STJ Jun25 - Embriagues ao Volante - Absolvição - Fragilidade das Provas - Policiais não lembravam dos Fatos em Juízo - Apenas Ratificaram o Depoimento Extrajudicial - Ferimento ao art. 155 do CPP

  Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, sem pedido liminar, impetrado em benefício de LUCIANO XXXXXXXXXXXXXO, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA no julgamento de Embargos Infringentes e de Nulidade nº 0002064-75.2017.8.24.0023/SC.

Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado à pena de 06 meses de detenção, no regime inicial aberto, além do pagamento de 10 dias-multa e 2 meses de suspensão ou proibição de se obter a permissão ou habilitação para conduzir veículos automotores, pela prática do crime tipificado no art. 306 da Lei 9.503/97; substituída a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade.

O Tribunal de origem, por maioria de votos, negou provimento à apelação interposta pelo paciente, em acórdão assim ementado (fl. 445/452):

"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). SENTENÇA CONDENATÓRIA. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR AUSÊNCIA DE PROVA JUDICIAL. NÃO ACOLHIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE ESTAMPADAS NO CADERNO PROCESSUAL, POR MEIO DA PROVA DOCUMENTAL E ORAL, QUE DÃO CONTA DE QUE O RECORRENTE CONDUZIU SEU VEÍCULO SOB INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL. EMBRIAGUEZ COMPROVADA PELO EXAME DE ETILÔMETRO, PROVA IRREPETÍVEL, ALIADA AOS RELATOS EXTRAJUDICIAIS DOS AGENTES PÚBLICOS QUE, EMBORA NÃO TENHAM RECORDADO DOS FATOS EM JUÍZO, CONFIRMARAM SUAS ASSINATURAS NOS DOCUMENTOS EXTRAJUDICIAIS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ATACADA QUE SE IMPÕE. PLEITEADA A APLICAÇÃO DE PENA EXCLUSIVA DE MULTA, EM VEZ DE SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DE DIREITOS, NOS TERMOS DO ART. 44, §2º, DO CÓDIGO PENAL. IMPROCEDÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO. OPÇÃO, ADEMAIS, PREVISTA NO ART. 312-A, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. " Os embargos infringentes foram opostos pelo paciente e Tribunal a quo a eles negou provimento, conforme a seguinte ementa (fl. 479/486): "EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ART. 306 DA LEI 9.503/1997). PRETENSÃO DE PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO A FIM DE RECONHECER A ABSOLVIÇÃO EM RAZÃO DA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. EMBARGANTE PRESO EM FLAGRANTE NA CONDUÇÃO DE MOTOCICLETA COM A CAPACIDADE PSICOMOTORA ALTERADA EM RAZÃO DA INGESTÃO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS. TESTE DE ALCOOLEMIA, QUE POSSUI NATUREZA DE PROVA IRREPETÍVEL, CORROBORADO PELOS DEPOIMENTOS DOS AGENTES PÚBLICOS. OBSERVÂNCIA DO ART. 155 DO CPP. PRECEDENTES. PREVALÊNCIA DO VOTO VENCEDOR. "[...] A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR DE JUSTIÇA É NO SENTIDO DE QUE NÃO OFENDE OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA A RATIFICAÇÃO JUDICIAL DE DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS REALIZADOS NA FASE INQUISITORIAL, DESDE QUE POSSIBILITADA A REALIZAÇÃO DE PERGUNTAS E REPERGUNTAS, O QUE OCORREU NO PRESENTE CASO" (STJ, MIN. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR)" (TJSC, EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE N. 0018808-83.2018.8.24.0000, DE BRUSQUE, REL. GETÚLIO CORRÊA, SEGUNDO GRUPO DE DIREITO CRIMINAL, J. 27-02-2019). EMBARGOS INFRINGENTES REJEITADOS.

No presente writ, a defesa sustenta que não houve prova produzida sob contraditório judicial que confirmasse a hipótese acusatória de que o paciente estava conduzindo o veículo no dia dos fatos.

Aduz que o teste de alcoolemia (prova irrepetível) somente comprova o consumo de álcool por parte do paciente, mas não que ele estivesse realmente conduzindo veículo na data dos fatos.

Alega que a condenação viola o art. 155 do CPP.

Requer, no mérito, a concessão da ordem para que seja absolvido o paciente por ausência de fundamentação válida para a condenação, nos termos dos arts. 155, caput, e 386, VII, ambos do Código de Processo Penal. O Ministério Público, primeiramente, solicitou a vinda de informações aos autos (fls. 500/503).

Conforme despacho de fls. 505, restou sedimentado que as informações eram totalmente dispensáveis. O Parquet opinou pelo não conhecimento do habeas corpus (fls. 507/513).

É o relatório. Decido.

Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Todavia, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.

Conforme consta dos autos, o paciente foi condenado pela prática do crime previsto no art. 306 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro – CTB), porque, no dia 4 de fevereiro de 2017, por volta das 19h20min, supostamente, conduzia a motocicleta Honda/CG 150 TITAN KS, placa MHN-9802, pela Estrada Anarolina Silveira Santos 760, bairro Vargem do Bom Jesus, Florianópolis/SC.

Na ocasião, o paciente teria sido abordado por Policiais Militares que realizavam barreira no local mencionado e constataram sinais de embriaguez, com a presença de odor etílico e olhos vermelhos.

O paciente teria sido submetido a exame de alcoolemia (bafômetro), que atestou a concentração de 0,87 miligramas de álcool por litro de ar alveolar, valor este superior àquele de 0,3 miligramas de álcool por litro de ar alveolar legalmente estabelecido como parâmetro.

Condenado pelo juízo monocrático, por maioria de votos, negou-se provimento à apelação. Não obstante o voto vencido pela absolvição, aos embargos infringentes foi negado provimento. A insurgência se dá em virtude da condenação lastreada nos depoimentos dos policiais, que, em juízo, não se recordaram dos fatos, mas ratificaram as declarações e firmas apostas nos respectivos termos de depoimentos colhidos na fase inquisitiva.

Para aclarar a situação, verifica-se que, na sentença, assim foram elencadas as provas colhidas:

“(...) A testemunha Diego Henke, policial militar, relatou que: Não me recordo dessa ocorrência. Ratifico em juízo o depoimento prestado na fase policial. O Sérgio trabalhava comigo na guarnição de trânsito. É a minha assinatura no teste de etilômetro. Esse documento é quando faz o teste de etilômetro e faz a impressão, provavelmente é o bafômetro que ele assoprou, o valor da dosagem. Diante da autoridade policial, a testemunha Diego declarou que: Nós estávamos realizando uma barreira na Carolina Silveira Santos, em frente ao numeral 760, e foi abordada essa motocicleta, conduzida pelo senhor Luciano Bento, e diante do odor etílico, falante e olhos vermelhos, a guarnição ofertou o teste de etilômetro, o qual prontamente aceitou e ao realizar o teste deu 0,87. A testemunha Sérgio Murilo Brito, policial militar, informou que: Não me recordo dessa ocorrência. Eu era lotado no 21º Batalhão. Trabalhamos bastante tempo na guarnição de acidente de trânsito. Ratifico em juízo o depoimento prestado na fase policial. Reconheço minha assinatura no documento (evento 1, P_FLAGRANTE5). Esse documento é a impressão do etilômetro. Perante a autoridade policial, testemunha Sérgio relatou que: A gente estava em barreira policial frente à Vila União, na Estrada Carolina Vieira Santos, próximo ao numeral 760, onde visualizou o condutor da motocicleta que pulou o quebra-molas, tirando a motocicleta do chão. Em seguida ele foi parado, no parar foi pedido os documentos da moto e habilitação. Já se sentiu o odor etílico dele ao falar, ele estava bem agitado, inquieto. Foi oferecido o teste de etilômetro e ele se prontificou a realizar o teste, dando 0,87 no teste de etilômetro. Diante dos fatos foi conduzido até a central de polícia para as procedências, e ele se negou a assinar o teste. Em seu interrogatório, o réu Carlos Eduardo Marques manifestou-se pelo seu direito de permanecer em silêncio. (...)”. No acórdão prolatado quando do julgamento da apelação, os fundamentos foram apresentados da seguinte forma: “(...) Analisando os autos, divirjo do voto do Excelentíssimo Desembargador Relator, Sérgio Rizelo, quanto à absolvição. Isso porque, embora os Policiais não tenha se recordado em juízo acerca dos fatos, uma vez que transcorrido período de sete anos entre o ilícito e a Audiência de Instrução e Julgamento, eles confirmaram suas assinaturas nos documentos produzidos na etapa extrajudicial, entre eles o teste do etilômetro. Aliás, o teste do etilômetro é prova irrepetível, conforme ressalva prevista no art. 155, do CPP: "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas". Por fim, nos embargos infringentes, a motivação residiu no seguinte quadro: “O embargante requer a prevalência do voto vencido proferido pelo Exmo. Des. Sérgio Rizelo, no sentido de conhecer e prover o recurso de apelação, a fim de absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 306, caput, do CTB, nos termos dos arts. 155, caput, e 386, VII, do Código de Processo Penal. Argumenta para tanto que "[...] diferentemente do que assentou a posição majoritária, o teste de alcoolemia (prova irrepetível) somente comprova o consumo de álcool por parte do EMBARGANTE", mas não a conduta de dirigir o veículo, e diante da ausência de prova judicializada nesse sentido, sua absolvição seria medida de rigor. No entanto sem razão. Pelo que se infere dos autos, no dia 4 de fevereiro de 2017, por volta das 19h20min, na Estrada Anarolina Silveira Santos 760, bairro Vargem do Bom Jesus, nesta Capital, durante barreira policial, o Embargante Luciano Bento foi surpreendido por Policiais Militares, conduzindo motocicleta Honda/CG 150 TITAN KS, placas MHN-9802, com sua capacidade psicomotora alterada em razão da ingestão de bebidas alcóolicas. Durante a respectiva abordagem, os agentes públicos constataram os sinais de embriaguez de Luciano Bento, consistentes em odor etílico, olhos vermelhos, agitação e o fato de estar falante, ocasião em que realizado exame de alcoolemia (bafômetro), que atestou concentração de 0,87 miligramas de álcool por litro de ar alveolar (evento 1, DOC5). No tocante ao crime previsto no art. 306, caput, e §1º, inciso I, da Lei 9.503/1997, convém ressaltar, de início, que a subsunção dos fatos à conduta criminosa prescinde da comprovação da alteração psicomotora e da demonstração do risco efetivo ou potencial à incolumidade pública. Isso porque, por se tratar de crime formal e de perigo abstrato, basta a constatação de concentração de álcool no sangue acima do patamar descrito em lei ou a configuração de outras circunstâncias que demonstrem a alteração da capacidade psicomotora, do que se dessume o perigo à coletividade. Como destacado na sentença, a materialidade e a autoria delitiva restaram devidamente comprovadas por meio do "Auto de Prisão em Flagrante nº 527.17.00071, Boletim de Ocorrência de Registro nº 00527-2017-0000172 e Teste de Etilômetro nº 091248, em que foi constatada concentração de álcool em 0,87 miligrama de álcool por litro de ar alveolar" (evento 170, DOC1), e dos depoimentos colhidos na fase indiciária devidamente ratificados sob o crivo do contraditório. Ressalte-se, no ponto, que "a comprovação de sinais de alteração da capacidade psicomotora só pode ser realizada no momento da infração, mormente porque se trata de prova não repetível" (Apelação Criminal 0001066-90.2015.8.24.0019, Quinta Câmara Criminal, rel. Des. Luiz Neri Oliveira de Souza, j. 21.2.2019). (...) Como se vê, os depoimentos dos agentes públicos, na etapa investigativa, foram firmes e coerentes no sentido de que, no dia dos fatos, o Embargante Luciano Bento conduzia motocicleta Honda/CG 150 TITAN KS, placas MHN-9802, com a capacidade psicomotora alterada em razão da ingestão de bebidas alcoólicas, o que foi confirmado pelo teste de alcoolemia, ao evidenciar índice de 0,87 mg/L de concentração alcoólica por litro de ar expelido pelos pulmões. Dessa forma, ao contrário do aferido pelo Embargante, ainda que os policiais militares não tenham se recordado nitidamente da ocorrência em juízo, ratificaram o teor de suas narrativas da fase extrajudicial, bem como confirmaram a autenticidade dos dados constantes no exame de alcoolemia, subscrito por eles (evento 1, DOC5), não havendo, portanto, o que se falar em fragilidade probatória quanto à materialidade delitiva, uma vez que o conjunto probatório somado ao teste realizado em aparelho etilômetro, o qual constitui meio apto a aferir a embriaguez do condutor, ante sua natureza não repetível, são aptos a legitimar o decreto condenatório. (...) Diante das particularidades, a constatação de concentração de álcool no ar expelido pelos pulmões acima do patamar descrito em lei aliada às declarações dos policiais militares que realizaram a abordagem é suficiente a atrair a presunção de que o Embargante conduziu motocicleta com a capacidade psicomotora alterada em razão da ingestão de bebidas alcoólicas. Desse modo, embora o Embargante sustente que o contexto probatório é insuficiente, não logrou êxito em derruir os elementos de prova colhidos, consubstanciados no teste de alcoolemia e depoimentos firmes e coerentes dos agentes públicos, ônus que lhe incumbia, nos termos do art 156 do Código de Processo Penal, não havendo que se falar em prevalência do voto vencido do Exmo. Sr. Des. Sérgio Rizelo e na almejada absolvição, nos termos dos arts. 155, caput, e 386, VII, do Código de Processo Penal. (...)”.

Analisando os fundamentos lançados, é inegável que a prova pericial (tese de alcoolemia) demonstrou a materialidade do crime. Contudo, a autoria e dinâmica dos acontecimentos ficou a cargo da prova oral. Neste aspecto, como visto, as testemunhas policiais, ouvidos sob o manto do contraditório e da ampla defesa, atestaram que não se recordavam dos fatos e se limitaram a dizer que ratificavam as respectivas falas na unidade policial e reconheciam a veracidade das aludidas firmas apostas nos termos de depoimento da fase inquisitiva.

Nenhuma outra prova oral foi colhida em juízo.

Sobre a questão, é certo que o legislador ordinário vedou, expressamente, a condenação em processos criminais baseada apenas em elementos de informação produzidos no inquérito policial, consoante o disposto no art. 155, caput, do Código de Processo Penal, in verbis:

"O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas".

Portanto, não se admite, no ordenamento jurídico pátrio, a prolação de um decreto condenatório fundamentado, exclusivamente, em elementos informativos colhidos durante o inquérito policial, no qual inexiste o devido processo legal (com seus consectários do contraditório e da ampla defesa).

No entanto, é possível que se utilize deles, desde que sejam repetidos em juízo ou corroborados por provas produzidas durante a instrução processual. Sobre a temática, cito a compreensão doutrinária:

“10.1.13.1 O valor dos elementos informativos do inquérito policial. (...) Já no caso de provas constituendas, que decorrem de fontes pessoais e devam ser produzidas em contraditório de partes, perante o juiz da causa, em regra, não poderá ser valorado na sentença um elemento gnosiológico obtido no inquérito. Isso porque a oitiva de tal pessoa – testemunha ou vítima – pela autoridade policial não se dá em contraditório de partes e perante um juiz terceiro e imparcial. Quando muito, tal depoimento poderá servir de confronto, com outro prestado em contraditório de partes perante o juiz, para, a partir de contradições e divergências de conteúdo, dar-se maior, menor ou mesmo nenhum peso, por falta de credibilidade do depoente, ao conteúdo do depoimento. Jamais, porém, se poderá optar por uma cômoda aceitação da versão proferida inquisitorialmente no inquérito, ao invés do depoimento de conteúdo diverso prestado em contraditório de partes. Seria ignorar totalmente o potencial heurístico do contraditório, enquanto mecanismo dialético de verificação da resistência de uma tese a hipóteses conflitantes. Essa distinção é fundamental para uma interpretação da regra geral da primeira parte do art. 155, caput, do CPP, quando prevê: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação”. A toda evidência, lex dixi plus quam voluit. A restrição não dita pelo legislador, mas decorrente do regime de aplicação diferenciada do regime do contraditório em relação aos meios de prova hauridos de fontes reais é: “o juiz poderá formar a sua convicção pela livre apreciação da prova pré-constituída colhida na investigação, desde que a submeta ao posterior contraditório judicial”. 10.1.13.2 O valor dos elementos não produzidos em contraditório: corroboração. O CPP não veda a valoração dos elementos de informação colhidos no inquérito policial. Muito menos, prevê a exclusão física dos autos do inquérito policial, depois de instaurado o processo penal. A restrição prevista no tantas vezes lembrado art. 155 do CPP, apenas impossibilita o juiz formar o seu convencimento exclusivamente com base nos elementos de informação colhidos no inquérito policial. Não se trata, pois, de regra de exclusão absoluta, mas de limite legal à valoração, como uma espécie de prova legal negativa. O legislador estabelece a insuficiência probatória do inquérito para, isoladamente, fundamentar uma condenação penal. (...) Neste caso, porém, é preciso estabelecer o sentido da corroboração exigido pelo art. 155 do CPP. Inicialmente, como já exposto, tal corroboração só será exigida quando se tratar de fonte pessoal de prova, isto é, no caso de depoimento de testemunha ou de declarações do ofendido prestadas inquisitorialmente no inquérito policial. De outro lado, o advérbio exclusivamente do art. 155 do CPP deve ser entendido em seu sentido substancial, e não formal. Tanto os elementos de informação do inquérito quanto as provas em contraditório devem ser convergentes, apontando para um convencimento judicial no mesmo sentido. Não será possível ao julgador, no caso em que haja provas produzidas em contraditório em um sentido, e elementos colhidos no inquérito no outro sentido, ficar com essa versão e, com base nela, condenar o acusado. Nesse caso, substancialmente, o acusado terá sido condenado exclusivamente com base nos elementos de formação colhidos no inquérito, sem a observância do contraditório”. (BADARÓ Gustavo Henrique, Processo Penal, Thomson Reuters, 2025, 13ª edição, p.443/446).

Se por um lado, existe prova pericial (irrepetível), por outro, a prova colhida em juízo é frágil, já que os policiais ouvidos não se recordaram dos fatos. O paciente, por sua vez, permaneceu em silêncio.

Dessa forma, diante da inexistência de acervo probatório produzido sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a absolvição do paciente é medida que se impõe.

Destaco que não se trata de revolvimento probatório, mas sim de análise da tese trazida à apreciação estritamente de acordo com a interpretação do que dos autos consta. Aliás, a solução declinada, qual seja, a absolvição por ausência de prova judicializada se alinha aos precedentes desta Corte Superior de Justiça, a saber:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL RETRATADA EM JUÍZO. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS JUDICIALIZADAS DA AUTORIA DELITIVA. ÔNUS DA ACUSAÇÃO. IN DUBIO PRO REO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A confissão extrajudicial, posteriormente retratada e não corroborada por outros elementos produzidos sob o crivo do contraditório, não é suficiente para fundamentar a condenação. 2. A teor do art. 155 do Código de Processo Penal, é inadmissível que a condenação do réu seja fundada exclusivamente em elementos de informação colhidos durante o inquérito e não submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa, ressalvadas as provas cautelares e irrepetíveis. 3. Na hipótese, ressalvados os indícios apontados no inquérito policial, a acusação deixou de apresentar provas, no decorrer da instrução criminal, para dar suporte à condenação. 4. O direito penal não pode se contentar com suposições nem conjecturas, de modo que o decreto condenatório deve estar amparado em um conjunto fático-probatório coeso e harmônico. É sempre bom lembrar que, no processo penal, havendo dúvida, por mínima que seja, deve ser em benefício do réu, com a necessária aplicação do princípio do in dubio pro reo. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.365.210/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 12/9/2023.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AUTORIA DELITIVA NÃO COMPROVADA. VÍTIMA NÃO PRESTOU DEPOIMENTO EM JUÍZO. POLICIAIS MILITARES DECLARARAM NÃO SE LEMBRAR DA OCORRÊNCIA. RÉU REVEL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO ABSOLUTÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Não se admite, no ordenamento jurídico pátrio, a prolação de um decreto condenatório fundamentado, exclusivamente, em elementos informativos colhidos durante o inquérito policial, no qual inexiste o devido processo legal (com seus consectários do contraditório e da ampla defesa). 2. No entanto, é possível que se utilize deles, desde que sejam repetidos em juízo ou corroborados por provas produzidas durante a instrução processual. 3. Na hipótese, apesar de a materialidade delitiva encontrar-se nos autos, não há elementos probatórios suficientes aptos a comprovar a autoria do delito, porquanto a vítima nunca foi encontrada para depor em juízo, o acusado é revel e os policiais militares declararam não se lembrar dos fatos. 4. Assim, conclui-se que não foram apresentadas provas produzidas em juízo que apontassem o agravado como autor da lesão corporal. 5. É pertinente ressaltar, por oportuno, que não se trata, no caso, de negar validade ao depoimento da vítima, mas sim de impedir a condenação do acusado com base em declaração fornecida apenas em âmbito extrajudicial e não corroborada por nenhuma outra prova judicializada dos autos. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 1.958.274/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 29/11/2022.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. POLICIAIS MILITARES DECLARARAM NÃO SE RECORDAR DA OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS JUDICIALIZADAS DA AUTORIA DELITIVA. ÔNUS DA ACUSAÇÃO. IN DUBIO PRO REO. 1. "A teor do art. 155 do Código de Processo Penal, é inadmissível que a condenação do réu seja fundada exclusivamente em elementos de informação colhidos durante o inquérito e não submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa, ressalvadas as provas cautelares e irrepetíveis" (AgRg no AREsp n. 2.365.210/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/9/2023, DJe de 12/9/2023. 2. No caso, apesar de evidenciada a materialidade delitiva, não foi produzida prova judicializada apta a comprovar a autoria do delito, porquanto as testemunhas policiais, quando ouvidas em juízo, declararam não se recordar dos fatos, tendo apenas ratificado o teor das declarações prestadas perante a Autoridade policial, mediante confirmação de suas assinaturas no termo de depoimento de condutor. 3. Não foram, portanto, apresentadas provas produzidas em juízo que apontassem os agravantes como autores do delito de tráfico. 4. Reconsideração da decisão monocrática proferida às fls. 380-382, tornando-a sem efeito, para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial, a fim de absolver os agravantes do delito de tráfico de drogas, porquanto ausente prova judicializada, produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, apta a sustentar uma condenação. AgRg no AREsp 2153167 / ES AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2022/0190147-2 Relator Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT) (8420) Órgão Julgador T6 - SEXTA TURMA Data do Julgamento 14/05/2024 Data da Publicação/Fonte RSTJ vol. 273 p. 923 DJe 17/05/2024). DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE PROVAS JUDICIALIZADAS DA AUTORIA DELITIVA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA RESTABELECIDA. AGRAVO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que concedeu a ordem de ofício para restabelecer a decisão absolutória de primeiro grau. 2. O juiz de primeiro grau absolveu o acusado por insuficiência de provas, destacando a fragilidade dos elementos probatórios e a nulidade dos atos praticados pelos policiais, que não se recordaram dos fatos em juízo. 3. A Corte de origem, ao prover o recurso ministerial, considerou suficientes as provas obtidas na fase policial para a condenação, destacando a natureza permanente do crime de tráfico de drogas. II. Questão em discussão 4. A questão em discussão consiste em saber se a condenação do réu pode ser mantida com base apenas em provas colhidas na fase inquisitorial, sem a devida confirmação em juízo. III. Razões de decidir 5. A condenação do réu não pode ser fundamentada exclusivamente em elementos de informação colhidos durante o inquérito e não submetidos ao contraditório e à ampla defesa. 6. A ausência de provas judicializadas aptas a comprovar a autoria do delito impede a manutenção da condenação, conforme entendimento reiterado desta Corte. IV. Dispositivo e tese 7. Agravo desprovido. Tese de julgamento: "1. A condenação do réu não pode ser fundamentada exclusivamente em provas colhidas na fase inquisitorial. 2. A ausência de provas judicializadas impede a manutenção da condenação." Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 155; CPP, art. 386, III. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2.365.210/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 05.09.2023; STJ, AgRg no AREsp 2.153.167/ES, Rel. Min. Jesuíno Rissato, Sexta Turma, julgado em 14.05.2024. (AgRg no HC 949456 / GO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS 2024/0369412-0 Relator Ministro RIBEIRO DANTAS (1181) Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA Data do Julgamento 19/02/2025 Data da Publicação/Fonte DJEN 27/03/2025).

Ante o exposto, nos termos do art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do writ. Entretanto, concedo a ordem de ofício para absolver o paciente do crime de embriaguez ao volante, porquanto ausente prova judicializada, produzida sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, apta a sustentar uma condenação. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 961728 - SC (2024/0437225-1) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 17/06/2025)

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