STJ Jun25 - Júri - Homicídio - AIJ anulada - Réu Inicialmente Ouvido na Qualidade de Testemunha - sem Advogado e sem direito ao Silêncio - Consecutiva revogação de cautelares

 Carlos Guilherme Pagiola



DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de XXXXXX, contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O Tribunal de São Paulo denegou a ordem em habeas corpus.

O impetrante aponta irregularidade no procedimento de reconhecimento fotográfico, nulidade na audiência de instrução e julgamento, ausência de justificativa e excesso de prazo para o aditamento da denúncia e negativa ao acesso aos dados da testemunha protegida.

Assim, busca a concessão da ordem para trancamento da ação penal. Liminar indeferida, às fls. 419-420. Informações prestadas, às fls. 427-441 e 446-447. O Ministério Público Federal opina pelo não provimento, às fls. 481-488.

É o relatório. DECIDO.

Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. A Defesa requer , em suma: 1) violação ao artigo 226 do CPP, que estabelece o procedimento para reconhecimento de pessoas, 2) abuso de autoridade 3) alegação de nulidade da audiência realizada em 14/11/2023, por violação do direito ao silêncio e da necessidade de defesa técnica, 4) Inexistência de fato novo que justificasse o aditamento da denúncia, o que configurou uma violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório. 5) Excesso de prazo no aditamento da denúncia e 6) Negativa ao acesso aos dados da testemunha Protegida.

Inicialmente, cito o acordão ora guerreado:

EMENTA HABEAS CORPUS HOMICÍDIO QUALIFICADO Ausência de contemporaneidade da medida extrema Cautelares suficientes, especialmente pelo fato do paciente ter sido ouvido, primeiramente, como testemunha e ainda pela ausência de antecedentes criminais - Ordem concedida, sendo ratificada a liminar, para manter a liberdade provisória do paciente, com a imposição das medidas cautelares já mencionadas.

Ainda de acordo com o voto condutor do referido acordão " o paciente não possui antecedentes criminais (fls. 386/388, feito principal n° 1501409-44.2023.8.26.0126). Por isso, as medidas cautelares são suficientes, especialmente pelo fato do acusado ter sido ouvido, primeiramente, na condição de testemunha.

Portanto, concessa vênia, há manifesta ilegalidade, sendo de rigor a manutenção da liberdade provisória, mediante condições. Pelo exposto, por meu voto, CONCEDE-SE a ordem de habeas corpus, para, ratificada a liminar, manter a liberdade provisória outrora concedida ao paciente Jaides Lucio da Silva, mediante a imposição das medidas cautelares já determinadas".

Pela leitura dos autos, o paciente teve prisão temporária decretada em 20/10/2023, pela suposta prática do delito previsto no art. artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal, após depoimento da Testemunha Protegida, cujo termo de declaração só foi juntado aos autos após 5 (cinco) meses.

De acordo com as informações. o paciente foi ouvido em sede de AIJ, em 14/11/2023, como testemunha de acusação, sem presença de um advogado ou de direito ao silêncio, momento no qual foi preso.

Ressalta o impetrante que os policiais ouvidos como testemunhas do fato responderam questionamentos do parquet acerca do relato da testemunha protegida – até então não juntado aos autos -, o qual imputou coparticipação ao paciente.

Inobstante não ter o paciente confessado o delito, fato é que ele foi tratado como objeto de investigação durante o juízo em que prestava depoimento na qualidade de testemunha. Portanto, vislumbro ausentes os direitos e garantias constitucionais inerentes ao devido processo legal.

Neste sentido, correto o argumento defensivo que concluiu pelo patente prejuízo gerado ao paciente por não ter tido a oportunidade de se defender em audiência após o parquet questionar duas testemunhas sobre a sua possível participação nos fatos.

Frisa-se que, além de já haver mandado de prisão expedido contra o paciente no momento em que ele foi ouvido como testemunha, a declaração da testemunha protegida em fase de inquirição – que imputou a ele participação nos fatos e fundamentou o seu decreto de prisão – sequer havia sido juntado aos autos, de modo que houve inegável violação ao seu direito à ampla defesa e ao contraditório.

Verifico que o paciente foi tratado como testemunha de acusação e não como sujeito de investigação. Conforme aduz a Defesa , às fls. 11, "já tinha sido decretado a Prisão Temporária do mesmo, e também, não arrolou a testemunha protegida, para que pudesse se auferir um contraditório e corroborar as versões absurdas da dita testemunha protegida.

Tendo ainda na referida audiência feito questionamentos aos policiais sobre o depoimento da testemunha protegida, conforme já exposto anteriormente”. Diante de tais considerações, vislumbro a existência de flagrante ilegalidade passível de ser sanada no presente writ apenas a partir da oitiva do Paciente sem observância ao devido processo legal na condição de réu e não de testemunha, ou seja, a nulidade dos atos processuais deve ser produzir efeitos tão somente a partir da audiência datada de 14/11/2023, preservando todos os demais atos processuais anteriores à referida AIJ.

No que tange as demais teses defensivas alegadas, ressalto que é iterativa a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de ser imprópria a via do habeas corpus (e do seu recurso) para a análise de teses que demandem incursão no acervo fático-probatório. Tais questões demandaria reexame de provas e dependeria de dilação probatória, o que é vedado na estreita via do Habeas Corpus.

Por fim, cabe consignar , apenas a titulo de esclarecimento , que a eventual não observância do art. 226 do CPP não macula a ação penal se há outras provas incriminadoras produzidas em juízo suficientes para sustentar um decreto condenatório, como por exemplo, prova testemunhal colhida na instrução, confirmação da versão da vítima , tudo conforme precedentes desta Corte.

Desse modo, verifico a flagrante ilegalidade apontada nestes autos que desafie a concessão da ordem de ofício , nos termos do parágrafo 2º do artigo 654 do Código de Processo Penal.

Ante o exposto, concedo a ordem em habeas corpus para declarar nulo a audiência de instrução em julgamento realizada em 14/11/2023 e todos os atos processuais subsequentes a referida AIJ , cabendo ao Juiz Natural refazer a instrução processual , sob o crivo do devido processo legal , devendo à Defesa ter acesso aos autos de forma integral .

Em razão da ordem concedida , revogo ainda as medidas cautelares impostas ao paciente, visto que foram impostas pelo Tribunal em março de 2024, ou seja, em data posterior à referida audiência ora declarada nula , tudo sem prejuízo de nova decretação de segregação cautelar ou aplicação de medidas cautelares diversas pelo Juízo Natural por outros fundamentos. Comunique-se à Ordem ao Juiz Natural. Publique-se. Intimem-se.

Relator

MESSOD AZULAY NETO

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 934014 - SP (2024/0287473-0) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO, Publicação no DJEN/CNJ de 06/06/2025)

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