STJ jun25 - Justiça Eleitoral - Competência absoluta - Crimes comuns com eleitorais - Estelionato, Fraude a Licitação (fins eleitorais para caixa 2)
DECISÃO
Trata-se de agravo regimental interposto por THIAGOXXXXXX contra decisão por meio da qual deneguei a ordem (e-STJ fls. 318/338). Depreende-se dos autos a instauração do Inquérito Policial n. 5053793-62.2020.4.04.7000/PR visando apurar denúncias de possível prática dos crimes previstos nos arts. 171, § 3º, do Código Penal, e 89, parágrafo único, e 90, ambos da Lei n. 8.666/1993, por fraude em procedimentos licitatórios e desvio de verbas públicas na área da saúde, envolvendo a contratação de empresas de serviços terceirizados por municípios, diretamente ou por intermédio de organizações sociais.
O Juízo Federal proferiu decisão no Pedido de Quebra de Sigilo n. 5020790- 48.2022.4.04.7000/PR, declinando da competência em favor da Justiça Eleitoral do Estado do Paraná para o processamento do feito.
Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito, ao qual foi dado provimento pelo Tribunal de origem, ficando o acórdão assim ementado (e-STJ fl. 26, grifei):
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIMES DE COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL. 1. Os crimes eleitorais são aqueles que, além de sua tipificação no Código Eleitoral, violam o bem jurídico tutelado relacionado à liberdade do exercício do voto, à regularidade do processo eleitoral e à preservação da democracia. 2. Para que o processamento e o julgamento de feito seja submetido à Justiça Eleitoral é necessário que, na denúncia, haja a narrativa direta do cometimento de crime tipificado na legislação especial, ainda que não capitulado na inicial acusatória. 3. Não se afigura suficiente a firmar a competência da Justiça Eleitoral para a análise de um feito, ampla imputação envolvendo vantagens indevidas a partidos e/ou agentes políticos com possível finalidade eleitoral, nem declarações prestadas em depoimento de colaborador premiado, quando tal narrativa não tiver sido objeto da denúncia e cujas investigações apontem para a prática dos crimes com objetivo de enriquecimento ilícito.
No Superior Tribunal de Justiça, a defesa sustentou a competência da Justiça eleitoral para processamento do feito, ao argumento de que "a investigação abarca crimes descritos no art. 350 do Código Eleitoral, conexos a crimes comuns investigados, a atrair a competência da Justiça Eleitoral" (e-STJ fl. 22).
Aduziu que a denúncia menciona ter sido o agravante doador nas campanhas eleitorais de Pier Paolo Petruzziello para vereador, em 2016, e para deputado estadual, em 2018. Diante dessas considerações, requereu (e-STJ fls. 23/24):
4.1 Liminarmente, seja determinada a imediata suspensão do Inquérito Policial nº 5053793-62.2020.404.7000, e de feitos a ele correlatos, até o julgamento definitivo do presente Habeas Corpus; 4.2 No mérito, seja concedida a ordem de Habeas Corpus para sanar o constrangimento ilegal imposto ao Paciente, reconhecendo a competência da Justiça Eleitoral para investigar os fatos narrados no Inquérito Policial nº 5053793-62.2020.404.7000. 4.3 Por fim, sejam os Impetrantes intimados da inclusão do presente feito na pauta de julgamento, que poderá ser feito pelos e-mails paulatorres@badaroadvogados.com.br e giovanna@badaroadvogados.com.br ou pelo telefone: (11) 3079-5357, uma vez que pretendem sustentar oralmente as suas razões de impetração. Às e-STJ fls. 318/338, deneguei a ordem.
Daí o presente agravo regimental, no qual a defesa alega que, "na fase de Inquérito Policial, havendo indícios da prática de crime eleitoral, conexo à crime comum, o feito deve ser imediatamente ser remetido à Justiça Eleitoral" (e-STJ fl. 324, grifei).
Acrescenta que, "[a]pós a instauração do Inquérito Policial, foi enviado ofício à Controladoria Geral da União para análise de informações a respeito dos fatos que envolviam verbas federais. Em resposta, o referido órgão elaborou a Informação nº 985, que acrescentou novo fato a investigação, que indiscutivelmente também tinha natureza eleitoral.
A referida informação resumiu, entre outros, o Relatório de Inteligência Financeira RIF/COAF nº 60350, que indicava a existência de transferência de valores, em 2018, da empresa ATENA SERVIÇOS MÉDICOS LTDA (grupo HYGEA), para o investigado Gustavo Volpato Melo e, a seguir, deste para o comitê eleitoral de campanha de PIERPAOLO PETRUZZIELLO [...] a suposta doação indireta da empresa ATENA SERVIÇOS MÉDICOS LTDA à campanha de PIERPAOLO PETRUZZIELLO, narrada no supracitado RIF/COAF não foi mencionada na representação policial. [...] Tampouco foram incluídos, entre os mais de 160 documentos que instruíram o pedido, o Relatório nº 985 , da CGU, e o respectivo RIF/COAF, juntados ao Inquérito Policial " (e-STJ fl. 329, grifei).
Requer a reconsideração da decisão ou a submissão da matéria ao órgão colegiado.
É o relatório. Decido.
Alega a defesa, no presente feito, que "a investigação abarca crimes descritos no art. 350 do Código Eleitoral" (e-STJ fl. 22), circunstância que reclamaria o encaminhamento dos autos para a Justiça especializada. Conforme relatado, o inquérito policial foi instaurado visando apurar denúncias de possível prática dos crimes previstos nos arts. 171, § 3º, do Código Penal, e 89, parágrafo único, e 90, ambos da Lei n. 8.666/1993, por fraude em procedimentos licitatórios e desvio de verbas públicas na área da saúde, envolvendo a contratação de empresas de serviços terceirizados por municípios, diretamente ou por intermédio de organizações sociais.
Considerando tais informes, a autoridade policial requereu a quebra de sigilos fiscais e bancários em desfavor do ora agravante e demais investigados. O Juízo Federal declinou da competência para a análise do pedido, com esteio nos seguintes fundamentos (e-STJ fls. 159/162, grifei):
Conforme indicado pelo MPF (evento 4, REPRESENTACAO_BUSCA1 - pág. 4), as condutas podem subsumir aos delitos descritos nos artigos Art. 171, § 3º do Código Penal (crime de estelionato), Art. 89, Parágrafo Único (dispensar licitação ou não a exigir fora das hipóteses legalmente previstas, e deixar de observar as formalidades da lei) e 90 (fraudar o caráter competitivo de licitação) da Lei 8.666/1993, além de outras que porventura forem constatadas no curso da investigação. Nada obstante, no contexto dos supostos criminosos investigados foram apontados elementos indiciários de que, no Município de Curitiba/PR, o grupo empresarial investigado teria sido favorecido a partir de atuação de vereador do PIERPAOLO PETRUZIELLO. Para além disso, foram mencionadas desde o início das investigações informações relacionadas a doações de campanhas eleitorais de THIAGO GAYER MADUREIRA para PIERPAOLO PETRUZIELLO (para as campanhas eleitorais de 2016 e 2018). Foram mencionados, também, indícios de que o vereador tivesse relação societária com o grupo empresarial investigado. [...] No parecer do evento 10 (evento 10, PARECER 1) o MPF apresentou robusta argumentação objetivando afastar qualquer possibilidade de enquadramento dos fatos investigados nos tipos legais dos crimes eleitorais. Todavia, entendo que não é atribuição do MPF, como também não compete ao Juízo Federal, promover tal análise. A atribuição é do Ministério Público Eleitoral e da Justiça Eleitoral. No contexto do esquema criminoso investigado foram feitas referências a doações eleitorais suspeitas nas campanhas eleitorais de 2016 e 2018. Por sua vez, a autoridade policial requereu o afastamento do sigilo bancário e fiscal dos representados para o período de 01/01/2016 a 31/03/2022. Com efeito, ainda que não seja o foco principal da investigação, a veracidade quanto aos valores das doações eleitorais declaradas acabará sendo objeto de investigação na hipótese de deferimento das medidas de quebra requeridas. Não se pode perder de vista que o Plenário do STF assentou que compete à Justiça Eleitoral o processamento das investigações quanto aos crimes eleitorais e conexos: [...] Concluo, portanto, pela declinação da competência para a Justiça Eleitoral, por entender que a investigação criminal (IPL: 2020.0110863-SR/DPF/PR) deve ser submetida à supervisão da Justiça Eleitoral, em especial para o processamento do presente pedido de quebra de sigilo de dados bancários e fiscais. 3. Conclusão 4.1. Ante o exposto, declino a competência em favor da Justiça Eleitoral do Estado do Paraná.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, assentando o entendimento de que não há se falar na prática de crime eleitoral. A seguir, transcrevo os fundamentos invocados para tanto (e-STJ fls. 28/33, grifei):
Da narrativa do MPF, foi identificado que THIAGO GAYER MADUREIRA beneficiou PIER PETRUZIELLO com doação eleitoral oficial no ano de 2016, no valor de R$ 30.000,00 - realizada com recurso de pessoa física, efetivada de forma oficial (declarada), de modo que não seria possível aventar a conduta como passível de enquadramento em qualquer crime previsto no Código Eleitoral. Além disso, conforme o MPF, a doação eleitoral oficial (ocorrida em 2016) não é contemporânea com os fatos apurados (de 2017), não sendo possível inferir, com os elementos disponíveis na investigação neste momento, vinculação do referido ato como contraprestação pela doação eleitoral. Registra o MPF que as declarações de bens prestadas por PIER PETRUZIELLO, perante a Justiça Eleitoral, são documentos públicos que objetivaram apenas demonstrar o liame existente entre PIER PETRUZIELLO e THIAGO GAYER MADUREIRA. Ressalta a inexistência de qualquer irregularidade identificada na declaração de bens ou ilícito de competência da Justiça Especial; que tanto as doações eleitorais regulares como os documentos extraídos da Justiça Eleitoral foram encartados nos autos única e exclusivamente para demonstrar a relação próxima entre PIER PETRUZIELLO e THIAGO GAYER MADUREIRA, não se verificando qualquer ilicitude na doação realizada ou irregularidades nos documentos apresentados à Justiça Eleitoral. Por esta razão, sustenta que as investigações devem prosseguir perante a Justiça Federal (evento 1, INIC1). [...] 2. Mérito Primeiramente, para que o processamento e o julgamento de feito seja submetido à Justiça Eleitoral é necessário que, na denúncia, haja a narrativa direta do cometimento de crime tipificado na legislação especial. E os crimes eleitorais são aqueles que, além de sua descrição formal típica no Código Eleitoral, violam o "bem jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático" (STJ. CC 127.101/RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 11/02/2015, D Je 20/02/2015). Assim, o reconhecimento da competência da Justiça Eleitoral para o julgamento da causa exige narrativa direta de crime tipificado na legislação eleitoral, ainda que não capitulado na inicial acusatória. [...] Em suma, nas hipóteses, foi reconhecida a competência da Justiça Eleitoral para análise, processamento julgamento dos delitos conexos porque na narrativa existia clara imputação de prática de crimes eleitorais. Nesse cenário, para que seja firmada a competência da Justiça Eleitoral para processamento e julgamento de determinado feito, não se afigura suficiente que a imputação ocorra dentro de um vasto contexto que, em tese, envolve crimes eleitorais relativos ao pagamento de vantagens indevidas a partidos e/ou agentes políticos com possível finalidade eleitoral. Por esta razão, nem mesmo a menção a crime eleitoral declarada em depoimento de colaborador premiado deslocará a competência para a Justiça Especializada, quando tal narrativa não tiver sido objeto da denúncia. [...] Pois bem. Na hipótese, sequer há denúncia oferecida. E as investigações, ainda em fase inicial, não narram a prática de crime eleitoral, mas apenas fraude em procedimentos licitatórios e desvio de verbas públicas na área da saúde, previstos nos arts. 89, parágrafo único, e 90 da Lei 8.666/1993, os quais, revogados pela Lei 14.133/2021, passaram a vigorar no Título XI (Dos Crimes Contra a Administração Pública) da Parte Especial do Código Penal, que teve acrescido o Capítulo II-B (Dos Crimes em Licitações e Contratos Administrativos). No contexto narrado, ainda que venha a se confirmar que o vereador PIER PETRUZIELLO tenha se beneficiado de doações eleitorais de campanha realizadas por THIAGO GAYER MADUREIRA, caso as investigações apontem para a prática dos crimes com objetivo pessoal - de enriquecimento ilícito - a competência permanecerá sendo da Justiça Federal, até porque a entrega de valores ilícitos a agentes e partidos políticos, por si só, não configura crime eleitoral. Conforme bem destacado pelo Des. Federal Gebran Neto, no RSE 5061313-39.2021.4.04.7000, "nesse ambiente contaminado, não são poucos os agentes públicos, políticos e empresários que se utilizaram da fragilidade instaurada para enriquecimento pessoal.". De acordo com os documentos que instruem o feito, não se vislumbra ofensa à liberdade do exercício de voto, à regularidade do processo eleitoral e à proteção da democracia, tampouco menção a crimes tipificados na legislação eleitoral, a justificar a declinação de competência (STJ. AgRg no RHC n. 122.155/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, D Je 15/9/2020). A questão foi devidamente analisada pela Procuradoria Regional da República: Não há, no escopo da investigação, qualquer alusão a eventual crime eleitoral, tanto que a decisão recorrida sequer indica quais os tipos penais de competência da Justiça Especializada estariam, a princípio, evidenciados na narrativa dos fatos. As doações eleitorais são citadas apenas para reforçar a existência de vínculos entre o vereador e outras pessoas, físicas e jurídicas, suspeitas de integrar o esquema criminoso. É o liame subjetivo entre os operadores das fraudes licitatórias que os registros de doações eleitorais (que não são contestados) reforçam; não são as doações, em si, que serão apuradas, o que evidencia o equívoco do argumento construído no fragmento que segue: a veracidade quanto aos valores das doações eleitorais declaradas acabará sendo objeto de investigação na hipótese de deferimento das medidas de quebra requeridas A quebra de sigilo não está direcionada a checar a idoneidade daqueles registros de doações eleitorais, mas para a obtenção de dados que permitam identificar as relações econômicas espúrias existentes entre as diversas entidades e pessoas físicas suspeitas. A competência para investigar crimes federais comuns, mesmo que atribuídos a detentor de mandato eletivo, é da Justiça Federal. Inexistindo perspectiva concreta de apuração de crimes eleitorais correlatos, é imprópria a declinação para a Justiça Eleitoral. Ademais, consoante informado pelo MPF, além de comprovada a legalidade, o valor da doação eleitoral oficial (R$ 30.000,00) não representa parcela significativa quando comparado aos montantes auferidos pelas empresas do Conglomerado HYGEA, decorrentes das assinaturas dos contratos emergenciais e dos êxitos nos pregões. Assim sendo, nada há a justificar a declinação de competência neste prematuro momento de investigações, pelo que o feito deve retornar ao juízo de primeiro grau para o seu prosseguimento, com a análise do pedido de quebra de sigilo formulado pela polícia. Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso.
Consoante a notícia-crime que instrui a investigação, "grupo empresarial desta capital, composto de diversas empresas vinculadas direta ou indiretamente a THIAXXXXXX [ora paciente], e que tem por atividade a prestação de serviços terceirizados de saúde, estaria gozando nos últimos anos de supostas vantagens indevidas em contratações com o Poder Público.
Dentre tais contratos estariam aqueles obtidos para a prestação de serviços médicos junto à Unidade de Pronto Atendimento do CIC, nesta Capital, feitos com a organização social INCS - Instituto Nacional de Serviços de Saúde. O INCS firmou em 2018 contrato com a Prefeitura de Curitiba para a gestão da referida unidade de saúde, e teria "quarteirizado" o objeto do contrato para as empresas de THIAGOXXXXXXXXXXXX.
Em verificação preliminar dos dados apontados na notícia recebida, foram identificadas diversas situações que apontam para a verossimilhança do quanto noticiado, narradas no Oficio 107/2020 anexo ao presente, identificando-se, ainda, que as empresas em questão possuem contratos em diversos Estados e municípios, incluindo contratos relacionados ao combate à pandemia de COVID-19 também firmados por intermédio de organização social. Valor a apurar: R$ 1000000.00 (Cem Milhões De Reais)" (e-STJ fl. 158, grifei).
Constou, ainda, que o ora recorrente, "supostamente, teria obtido êxito em certames licitatórios para a prestação de serviços médicos para a Secretaria de Saúde de Curitiba, por intermédio da Organização Social INCS - Instituto Nacional de Serviços de Saúde. E tudo teria sido pela aprovação da Lei 15.065/2017, cuja proposta e trâmite de urgência foram articuladas pelo vereador PIER PETRUZIELLO" (e-STJ fl. 28, grifei).
Para melhor delimitar o objeto deste writ, reproduzo a minuciosa manifestação do Ministério Público Estadual apresentada no Tribunal de origem, que, de forma precisa, delineou o objeto da investigação e a necessidade da representação por medidas cautelares (e-STJ fl. 35, grifei):
Não há, no escopo da investigação, qualquer alusão a eventual crime eleitoral, tanto que a decisão recorrida sequer indica quais os tipos penais de competência da Justiça Especializada estariam, a princípio, evidenciados na narrativa dos fatos. As doações eleitorais são citadas apenas para reforçar a existência de vínculos entre o vereador e outras pessoas, físicas e jurídicas, suspeitas de integrar o esquema criminoso. É o liame subjetivo entre os operadores das fraudes licitatórias que os registros de doações eleitorais (que não são contestados) reforçam; não são as doações, em si, que serão apuradas, o que evidencia o equívoco do argumento construído no fragmento que segue: a veracidade quanto aos valores das doações eleitorais declaradas acabará sendo objeto de investigação na hipótese de deferimento das medidas de quebra requeridas. A quebra de sigilo não está direcionada a checar a idoneidade daqueles registros de doações eleitorais, mas para a obtenção de dados que permitam identificar as relações econômicas espúrias existentes entre as diversas entidades e pessoas físicas suspeitas. A competência para investigar crimes federais comuns, mesmo que atribuídos a detentor de mandato eletivo, é da Justiça Federal. Inexistindo perspectiva concreta de apuração de crimes eleitorais correlatos, é imprópria a declinação para a Justiça Eleitoral.
Da leitura dos excertos transcritos, nota-se que o objeto do inquérito policial recai sobre delitos de fraude em procedimentos licitatórios e desvio de verbas públicas na área da saúde. O requerimento de quebra de sigilo de dados fiscais e bancários visa a obtenção de dados que permitam identificar as relações econômicas espúrias existentes, em tese, entre os diversos investigados.
Não há, na descrição das condutas criminosas apontadas no pedido de medida cautelar, o delineamento de condutas que caracterizem crimes eleitorais. Ao que se tem dos autos, há descrição de duas doações lícitas e declaradas na Justiça Eleitoral, realizadas pelo recorrente às campanhas eleitorais de Pier Paolo Petruzziello para vereador, em 2016, e para deputado estadual, em 2018, nos valores de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), respectivamente.
Consoante esclareceu o Parquet estadual, tais informes foram tangencialmente mencionados para indicar a relação de proximidade entre o agravante e o vereador, de modo que o pedido de deferimento de medidas cautelares não busca apurar as referidas doações.
Portanto, levando em conta a descrição dos fatos narrados no pedido de quebra de sigilo de dados fiscais e bancários, bem como nas decisões das instâncias ordinárias, não há sinalização de que parte das condutas foram realizadas com fins eleitorais.
Contudo, relevante se faz a transcrição da alegação da defesa quanto à existência de fatos reveladores de indícios de crimes eleitorais contidos nos elementos de informação do inquérito policial, senão vejamos (e-STJ fls. 333/334, grifei):
Ainda se investigava, de forma velada, uma suposta transferência indireta da empresa ATENA SERVIÇOS MÉDICOS LTDA., por intermédio do investigado Gustavo Volpato Melo, para a campanha eleitoral de PIERPAOLO PETRUZZIELLO, do ano de 2018, indicado como potencial crime eleitoral pela CGU e pelo COAF (caixa 3 eleitoral).
No ponto, importante destacar a plausibilidade da alegação ora trazida à baila, diante dos elementos de informação a seguir delineados.
Da análise dos autos, tem-se que a Controladoria Geral da União - CGU, em resposta à ofício para análise de informações a respeito dos fatos que envolviam verbas federais, resumiu o Relatório de Inteligência Financeira RIF/COAF n. 60350. Indicou, dessa forma, a existência de transferência de valores, em 2018, da empresa ATENA SERVIÇOS MÉDICOS LTDA (grupo HYGEA), para um de seus sócios (também investigado), o qual, na mesma data, transferiu integralmente o valor ao comitê eleitoral de campanha de PIERPAOLO PETRUZZIELLO.
Concluiu pela suspeita de ocorrência de recebimento indireto de recursos financeiros fornecidos por pessoas jurídicas para fins eleitorais, em afronta ao art.12 da Resolução TSE n. 23.546, de 18 de dezembro de 2017.
De fato, nas condutas ora narradas, há, em razão da descrição dos fatos, indícios da prática, em tese, de delito eleitoral, ainda que conexos a crimes comuns. Isso, porque se narra a prática conhecida por "caixa três", qual seja, falsidade na titularidade do doador, consistente em uma triangulação do dinheiro de campanha com objetivo de disfarçar o verdadeiro financiador.
Insta consignar que a Lei n. 13.165/2015, que alterou a Lei n. 9.504/1997, vedou as doações de pessoas jurídicas para as campanhas eleitorais. Tal cenário sugere o cometimento do crime descrito no art. 350 do Código Eleitoral:
Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:
O tema em exame foi apreciado pela Suprema Corte, no julgamento de agravo regimental no Inq n. 4.435/DF, no qual assentada a tese de que "compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos – inteligência dos artigos 109, inciso IV, e 121 da Constituição Federal, 35, inciso II, do Código Eleitoral e 78, inciso IV, do Código de Processo Penal".
No mesmo sentido, os seguintes julgados desta Corte:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO FIRMADA NO INQ 4.435/STF. SENTENÇA CONDENATÓRIA COM EMENDATIO LIBELLI PARA O DELITO PREVISTO NO ART. 1º, I, DO DECRETO LEI N. 201/1967 C/C ART. 29 DO CÓDIGO PENAL. GÊNESE DA IMPUTAÇÃO QUE REMONTA À PRÁTICA DE CAIXA DOIS. CONTEXTO ELEITORAL. CRIMES CONEXOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que compete à Justiça Eleitoral processar e julgar os crimes eleitorais e os crimes comuns que lhes forem conexos. Assim, constatada a existência de possível conexão entre crime de natureza comum e crime de natureza eleitoral, a questão deverá ser dirimida perante a Justiça Especializada. 2. No caso dos autos, o próprio Ministério Público se manifestou sobre a provável ligação dos fatos narrados na inicial com possível crime eleitoral, havendo, ainda, expressa menção na sentença condenatória no sentido de que há forte indício de que o desvio da quantia pública operacionalizado por meio do falso certame visava a angariar fundos para a campanha de reeleição do então prefeito do município de Palhoça/SC, sobremaneira, porque a licitação em questão teve início em fevereiro de ano eleitoral (2008 - ano da reeleição do prefeito), tendo sido efetuado o pagamento irregular em 18/9/2008, apenas duas semanas antes do pleito eleitoral. Dessa forma, constata-se a existência de contexto anterior, mais amplo e específico, cuja análise não pode ser subtraída da Justiça Eleitoral. 3. A prática conhecida por "caixa dois", ou seja, o emprego de valores, fruto de práticas delitivas, para o financiamento de campanha eleitoral, evidentemente não declarados à Justiça Eleitoral, sugere o cometimento do crime descrito no art. 350 do Código Eleitoral. 4. Os indícios da prática de atos em conexão com crime eleitoral impedem a manutenção do feito no âmbito da Justiça Comum, estadual ou federal, haja vista a prevalência da competência absoluta da Justiça Especializada, nos termos do art. 78, inciso IV, do Código de Processo Penal. 5. Verificada a efetiva indicação de crime eleitoral de "caixa 2" no contexto dos crimes imputados na presente ação penal, não é possível subtrair da Justiça Eleitoral o seu exame, em atenção, sobremodo, ao principio do juiz natural assegurado pelas regras de competência. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.137.781/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 16/11/2022.) RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO. APURAÇÃO DE CRIMES RELACIONADOS À CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA NO ÂMBITO DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO MUNICIPAL (OPERAÇÃO PECÚLIO/NIPOTI). PRETENSÃO DE ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS À JUSTIÇA ELEITORAL. CONEXÃO DOS CRIMES INICIALMENTE INVESTIGADOS COM A PRÁTICA DE CRIME DA COMPETÊNCIA DESTA JUSTIÇA ESPECIALIZADA. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DA CONEXÃO DOS CRIMES INICIALMENTE INVESTIGADOS COM A PRÁTICA DE CRIME ELEITORAL. DEPOIMENTOS DE RÉUS COLABORADORES SOBRE A FORMAÇÃO DE "CAIXA 2" PARA FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ELEITORAL ESPECIALIZADA PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DOS CRIMES ELEITORAIS E CONEXOS, A QUEM CABE, AINDA, O JUÍZO A RESPEITO DA SEPARAÇÃO, OU NÃO, DOS PROCESSOS POR CRIMES COMUNS E ELEITORAIS. 1. Do acurado exame dos depoimentos firmados por corréus, nos termos de colaboração premiada, observa-se a existência de indícios da prática de doações eleitorais por meio da formação de "caixa 2", a supor a ocorrência do crime de falsidade ideológica eleitoral (art. 350 do Código Eleitoral). 2. Hipótese em que não há como negar a conexão dos crimes inicialmente investigados com a prática de crime eleitoral, pois, ao que parece, a maior parte dos recursos ilegais, arrecadados com as atividades ilícitas praticadas pela suposta organização criminosa, na Prefeitura de Foz do Iguaçu/PR, tinha como destino o financiamento de campanhas eleitorais. 3. Existindo indícios da prática de crime eleitoral, inviável a manutenção do inquérito policial no âmbito da Justiça Federal, devendo ser respeitada a competência da Justiça especializada para processar e julgar os crimes atribuídos, uma vez que essa prevalece sobre a comum, nos termos do art. 78, IV, do Código de Processo Penal. 4. No caso de haver certa independência entre o crime de corrupção passiva e o crime eleitoral, é sempre viável ao magistrado competente deliberar sobre o desmembramento, com a remessa à Justiça Federal daquela parte que entender não ser de obrigatório julgamento conjunto. De qualquer sorte, essa decisão só pode incumbir ao Juízo inicialmente competente, que é o Eleitoral (AgRg na APn 865/DF, Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, DJe 13/11/2018). 5. Recurso em habeas corpus provido para determinar a imediata remessa dos autos do Inquérito Policial n. 5013892-52.2018.4.04.7002 à Justiça Eleitoral, a quem caberá decidir sobre a necessidade ou não de julgamento conjunto e sobre a eventual remessa de parte da investigação para processamento na Justiça Federal, nos termos do art. 80 do Código de Processo Penal. (RHC n. 116.663/PR, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 26/11/2019, DJe de 6/12/2019.)
No caso, diante da flagrante ilegalidade ora verificada, considerando a sinalização de indícios de crime eleitoral, de rigor a remessa dos autos à Justiça Especializada, a quem caberá analisar os elementos de informação, a fim de decidir sobre a competência para investigação dos fatos e apuração das condutas, bem como a reunião dos feitos. Ante o exposto, dou provimento ao agravo regimental para conceder a ordem a fim de determinar o encaminhamento dos autos à Justiça Eleitoral do Estado do Paraná. Publique-se. Intimem-se.
Relator
ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
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