STJ Jun25 - Lei de Drogas - Desclassificação de Tráfico para Uso :(i) pequena quantidade, apesar da variedade; (ii) ausência de provas da mercancia; (iii) primários
EMENTA AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS (20,2 G DE COCAÍNA E 5,15 G DE MACONHA). INOBSERVÂNCIA DO COMANDO LEGAL INSERTO NOS ARTS. 932, III, DO CPC/2015, E 253, PARÁGRAFO ÚNICO, I, DO RISTJ. IMPUGNAÇÃO DEFICIENTE. POSSIBILIDADE DE DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. REPARTIÇÃO DA DROGA ENTRE DOIS RÉUS. EXCEPCIONALIDADE. PEQUENA QUANTIDADE DE ENTORPECENTE APREENDIDO. CARÊNCIA DE ELEMENTOS QUE COMPROVASSEM AS ELEMENTARES DO TRÁFICO DE DROGAS. JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. DETERMINADO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO DA PERSECUÇÃO PENAL. Agravo em recurso especial não conhecido. Habeas corpus concedido de ofício, nos termos da fundamentação.
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto por VICTORXXXXXXXXXXXX contra a decisão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO que inadmitiu recurso especial dirigido contra o acórdão prolatado na Apelação Criminal n. 0001451-08.2017.8.26.0538 (fls. 262/275).
No recurso especial, os agravantes postulam pela desclassificação delituosa do delito de tráfico para o de uso próprio (fls. 306/318).
O Ministério Público Federal apresentou parecer opinando pelo não conhecimento da pretensão recursal e, acaso conhecida, pelo seu não provimento (fls. 422/427).
É o relatório.
O agravo não comporta conhecimento. O Tribunal de origem não admitiu o apelo nobre em razão da incidência das Súmulas 7/STJ e 284/STF. Quanto ao pedido de desclassificação delituosa, os agravantes, nas razões do agravo em recurso especial, no tocante ao óbice da Súmula 7 desta Corte, restringiram-se a afirmar, de maneira genérica, que não se trata de revolvimento do acervo fático-probatório.
Não foi realizado o necessário cotejo entre o explicitado na decisão que não admitiu o recurso especial e as teses veiculadas no apelo nobre, não tendo, portanto, desincumbindo-se em demonstrar nas razões de suas insurgências, o desacerto da decisão agravada, fazendo atrair o óbice do Enunciado n. 284 da Súmula do STF.
Neste sentido, o agravo em recurso especial carece do indispensável pressuposto de admissibilidade atinente à impugnação adequada e concreta de todos os fundamentos empregados pela Corte a quo para não admitir o recurso especial, a atrair a incidência da Súmula 182/STJ.
Nos termos do art. 932, inciso III, do CPC e do art. 253, parágrafo único, inciso I, do Regimento Interno desta Corte, não se conhecerá do agravo em recurso especial que não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida.
A propósito:
AgRg no AREsp n. 2.125.486/CE, Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, DJe 16/6/2023; e AgRg no AREsp n. 2.143.166/SP, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 14/6/2023.
Contudo, da aferição do recurso especial, diviso a presença de manifesta ilegalidade.
Colhe-se dos autos, no que se refere à imputação do crime de tráfico de drogas que, consoante o acórdão combatido, os agravantes foram processados por estar em posse de 20,2 g de cocaína e 5,15 g de maconha.
Em função da referida conduta imputada a ambos pela exordial acusatória, foram condenados às penas de 5 anos de reclusão e 500 dias-multa em regime inicialmente fechado. No presente caso, a despeito de terem admitido, em juízo, tratar-se de meros usuários e não traficantes, sendo as drogas adquiridas em conjunto para que cada um fizesse uso delas, foram condenados pelo Juízo singular pela prática de crime previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e não pela prática de crime previsto no art. 28 do mesmo diploma legal.
Ainda que o acórdão atacado tenha mantido a referida sentença, confirmando a pena-base mínima, tratando-se de acusados tecnicamente primários e menores de 21 anos, fora-lhes mantido o regime fechado e o afastamento da aplicação da causa de diminuição de pena, sem que houvesse fundamentação idônea, o que por si só já configuraria flagrante ilegalidade.
Por outro lado, é imperativo de justiça admitir que a quantidade irrisória de entorpecentes apreendida denota claramente a desnecessidade e a desproporcionalidade de intervenção do Direito Penal para sancionar a conduta que é imputada aos ora agravantes pela prática do tráfico, não tendo sido com eles apreendido qualquer petrecho comumente utilizado para a traficância.
A propósito do controverso debate sobre ser aceitável reconhecer a insignificância na posse de entorpecentes ou caber a desclassificação da conduta, quando se tratar de usuários, certo é que, não obstante as previsões da Lei n. 6.368/1976 e da Lei n. 11.343/2006, a falta do estabelecimento de uma quantidade fixa como critério de diferenciação entre uso e comércio de drogas tem gerado discrepâncias na interpretação do enquadramento legal, especialmente, quanto ao crime de uso previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
Quanto ao tema específico – vale dizer: a ausência de um critério objetivo e quantitativo para distinguir as condutas mencionadas nos arts. 28 e 33 da Lei n. 11.343/2006 tem fomentado interpretações divergentes e acaba por permitir que o mesmo fato seja tratado de formas distintas por diferentes, a depender de sua compreensão subjetiva acerca do conceito de "uso pessoal", comprometendo a isonomia e a previsibilidade das decisões judiciais.
Portanto, revela-se imprescindível que o legislador estabeleça parâmetros claros e objetivos para a diferenciação entre uso próprio e tráfico ilícito, de modo a garantir maior uniformidade na aplicação da lei penal. Contudo, à míngua de definição legislativa, diante do caso concreto, mesmo quando o delito é classificado como tráfico, a quantidade de entorpecente, o tipo da droga e as condições da apreensão acabam sendo imperiosos na consideração da desproporcionalidade da condenação perpetrada pelas instâncias ordinárias.
Oportuno notar ainda que o Supremo Tribunal Federal já começou a julgar a matéria nos autos do Recurso Extraordinário n. 635.659/SP, com Repercussão Geral reconhecida. O julgamento, no entanto, encontra-se suspenso, havendo, até o momento, três votos divulgados a favor da descriminalização da posse de pequenas quantidades de entorpecente para uso pessoal.
Dentre os votos já proferidos, há uma clara sinalização para a possibilidade da adoção jurisprudencial de um critério objetivo para tratar da posse e/ou manuseio de quantidades de drogas e sua respectiva tipificação.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal concedeu a ordem no HC n. 127.573/SP, para considerar a atipicidade material da conduta de tráfico de drogas imposta a uma mulher que foi flagrada com 1 g de maconha e condenada à pena de 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado.
O relator do habeas corpus mencionado, Ministro Gilmar Mendes, entendeu ser aplicável ao caso o princípio da insignificância, pois a conduta descrita nos autos não é capaz de lesionar ou colocar em perigo a paz social, a segurança ou a saúde pública.
Segundo o Ministro, esse é um exemplo emblemático de flagrante desproporcionalidade na aplicação da pena em hipóteses de quantidade irrisória de entorpecentes, e não houve indícios de que a mulher teria anteriormente comercializado quantidade maior de droga.
Observou ainda, o julgador, que o Supremo Tribunal tem compreendido que o princípio da insignificância não se aplica ao delito de tráfico, ainda que a quantidade de droga apreendida seja ínfima. Porém, considerou que a jurisprudência deve avançar na criação de critérios objetivos para separar o traficante de grande porte do traficante de pequenas quantidades, que vende drogas apenas em razão de seu próprio vício.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a propósito do assunto, pode ser apontada a recente proposta de atualização da Lei de Drogas, formulada por comissão criada em 2018, sob a Presidência do Ministro Ribeiro Dantas, tendo como Vice-Presidente o Ministro Rogerio Schietti Cruz.
No cenário mais conservador apresentado, o critério objetivo para distinguir usuários de traficantes seria de 10 g para crack/cocaína e 25 g para maconha, e, no contexto mais liberal, 15 g para crack/cocaína e 100 g para maconha. No caso em análise, a quantidade total apreendida em posse dos agravantes, levando-se em consideração que a metade da droga apreendida (20,2 g de cocaína e 5,15 g de maconha) que se destinava a cada um, está abaixo do patamar mais conservador sugerido, pelo que é legítimo entender que, à luz da proporcionalidade, inclusive, não há suporte para a condenação dos agravantes pelo delito de tráfico de drogas.
Desse modo, tendo em vista as peculiares circunstâncias do caso, deve ser concedido habeas corpus de ofício, a fim de desclassificar a conduta de ambos os agravantes para aquela prevista no art. 28 da Lei de Drogas. Pelo quanto delineado, notadamente a ínfima quantidade de entorpecentes apreendido em posse dos dois agravantes e na esteira do precedente da lavra do Ministro Rogerio Schietti Cruz, no Habeas Corpus n. 705.522/SP, Sexta Turma, DJe 17/12/2021, excepcionalmente, impõe-se a desclassificação da conduta prevista no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, para o delito de uso de entorpecente para consumo próprio.
Ante o exposto, não conheço do agravo em recurso especial, concedo habeas corpus de ofício, para desclassificar a conduta dos agravantes, considerada pelas instâncias ordinárias como tráfico de drogas, para a de uso de entorpecente para consumo pessoal. Retornem os autos para o prosseguimento da persecução penal, quanto à pena a ser aplicada. Publique-se.
Relator
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10
👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal
👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv
Comentários
Postar um comentário