STJ Jun25 - Crime Ambiental - Trancamento de Ação Penal - Ausência de Indicação da Norma Extrapenais Reguladora - norma penal em branco

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido de liminar, interposto por SEBASTIÃO XXXXXXXXXX contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais no HC n. 1.0000.25.027928-8/000.

Depreende-se dos autos que o recorrente foi denunciado pela suposta prática dos delitos previstos nos artigos 38, 38-A, 41 e 60, todos da Lei n. 9.605/1998, bem como no artigo 50, I, da Lei n. 6.766/1979 (fls. 15-19).

Irresignada, a Defesa ajuizou o habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem, conforme aresto de fls. 354-361. No presente recurso, alega, em síntese, a inépcia da exordial acusatória.

Sustenta que a denúncia trouxe em seus termos somente a simples citação aos artigos de natureza ambiental da lei federal n. 9.605/98, no caso, 38, 38-A, 41 e 60, em que afirma ter o paciente recorrente incorrido nas suas condutas típicas, mas sem ter mencionado em nenhum momento qual é ou quais são as leis e normas regulamentadoras extrapenais que devem obrigatoriamente complementar todos esses tipos penais em branco, que ostentam natureza ambiental (fls. 371-372).

Requer, assim, liminarmente, a atribuição de efeito suspensivo ao acórdão recorrido até o julgamento deste recurso e, no mérito, o seu conhecimento e provimento para determinar o trancamento da Ação Penal n. 0248251-25.2016.8.13.0145 no que tange aos crimes ambientais acima anotados. O pedido de liminar foi indeferido às fls. 405-406.

As informações solicitadas foram recebidas e acostadas às fls. 411-415. Por sua vez, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso, conforme parecer de fls. 419-426.

É o relatório. DECIDO.

Inicialmente, cumpre esclarecer que o Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça, em seu art. 34, XVIII, "b", dispõe que o relator pode decidir monocraticamente para "negar provimento ao recurso ou pedido que for contrário a tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou, ainda, a jurisprudência dominante sobre o tema".

Não por outro motivo, a Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, em 16/3/2016, editou a Súmula n. 568, segundo o qual "o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".

Pois bem.

Para melhor delimitar a controvérsia, insta descrever como restou consignado pelo Tribunal a quo no acórdão ora recorrido, in verbis (fl. 358 - grifei):

"E, ao exame dos autos, verifica-se que o paciente foi denunciado pela suposta prática dos delitos descritos nos artigos 38, 38-A, 41 e 60, todos da Lei 9.605/98 e artigo 50, inciso I, da Lei 6.766/79. Como visto, no caso, pleiteia o impetrante o trancamento da ação, sob o argumento de que a denúncia é genérica e abstrata, alega que houve omissão quanto a menção de normas regulamentadoras necessárias para complementar a legislação penal em branco, o que caracteriza sua inépcia, nos termos do art. 41 do CPP. Razão não lhe assiste. Isto porque a lei exige que a descrição dos fatos, embora genérica, consiga abranger o conhecimento da imputação para possibilitar o exercício da ampla defesa e do contraditório. Logo, o substancial da conduta supostamente ilícita praticada pelo paciente encontra-se descrita pelo parquet. Com efeito, a ausência de menção na denúncia à lei que complementa a norma penal em branco não invalida a exordial, não representa empecilho ao exercício de direito de defesa do paciente, isso porque o núcleo essencial do comportamento do denunciado se encontra previsto nos nos artigos 38, 38-A, 41 e 60, todos da Lei 9.605/98 e artigo 50, inciso I, da Lei 6.766/79." E na denúncia, o Parquet estadual assim descreveu os fatos delitivos, in verbis (fls. 18-19): "Em 07 de julho de 2016, em fiscalização realizada por policiais militares na Estrada Torreões/lnvernada, S/N, bairro Torreões, nesta urbe, foram identificadas diversas infrações em implantação de loteamento, realizadas por SEBASTIÃO BRAZ CLAUDINO. Posto isto, foram emitidos diversos Autos de Infração. Foi constatado que em uma área de aproximadamente 12,8 hectares, considerada de preservação permanente (em cima de olhos d'água perenes com solo hidromórfico 'brejo'), e curso d'água com largura inferior à 10 (dez) metros de largura, o denunciado desmatou, destocou e suprimiu floresta estacional semidecidual, bioma Mata Atlântica, em estágio médio de regeneração e demais formas de vegetação, com uso de máquinas, motoserra e machado, dificultando, assim, a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação. Além disso, realizou queimada, atingindo espécies nativas típicas de Floresta Estacional Semidecidual, Bioma Mata Atlântica, em estágio médio de regeneração e vegetação rasteira, em uma área de aproximadamente 3,0 hectares, esta com a presença de vários olhos d'água perene e a menos de 30 (trinta) metros da calha do leito regular de um curso d'água com largura inferior a 10 (dez) metros existente no local. Ainda fez queimada em área comum, atingindo espécies de floresta plantada "eucalipto", em uma área de aproximadamente 6,0 hectares. Suprimiu vegetação natural, com a finalidade de implantar loteamento em uma área de aproximadamente 12,8 hectares e, por fim, houve lançamento de terra na calha do leito e no leito do curso d'água, com uso de máquina, assoreando a parte côncava do meandro, aumentando o volume da água no local e diminuindo a vazão jusante do ponto de intervenção. As condutas do denunciado tipificam-se nos artigos 38, 38-A, 41, 48 e 60 da Lei 9605/98, bem como no artigo 50, inciso I da Lei 6766/79, uma vez que o autor realizou todas as infrações acima descritas, isto é, destruiu floresta considerada de preservação permanente, destruiu vegetação em estágio médio e avançado de regeneração, provocou incêndio, atingindo tanto espécies nativas típicas de Floresta Estacional Semidecidual, Bioma Mata Atlântica, quanto área comum, impediu e dificultou a regeneração natural de florestas, fez funcionar obras potencialmente poluidoras sem autorização do órgão ambiental competente, e ainda deu inicio a loteamento do solo sem autorização do órgão público competente, conforme descrito no boletim de ocorrência (...) e no Laudo Pericial (...). Destarte, o Ministério Público denuncia a este juízo SEBASTIÃO BRAZ CLAUDINO como incurso nas sanções dos artigos 38, 38-A, 41 e 60 da Lei 9605/98, e no artigo 50, inciso I da Lei 6766/79, motivo pelo qual requer, após citado o acusado e recebida a presente denúncia, seja o referido interrogado, processado e, ao final, condenado, procedendo-se à oitiva das pessoas abaixo arroladas nos termos dos artigos 399 e ss. do Código de Processo Penal."

De fato, consoante precedentes deste Superior Tribunal de Justiça, o trancamento de ação penal, pela via do habeas corpus, é medida excepcional, reservada às hipóteses de atipicidade da conduta, causa de extinção da punibilidade e ausência de indícios de autoria ou prova da materialidade do delito (AgRg no HC n. 784.442/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 20/4/2023; e AgRg no RHC n. 179.731/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), DJe de 19/10/2023).

Contudo, da análise cuidadosa do caso concreto, constato a excepcionalidade a indicar o trancamento da ação penal, uma vez que o entendimento prolatado no aresto impugnado vai de encontro ao entendimento desta Corte Superior de Justiça, no sentido de que "o oferecimento da peça acusatória sem o ato regulamentador da norma penal em branco constitui inépcia da denúncia, por impossibilitar a defesa adequada do denunciado" (RMS n. 71.208/PA, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 2/10/2023, grifei).

No mesmo sentido:

"[...] 1. "É entendimento consolidado desta Corte que o oferecimento da denúncia sem a norma complementadora constitui inépcia da denúncia, por impossibilitar a defesa adequada do denunciado" (HC 370.972/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 7/12/2016). 2. No caso concreto, a denúncia pela prática do delito tipificado no art. 54, § 2º, V, da Lei n. 9.605/98, norma penal em branco, foi rejeitada, embora indicado como complemento a inobservância ao art. 47, II, da Lei n. 12.305/10; do art. 61 da Lei Complementar Estadual n. 272/2004; e da Resolução n. 04/2006 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONEMA). Segundo a Corte de origem, tais normativos não se prestam para apontar as inconsistências no descarte do lixo. [...] 3. Diante de norma que elasteceu o prazo para implantação da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos e da vedação de punição contida no art. 2º, parágrafo único, do Código Penal - CP, forçoso concluir pela manutenção da rejeição da denúncia embasada na hipótese normativa do art. 54, § 2º, V, da Lei n. 9.605/98, combinado com o art. 47, II, da Lei n. 12.305/10, de Prefeito responsável por "lixão" no período de 3/4/2014 a 4/6/2017. 4. Agravo regimental desprovido." (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.138.023/RN, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.) "[...] 1. "É entendimento consolidado desta Corte que o oferecimento da denúncia sem a norma complementadora constitui inépcia da denúncia, por impossibilitar a defesa adequada do denunciado" (HC 370.972/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/11/2016, DJe 07/12/2016). [...] 3. No entanto, com relação ao crime previsto no art. 46, parágrafo único, da Lei de Crimes Ambientais, a denúncia não indicou qual seria a licença exigida para o depósito do material lenhoso encontrado, bem como a autoridade competente para a prática do mencionado ato administrativo, o que inviabiliza o exercício da ampla defesa. 4. Do mesmo modo, ao imputar ao Paciente a prática do crime do art. 60 da Lei n. 9.605/1998, a peça acusatória não descreve, por completo, a conduta delitiva, pois apenas declara genericamente a existência de atividade potencialmente poluidora sem autorização, qual seja, o plantio de feijão, mas não indica a legislação extrapenal que disciplina essa atividade, o que, mais uma vez, impossibilita a defesa adequada do Réu. [...] 7. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para trancar a Ação Penal n. 0352.18.002654-9 apenas com relação aos crimes previstos nos arts. 46, parágrafo único, e 60, ambos da Lei n. 9.605/1998, por inépcia da denúncia. De ofício, declarada extinta a punibilidade do Paciente quanto aos mencionados delitos, pela prescrição da pretensão punitiva." (HC n. 504.357/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 15/12/2020, DJe de 18/12/2020.) "[...] 2. O art. 60 da Lei n. 9.605/1998 é norma penal incriminadora em branco, visto que a configuração de seu preceito primário pressupõe o descumprimento de outro ato normativo (complementar) que regulamente as atividades potencialmente poluentes a que tal dispositivo se refere. 3. Na espécie, a denúncia não atende o disposto no art. 41 do Código de Processo Penal, pois não descreve, por completo, a conduta delitiva, já que apenas afirma genericamente que houve o funcionamento de atividade potencialmente poluidora sem autorização, qual seja, a queimada de plantio de cana-de-açúcar, deixando de mencionar a legislação complementar a que se refere a aludida obrigação de natureza administrativa e ambiental, o que, quando menos, dificulta a compreensão da acusação e, por conseguinte, o exercício do direito de defesa. 4. O vício da exordial acusatória, de igual forma, prejudica a defesa da pessoa jurídica corré, razão pela qual a ela devem ser estendidos os efeitos deste provimento jurisdicional. 5. Recurso ordinário provido, para reconhecer a inépcia da denúncia oferecida contra o recorrente e a pessoa jurídica e, por conseguinte, determinar o trancamento da respectiva ação penal, sem prejuízo de que outra denúncia seja oferecida com a observância dos parâmetros legais." (RHC n. 64.430/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 19/11/2015, DJe de 15/12/2015.) "CRIMINAL. HABEAS CORPUS. CRIME AMBIENTAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, DA LEI Nº 9.605/98. NORMA PENAL EM BRANCO. DENÚNCIA OFERECIDA SEM EXPOSIÇÃO DA NORMA INTEGRATIVA. INÉPCIA. ORDEM CONCEDIDA. I. Denúncia oferecida pelo delito de comercialização de pescados proibidos ou em lugares interditados por órgão competente. II. Tratando-se de norma penal em branco, é imprescindível a complementação para conceituar a elementar do tipo "espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas". III. O oferecimento de denúncia por delito tipificado em norma penal em branco sem a respectiva indicação da norma complementar constitui evidente inépcia, uma vez que impossibilita a defesa adequada do acusado. Precedentes. IV. Ordem concedida." (HC n. 174.165/RJ, relator Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 1/3/2012, DJe de 8/3/2012.)

Na hipótese em apreço, razão assiste à combativa Defesa e constatada está a ilegalidade flagrante porquanto, conforme se verifica dos excertos acima colacionados, em que pese a denúncia descreva as condutas delitivas acometidas ao recorrente, deixa de mencionar a legislação regulamentadora necessária à complementação das citadas normas penais em branco, no caso os artigos 38, 38-A, 41 e 60, todos da Lei n. 9.605/1998, o que contraria o entendimento sedimentado deste Superior Tribunal de Justiça sobre o tema.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para conceder a ordem e determinar o trancamento parcial da Ação Penal n. 0248251-25.2016.8.13.0145, no que concerne aos delitos previstos nos artigos 38, 38-A, 41 e 60, todos da Lei n. 9.605/1998, sem prejuízo de que outra denúncia seja oferecida com a observância dos parâmetros legais. Comunique-se, com urgência, ao Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Juiz de Fora/MG e ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para que tome as providências necessárias ao cumprimento desta decisão. Publique-se. Intimem-se.

Relator

MESSOD AZULAY NETO

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 212715 - MG (2025/0081350-3) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO, Publicação no DJEN/CNJ de 16/06/2025)

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