STJ Jun25 - Lei de Drogas - Condenação "per relationem" Anulada - Determinação para realização de nova sentença fundamentada

 Carlos Guilherme Pagiola



DECISÃO

Agrava-se de decisão que não admitiu recurso especial interposto por JESSICA GXXXXXXX com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea "a", do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (e-STJ fl. 898):

APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. CONDENAÇÃO DE ALGUNS DOS DENUNCIADOS. APELOS MINISTERIAL E DEFENSIVOS. CONDENAÇÃO DE TODOS OS RÉUS. Lizandra confessou as práticas delituosas na Delegacia de Polícia, o que foi confortado pela prova judicializada. Conforme apurado no inquisitivo, ela teria repassado o produto ilícito a Jéssica, companheira de Jean. Restou evidenciado, ainda, que a última residência abordada pelos agentes da segurança pertencia a Fernanda, a qual, contudo, já havia deixado o local, uma vez que avisada da prisão da assecla Carla Giéli. Tudo isso foi amplamente corroborado pelos depoimentos proferidos pelos policiais auscultados judicialmente no processo e pela documentação encontrada nos aparelhos telefônicos de alguns dos denunciados. Não merece provimento, no entanto, o pedido ministerial de reconhecimento da majorante relativa à utilização de transporte público para todos os réus, mas somente para Lizandra, que efetivamente utilizou o coletivo. APENAMENTO. PLEITO DEFENSIVO DE REDUÇÃO DAS BASILARES. AFASTAMENTO. Apenas a danosa natureza do entorpecente angariado, assim como sua monstruosa quantidade - 3.659 kg de crack, justificam, de per si, todas as penas -base impostas modicamente aos condenados. Apelos defensivos improvidos, unânime. Apelo ministerial parcialmente provido, por maioria.

Nas razões do recurso especial, a parte recorrente aponta violação dos artigos 3º, 6º, III, 156, 155, 157, 158, 159, 167, 197, 200, 315, 386, VII, 400, todos do Código de Processo Penal, dos artigos 59 e 68, ambos do Código Penal, dos artigos 33, § 4º, e 35, da Lei n. 11.343/2006 e do artigo 489 do Código de Processo Civil, além dos artigos 5º, III, e XLVI e 93, IX, da Constituição Federal.

Sustenta a nulidade do aresto recorrido em razão do emprego indevido da técnica da fundamentação per relationem, sem a adição de argumentos próprios, para reformar a sentença absolutória.

Alega que a condenação foi embasada em elementos produzidos exclusivamente na fase investigativa, notadamente interceptações telefônicas e confissão informal de corré, não ratificados em juízo. Ressalta que a suposta confissão extrajudicial mencionada por agentes policiais foi posteriormente negada pela própria declarante, não podendo ser considerada prova válida.

Além disso, assevera que os depoimentos policiais não detalham qualquer conduta específica imputável à recorrente, tampouco indicam vínculo estável com organização criminosa.

Argumenta que não há vedação legal ou constitucional para o exame de provas pelo STJ e destaca que a pretensão recursal demanda uma revaloração das pravos e fatos expostos nos autos.

Indica a ausência de comprovação de estabilidade e permanência exigidas para a caracterização do crime de associação para o tráfico, previsto no art. 35 da Lei de Drogas, pleiteando a absolvição quanto a esse delito. Subsidiariamente, requer o reconhecimento da causa de diminuição prevista no §4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, com a redução da pena no patamar de 2/3 e substituição por restritivas de direitos, defendendo que a recorrente é primária, possui bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa. C

ontrarrazões às e-STJ fls. 663/672. Negou-se seguimento ao recurso especial, o que deu ensejo ao presente recurso. No agravo, o recorrente insiste na presença dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial. O Ministério Público Federal opinou, às e-STJ fls. 745/759, pelo não provimento do agravo.

É o relatório. Decido.

O agravo é cabível, tempestivo e foram devidamente impugnados os fundamentos da decisão agravada, motivo pelo qual conheço do recurso. Depreende-se dos autos que aresto recorrido aplicou a técnica de fundamentação per relationem, amplamente aceita pelas Cortes Superiores.

Todavia, deixou de apresentar fundamentos próprios suficientes para solucionar a contenda, limitando-se adotar, como razões de decidir, os fundamentos do parecer do Procurador de Justiça que oficiou no feito para condenar a ora recorrente pela prática dos crimes de tráfico e associação para o tráfico.

A respeito, cumpre esclarecer que De acordo com a jurisprudência desta Corte, "válida é a adoção dos fundamentos do parecer da Procuradoria de Justiça - motivação per relationem -, como medida de simplicidade e economia processual" (HC 275.255/RS, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 3/5/2016, DJe 13/6/2016), desde que o julgador acresça seus próprios fundamentos à decisão (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.642.532/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 9/3/2021, DJe de 15/3/2021).

Com efeito, não se admite que as razões de decidir se baseiem, exclusivamente, na remissão à decisão proferida em primeiro grau ou ao parecer ministerial sem que haja a menção, com argumentos próprios, acerca das questões trazidas pelas partes.

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVIABILIDADE. PRETENSÃO DE AFASTAMENTO DA CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. MERA TRANSCRIÇÃO DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE ACRÉSCIMO DE MOTIVAÇÃO PRÓPRIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Inviável a apreciação de matéria constitucional por esta Corte Superior, ainda que para fins de prequestionamento, porquanto, por expressa disposição da própria Constituição Federal (art. 102, inciso III), se trata de competência reservada ao Supremo Tribunal Federal. Precedentes. 2. É firme o entendimento deste Superior Tribunal no sentido de ser válida a utilização da técnica da fundamentação per relationem, em que o magistrado emprega trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, desde que a matéria tenha sido abordada pelo órgão julgador, com a menção a argumentos próprios. Precedentes. 3. Na hipótese dos autos, de fato, não houve, ainda que de modo sucinto, pela Corte de origem, a apreciação, por argumentos próprios, da matéria impugnada pela defesa, limitando-se à transcrição isolada da sentença condenatória para concluir pela comprovação da materialidade e autoria delitiva em relação aos crimes de associação criminosa e tráfico de drogas, o que não se admite. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.098.863/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 16/11/2022.)

No caso, verifica-se que o acórdão recorrido ao concluir pela condenação da recorrente não acrescentou nenhum argumento a fim de justificar sua concordância com o parecer que adotou como razões de decidir.

Assim, como a admissão da motivação per relationem, embora aceitável, não prescinde de "um mínimo de fundamentos" próprios (AgRg no HC n. 416.956/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., D Je 15/12/2017), deve ser provido o recurso para determinar à Corte de origem que proceda a novo julgamento do feito, mediante a indicação de fundamentação concreta e suficiente sobre a matéria posta em análise.

Ante o exposto, conheço do agravo e dou provimento ao recurso especial para anular o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que outro seja proferido, com o devido exame da matéria impugnada. Prejudicadas as demais questões. Intimem-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2910905 - RS (2025/0134009-6) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 16/06/2025.)

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