legal. 7. No que se refere ao crime de sonegação fiscal de contribuição previdenciária, incabível ao delito a aplicação da excludente de culpabilidade consistente na inexigibilidade de conduta diversa, já que o delito ora tratado cuida da administração tributária das empresas, e do correto lançamento de sua contabilidade, não havendo, assim, como entender-se que eventual dificuldade financeira possa justificar a errônea anotação contábil da empresa, com o fim de prejudicar a fiscalização tributária. 8. No que se refere ao crime do artigo 1.º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, considerando a conduta como crime único que se subsome ao delito do artigo 337-A, inciso III do CP, acolhido o entendimento de que a perpetração de uma única conduta fraudulenta, ainda que reduza o encargo fiscal de espécies tributárias distintas, não enseja a pluralidade de crimes. 9. Condenação da ré mantida quanto aos delitos de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, inciso III, do CP) e apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A, §1º, inciso I do CP). 10. Dosimetria do delito previsto no artigo 168-A, §1.º, inciso I, do CP. Primeira fase, não comporta exasperação, pena-base fixada no mínimo legal. Na segunda fase, reconhecida a atenuante da confissão espontânea, mantida a pena intermediária em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, com base na Súmula 231 do STJ. Na terceira fase, inexistentes quaisquer causas de aumento e/ou diminuição da pena, uma vez que o desconto das contribuições previdenciárias, sem o devido recolhimento, ocorreu em apenas um competência (dezembro/2008). Pena definitiva cominada à ré em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. 11. Dosimetria do delito previsto no artigo 337-A, inciso III, do CP. Primeira fase, a pena-base comporta exasperação em 1/6 (um sexto), sendo fixada em 02 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Na segunda fase, reconhecida a atenuante da confissão espontânea, aplicando o fator redutor da ordem de 1/6 (um sexto). Pena intermediária cominada à ré em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na terceira fase da dosimetria, reconhecida a continuidade delitiva quanto ao delito previsto no artigo 337-A, inciso III, do CP, porquanto a peça acusatória descreve que a ré praticou crimes, que pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem ser compreendidos numa relação de continuidade delitiva. Não obstante o teor da Súmula 659 do C. Superior Tribunal de Justiça, no que se refere à continuidade delitiva, acolhido o entendimento já consolidado nesta E. Corte, no julgado de Relatoria do Desembargador Federal , na ACR 11780, por considerar que melhor atende o princípio daNelton dos Santos proporcionalidade no âmbito dos crimes de apropriação indébita de contribuição previdenciária (artigo 168-A,§1º, do CP) e de sonegação de contribuição previdenciária (artigo 337-A, do CP). Logo, aplicado o fator de acréscimo da ordem de 1/6 (um sexto), em conformidade com a jurisprudência desta E. Corte, a pena definitiva cominada à ré foi fixada em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 12. Quanto ao concurso de crimes, acolhido, de ofício, o entendimento de que crimes de mesma espécie são aqueles que tenham elementos objetivos e subjetivos semelhantes, os quais não estão necessariamente descritos no mesmo tipo penal, mas buscam a tutela do mesmo bem jurídico. Logo, reconhecida a continuidade delitiva entre os delitos do artigo 168-A, §1º e 337-A ambos do Código Penal. 13. Estabelecidas estas premissas, mantida a aplicação da pena-base de um só dos crimes, qual seja o delito de maior gravidade que é o previsto no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, todavia, na hipótese, sem qualquer acréscimo em razão do período relativo ao delito do artigo 168-A, §1.º, inciso I, do Código Penal, uma vez que o período delitivo é inferior a 2 (dois) meses, com base no entendimento acolhido por esta E. Corte. Pena definitiva cominada à ré de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 14. Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a pena corporal da ré foi substituída por duas restritivas de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou a entidade pública, em local a ser definido pelo juízo da execução penal, pelo prazo da pena substituída; e prestação pecuniária no valor de 15 (quinze) salários mínimos, destinadas a entidade a ser designada pelo juízo da execução penal. 15. Apelação da defesa a que se dá parcial provimento, somente para reconhecer a existência de crime único entre os delitos de sonegação de contribuição previdenciária e de sonegação fiscal, mantendo a condenação da ré pela prática do crime previsto no artigo 337-A, inciso III, do Código Penal, reconhecendo, de ofício, a continuidade delitiva entre os delitos previstos no artigo 168-A, §1.º, inciso I, do CP e artigo 337-A, incisos III, do Código Penal, do que resulta a pena definitiva de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou à entidade pública, em local a ser definido pelo juízo da execução penal, pelo prazo da pena substituída; e prestação pecuniária no valor de 15 (quinze) salários mínimos, destinadas a entidade a ser designada pelo juízo da execução penal, e pagamento de 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Em suas razões recursais, a parte recorrente aponta violação do art. 337-A, inciso III, e do art. 168-A, § 1º, inciso I, ambos do Código Penal. Sustenta que a decisão da instância ordinária incorreu em contradição ao reconhecer, simultaneamente, existência de erro e de dolo na conduta, desconsiderando que as omissões na GFIP e as informações equivocadas sobre alíquotas decorreram de falhas do contador, sem demonstração de fraude ou intenção deliberada de suprimir tributos.
Alega que a responsabilidade pelas declarações ao fisco recaía sobre profissionais habilitados, não havendo dolo nem sequer genérico por parte da recorrente, a qual enfrentava dificuldades financeiras à época. Defende a inaplicabilidade da continuidade delitiva, o reconhecimento da atipicidade da conduta por ausência de fraude, e pleiteia a absolvição.
Requer, ainda, que eventual óbice sumular seja superado mediante concessão de habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP. Com contrarrazões (fls. 12291 - 1311), o recurso especial foi inadmitido na origem (fls.1313 - 1321), ao que se seguiu a interposição de agravo. Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo não conhecimento do agravo e se conhecido, pelo desprovimento (fls. 1414 - 1419).
É o relatório. Decido.
A decisão que inadmitiu o recurso especial na origem pautou-se na incidência da Súmula 7/STJ; no agravo, todavia, a parte ora agravante não combateu especificamente este último fundamento da decisão agravada. Afinal, sobre a aplicação da Súmula 7/STJ, a parte agravante trouxe apenas razões genéricas de inconformismo (aduzindo que não seria necessário reexaminar as provas dos autos), o que não satisfaz a exigência de impugnação específica para viabilizar o conhecimento do agravo.
Isso porque, para que se considere adequadamente impugnada a Súmula 7/STJ, o agravo precisa empreender um cotejo entre os fatos estabelecidos no acórdão e as teses recursais, mostrando em que medida estas não exigem a alteração do quadro fático delineado pelo Tribunal local.
Nesse sentido:
"[...] 1. Nas razões do agravo em recurso especial, não foram rebatidos, de modo específico e concreto, os fundamentos da decisão agravada relativos à aplicação das Súmulas n. 7 e 83, ambas do Superior Tribunal de Justiça, atraindo, à espécie, a incidência da Súmula n. 182 do Superior Tribunal de Justiça. 2. No tocante à incidência da Súmula n. 7/STJ, a Agravante limitou-se a sustentar, genericamente, que as pretensões elencadas no apelo nobre envolvem mero debate jurídico, não demandando, assim, reexame de provas, sem explicitar, contudo, à luz da tese recursal trazida no recurso especial, de que maneira a análise não dependeria do reexame de provas. Assim, não houve a observância da dialeticidade recursal, motivo pelo qual careceu de pressuposto de admissibilidade, qual seja, a impugnação efetiva e concreta aos fundamentos utilizados para inadmitir o recurso especial, no caso, a incidência da Súmula n. 7 do Superior Tribunal de Justiça. [...] 6. Agravo regimental desprovido". (AgRg no AREsp n. 1.789.363/SP, relator Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 17/2/2021.) "[...] 1. A falta de impugnação específica dos fundamentos utilizados na decisão ora agravada atrai a incidência do enunciado sumular n. 182 desta Corte Superior. Como tem reiteradamente decidido esta Corte, os recursos devem impugnar, de maneira específica e pormenorizada, os fundamentos da decisão contra a qual se insurgem, sob pena de vê-los mantidos. Não são suficientes meras alegações genéricas ou à insistência no mérito da controvérsia. [...] 11. Agravo regimental não conhecido". (AgRg no RHC n. 128.660/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/8/2020, DJe de 24/8/2020.)
Ademais, a Corte Especial do STJ manteve o entendimento da necessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão agravada, sob pena de incidência da Súmula 182/STJ. Eis a ementa do aresto paradigma:
"PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. ART. 544, § 4º, I, DO CPC/1973. ENTENDIMENTO RENOVADO PELO NOVO CPC, ART. 932. 1. No tocante à admissibilidade recursal, é possível ao recorrente a eleição dos fundamentos objeto de sua insurgência, nos termos do art. 514, II, c/c o art. 505 do CPC/1973. Tal premissa, contudo, deve ser afastada quando houver expressa e específica disposição legal em sentido contrário, tal como ocorria quanto ao agravo contra decisão denegatória de admissibilidade do recurso especial, tendo em vista o mandamento insculpido no art. 544, § 4º, I, do CPC, no sentido de que pode o relator "não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada" - o que foi reiterado pelo novel CPC, em seu art. 932. 2. A decisão que não admite o recurso especial tem como escopo exclusivo a apreciação dos pressupostos de admissibilidade recursal. Seu dispositivo é único, ainda quando a fundamentação permita concluir pela presença de uma ou de várias causas impeditivas do julgamento do mérito recursal, uma vez que registra, de forma unívoca, apenas a inadmissão do recurso. Não há, pois, capítulos autônomos nesta decisão. 3. A decomposição do provimento judicial em unidades autônomas tem como parâmetro inafastável a sua parte dispositiva, e não a fundamentação como um elemento autônomo em si mesmo, ressoando inequívoco, portanto, que a decisão agravada é incindível e, assim, deve ser impugnada em sua integralidade, nos exatos termos das disposições legais e regimentais. 4. Outrossim, conquanto não seja questão debatida nos autos, cumpre registrar que o posicionamento ora perfilhado encontra exceção na hipótese prevista no art. 1.042, caput, do CPC/2015, que veda o cabimento do agravo contra decisão do Tribunal a quo que inadmitir o recurso especial, com base na aplicação do entendimento consagrado no julgamento de recurso repetitivo, quando então será cabível apenas o agravo interno na Corte de origem, nos termos do art. 1.030, § 2º, do CPC. 5. Embargos de divergência não providos". (EAREsp n. 746.775/PR, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator p/ Acórdão Ministro Luís Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/9/2018, DJe de 30/11/2018.)
Por conseguinte, a Súmula 182/STJ impede que se passe ao mérito do agravo do art. 1.042 do CPC, o qual não supera o juízo de admissibilidade. Todavia, reconheço a possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício, diante da evidência de ilegalidade. Ao condenar a acusada, o Tribunal local se pautou unicamente no fato de um ser a controladorada da pessoa jurídica, presumindo por isso sua responsabilidade (fls. 1175 e 1176).
Nada foi dito de concreto sobre condutas específicas da ré, estando a condenação baseada somente na posição que ocupavam no âmbito da sociedade empresária. Acontece que, conforme o entendimento deste STJ, o simples status ocupado pelo indivíduo em uma estrutura societária é um fato atípico e, como tal, não permite presumir que seria ela a autora de fatos típicos, sem sua comprovação individualizada:
"Da autoria delitiva. A autoria delitiva é inconteste. De acordo com a denúncia, a ré L T C, de forma livre e consciente, na qualidade de sócia administradora da empresa “Control Serviços Gerais em Terceirização de Mão de Obra Ltda. – EPP”, arrecadou as contribuições previdenciárias dos segurados empregados ou a seu serviço e não as repassou à Previdência Social na competência 13/2008, bem como informou em GFIP a remuneração de apenas um segurado entre 01/2008 a 12/2008, ocasionando o não pagamento de contribuições previdenciárias e de contribuições devidas a outras entidades ou terceiros – FNDE, INCRA, SENAC, SESC e SEBRAE. A autoria dos delitos é patente diante do conjunto probatório acostado aos autos, que demonstra que L tinha o dever legal de informar aos órgãos fiscalizadores, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias de seus empregados, bem como o dever de repassar e descontar dos salários dos empregados suas contribuições previdenciárias, em favor da Previdência Social no devido prazo, assim como as contribuições de terceiros, haja vista ser ela, à época dos fatos narrados a única responsável pela administração da empresa (cf. Alteração contratual no contrato social, de fls. 81 e ss. do Id. 34519963, como administradora única da empresa, de acordo com a cláusula 6ª). Todavia, a defesa alega que o sr. era o responsável pela M I administração e pelo recolhimento de tributos da empresa, mas não há nenhuma menção a seu nome nos documentos societários, ou em qualquer outro documento, como por exemplo uma procuração que lhe concedesse tais poderes administrativos. Ademais, em seu interrogatório, a ré mencionou que exercia de fato a administração da empresa, ainda que não fosse sua atividade principal. Aliás, a procuração passada pela empresa ao sr. para representar a empresa e retirar o Auto de L N Infração foi assinada pela ré. Além disso, a tentativa da ré de atribuir a exclusiva responsabilidade pelos delitos ao contador da empresa não merece prosperar, haja vista o dever dos sócios administradores de conhecimento, de supervisão e controle do que ocorre financeiramente em sua própria empresa. Conquanto se reconheça que o contador tem papel relevante na definição da linha tributária a ser seguida pela empresa, não é crível que a proprietária da empresa não tivesse ciência dos pagamentos efetuados e muito menos da necessidade de recolher os tributos. Logo, a responsabilidade de L pelos tributos sonegados e apropriados indevidamente é passível de condenação criminal. Ante o acima exposto, diante do conjunto probatório amealhado nos autos, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade e autoria delitivas por parte da ré LUCIANA." Com a mesma orientação, na Sexta Turma: "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO FISCAL. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL. TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO. INAPLICABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. DOLO. ESSENCIALIDADE. DESCRIÇÃO DE CULPA EM SENTIDO ESTRITO. INCOMPATIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A teoria do domínio do fato funciona como uma ratio, a qual é insuficiente, por si mesma para aferir a existência do nexo de causalidade entre o crime e o agente. É equivocado afirmar que um indivíduo é autor porque detém o domínio do fato se, no plano intermediário ligado à realidade, não há nenhuma circunstância que estabeleça o nexo entre sua conduta e o resultado lesivo. 2. Não há, portanto, como considerar, com base na teoria do domínio do fato, que a posição de gestor, diretor ou sócio administrador de uma empresa implica a presunção de que houve a participação no delito, se não houver, no plano fático-probatório, alguma circunstância que o vincule à prática delitiva. 3. Na espécie, as instâncias ordinárias concluíram que o acusado era o responsável pela administração da empresa e, muito embora tenha contratado um escritório de contabilidade para cuidar das questões financeiras, recebia, ou ao menos deveria receber, todas as informações relativas ao planejamento contábil. 4. Diante desse quadro, não há como imputar-lhe o delito de sonegação de tributo com base, única e exclusivamente, na teoria do domínio do fato, máxime porque não houve descrição de nenhuma circunstância que indique o nexo de causalidade, o qual não pode ser presumido. 5. O delito de sonegação fiscal, previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990, exige, para sua configuração, que a conduta seja dolosa e consistente na omissão de informação ou prestação de declaração falsa às autoridades fazendárias. Há uma diferença inquestionável entre aquele que não paga tributo por circunstâncias alheias à sua vontade de pagar (dificuldades financeiras, equívocos no preenchimento de guias etc.) e quem, dolosamente, sonega o tributo, com a utilização de expedientes espúrios e motivado por interesses pessoais. 6. Na hipótese, o quadro fático descrito na imputação é mais indicativo de conduta negligente ou imprudente. A constatação disso é reforçada pela delegação das operações contábeis sem a necessária fiscalização, situação que não se coaduna com o dolo, mas se aproxima da culpa em sentido estrito, não prevista no tipo penal em questão. 7. Agravo regimental não provido". (AgRg no REsp n. 1.874.619/PE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/11/2020, DJe de 2/12/2020.) E, igualmente, no STF: "AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (INCISO I DO § 1º DO ART. 168-A E INCISO III DO ART. 337-A, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). CONTINUIDADE DELITIVA E CONCURSO MATERIAL. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. DOLO ESPECÍFICO. NÃO-EXIGÊNCIA PARA AMBAS AS FIGURAS TÍPICAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS EM RELAÇÃO AO CO-RÉU DETENTOR DO FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. PRECÁRIA CONDIÇÃO FINANCEIRA DA EMPRESA. EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INAPLICABILIDADE AO DELITO DE SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO. ABSOLVIÇÃO DA CO-RÉ. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PENA DE 3 (TRÊS) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE RECLUSÃO E 30 (TRINTA) DIAS-MULTA, PARA CADA DELITO, TOTALIZANDO 7 (SETE) ANOS DE RECLUSÃO E 60 (SESSENTA) DIAS-MULTA, FIXADOS EM ½ (UM MEIO) SALÁRIO MÍNIMO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. SEMI-ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. SURSIS. DESCABIMENTO. [...] 5. A mera participação no quadro societário como sócio-gerente não pode significar a automática, ou mecânica, responsabilização criminal, porquanto não se pode presumir a responsabilidade criminal daquele que se acha no contrato social como sócio-gerente, devido apenas a essa condição, pois tal increpação mecânica ou linear acarretaria a aplicação de inadmissível figura de responsabilidade penal objetiva. [...]". (AP 516, relator Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 27/9/2010, DJe de 6/12/2010.)
Recentemente, tive também a oportunidade de me manifestar em sede acadêmica sobre a matéria, em coautoria com Thiago de Lucena Motta, nos seguintes termos:
"Ser sócio de uma pessoa jurídica ou integrar sua diretoria são fatos jurídicos penalmente neutros, que em si nada têm de ilícitos. Saltar de tais fatos para a conclusão de que o sócio ou diretor foi o autor de um delito que alguém praticou valendo-se da estrutura societária, sem a descrição de fatos adicionais, equivale a presumir a participação no crime. [...] Pautar a denúncia nessa inferência falha, com a imputação única de que o acusado integra os quadros da sociedade empresária, certamente facilita o trabalho acusatório, mas isso não permite o rebaixamento do standard de argumentação instituído pelo arts. 41 e 395, I, do CPP. Dito de outro modo, é a acusação quem precisa se organizar para formular uma denúncia que vença o standard jurídico-argumentativo de admissibilidade, e não o standard quem deve se flexibilizar para tornar mais fácil ou conveniente o mister da acusação. [...] Se a única imputação vertida contra o réu é a de pertencer aos quadros de uma sociedade empresária, não existe na prática defesa ou contraditório possíveis: nem há um fato específico do qual possa o acusado se defender, nem há a possibilidade de negar que integra a estrutura societária. Tal imputação se refere àquilo que o réu é (sócio, diretor, controlador), mas não ao que se acredita ter feito. O que, então, pode o implicado abordar em sua resposta à acusação, na qual deve alegar toda a matéria defensiva, na forma do art. 396-A do CPP? Linhas de defesa fáticas (como um álibi, por exemplo) que poderiam ser exploradas se o Ministério Público lhe tivesse imputado a prática de um ato específico são simplesmente suprimidas do acusado diante de uma denúncia genérica, que se restringe ao seu status societário" (Crimes societários e autoria delitiva: contribuições do Ministro Rogerio Schietti Cruz à construção de uma jurisprudência garantista. In: BORGES, Ademar et al. Homenagem ao Ministro Rogerio Schietti: 10 anos de STJ. São Paulo: Livraria Migalhas, 2023, p. 573-588).
Assim, faltando no acórdão recorrido a indicação de qualquer conduta específica e típica da acusada, o simples apontamento de que ela geria ou representava a sociedade empresária não supre a falta de provas da autoria. Sua presunção a partir do fato penalmente neutro (o status societário da acusada), reitero, é uma forma de responsabilização objetiva rechaçada consistentemente pelos Tribunais Superiores. Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, "a", do Regimento Interno do STJ, conheço do agravo para não conhecer do recurso especial; todavia concedo habeas corpus de ofício a fim de absolver a parte recorrente, nos termos do art. 386, V, do CPP. Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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