STJ Jun25 - Lei Mª da Penha e Lesão Corporal - Art. 129, §9º do CP - Direito do Réu ao SURSI da Pena - Art. 77 do CP
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Goiás, em favor de VICTOR XXXXXXX, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), que manteve a condenação do paciente à pena de 7 meses de detenção, em regime inicial aberto, pela prática do crime de lesão corporal no âmbito doméstico (art. 129, § 9º, do Código Penal c/c a Lei n. 11.340/06).
Irresignada, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus, sustentando a fundamentação inidônea quanto à valoração negativa da circunstância judicial atinente as circunstâncias do crime, pois inerentes ao tipo penal.
Alega ainda que a negativa da suspensão condicional da pena afronta o direito subjetivo do paciente, uma vez que ele preenche todos os requisitos legais para o benefício.
Invoca precedentes do Superior Tribunal de Justiça, segundo os quais cabe ao réu optar pela aceitação, ou não, do benefício. Requer, liminarmente, a concessão da ordem de habeas corpus para que sejam suspensos os efeitos da condenação até o julgamento do writ.
Ao final, pugna que “seja concedida a ordem para afastar a negativação da circunstância judicial “circunstâncias do crime” e, consequentemente, ajustada a pena-base para o mínimo legal; e) seja concedido o sursis, determinando a imposição das condições previstas no artigo 78, § 2º, do CP, permitindo ao paciente usufruir de seu direito subjetivo ao sursis, possibilitando que opte na audiência admonitória pelo sursis ou o cumprimento da pena corpórea, como prevê a legislação penal” (fls. 14).
Liminar indeferida, às fls. 314-315.
Informações prestadas, às fls. 324-353 e 360 a 367. Instado a se manifestar, o Ministério público Federal opinou pela concessão parcial da ordem (fls. 355-358).
É o relatório. DECIDO.
Primeiramente, o presente writ foi impetrado contra acórdão em substituição a recurso próprio. Diante dessa situação, não deve ser conhecido, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
[...] Conforme consignado na decisão agravada, o presente habeas corpus não merece ser conhecido, pois foi impetrado em substituição a recurso próprio. Contudo, a existência de flagrante ilegalidade justifica a concessão da ordem de ofício [...] (AgRg no HC n.738.224/SP Quinta Turma, Min. Rel. Joel Ilan Paciornik, DJe de 12/12/2023.) [...] Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado [...] (AgRg no HC n. 857.913/SP, Quinta Turma, Min. Rel. Ribeiro Dantas, DJe de 1/12/2023.)
Contudo, pelo disposto no artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, passo à análise de possível ilegalidade flagrante que autorize a concessão da ordem de ofício.
A controvérsia cinge-se a dois pontos: a dosimetria das penas e o sursis pena. O primeiro ponto refere-se à dosimetria das penas, ao considerar o impetrante que não houve fundamentação idônea a justificar a exasperação da pena-base. Todavia, não prospera a alegação, tendo em conta que o crime foi praticado na frente do filho do casal, sendo devidamente asseverado pela magistrada, ao proferir a sentença, que essa circunstância pode “causar danos psicológicos ao infante e uma percepção equivocada a respeito do conceito de família, fugindo ao que é comum à espécie delitiva em questão” (fl. 291).
Assim, no caso dos autos, a valoração negativa quanto ao crime ter sido perpetrado na frente de uma criança extrapola e não se encontra inerente à análise das circunstâncias judiciais, que também se encontra devidamente fundamentada em elementos concretos que ultrapassam os elementos do tipo penal, não havendo falar em ilegalidade na fixação da pena-base acima do mínimo legal.
Além disso, a análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal não atribui pesos absolutos a cada uma delas, a ponto de ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas ao delito, sendo possível que o magistrado fixe a pena-base no máximo legal, ainda que tenha valorado tão somente uma circunstância judicial, desde que haja fundamentação idônea e bastante para tanto (AgRg no REsp n. 143.071/AM, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 6/5/2015).
No tocante à alegação de ilegalidade quanto à negativa de concessão da suspensão condicional da pena (sursis), prevista no art. 77 do Código Penal, ao paciente, ao analisar o acórdão recorrido, verifico que o benefício foi negado sob a fundamentação de que este seria mais prejudicial ao réu do que a própria pena aplicada, vejamos (fls. 305-306):
[...] A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, é inviável, quando se trata de crime com violência e grave ameaça à pessoa, em atenção ao disposto no art. 44, inciso I, do Código Penal. Noutro giro, ainda que não tenha sido pleito da apelação, mantenho o entendimento da juíza de primeiro grau, quanto à suspensão condicional da pena, quando assim explanou na sentença: “Deixo de conceder o sursis pena, previsto no art. 77 do Código Penal, porque referida substituição mostrar-se-ia mais prejudicial que o cumprimento da pena determinada, subvertendo-se a ratio da benesse".
Ocorre que, este Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento de que "preenchidos os requisitos do art. 77 do Código Penal, deve ser reconhecido o direito subjetivo do paciente à suspensão condicional da pena" (HC n. 309.535/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 22/8/2017, DJe de 4/9/2017, grifei).
Veja-se o inteiro teor do julgado citado:
[...] Quanto ao pleito do sursis, o acórdão também merece reparo, pois encontra-se devidamente preenchidos os requisitos previstos no art. 77 do Código Penal, tendo visto que: a) a pena corporal é inferior a 2 (dois) anos (caput) e o réu é primário (inciso I); b) a pena-base foi estipulada no mínimo legal (inciso II) e c) não há possibilidade de aplicação da medida restritiva de direitos, em razão de o delito ter sido perpetrado mediante grave ameaça (inciso III), a suspensão da reprimenda revela-se como direito subjetivo do réu, sendo, por isso, medida que se impõe.
No caso, portanto, o acórdão de origem bem fundamentou a impossibilidade de substituição das penas por restritivas de direitos, mas, ao fim, apenas afastou a possibilidade de obtenção do sursis pelo paciente porque o eventual cumprimento deste poderia ensejar apenamento mais rigoroso do que a própria detenção em regime aberto imposta (fls. 305-306).
Ora, o entendimento mais acertado é o de que o sursis corresponde a direito subjetivo do apenado, em especial, pela necessidade de manifestação insculpida pelo juízo no art. 157 da LEP:
Art. 157. O Juiz ou Tribunal, na sentença que aplicar pena privativa de liberdade, na situação determinada no artigo anterior, deverá pronunciar-se, motivadamente, sobre a suspensão condicional, quer a conceda, quer a denegue.
Assim, ao determinar um obrigatório pronunciamento do juiz, a lei processual penal terminou por exigir que sejam analisados todos os requisitos que possibilitariam a suspensão condicional da pena, conforme já decidiu o STF, "o réu tem direito à suspensão condicional da pena, se preenchidos os requisitos legais. Habeas corpus concedido para garantir o benefício" (HC 63.038-3-SP, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, julg. 18/6/1985, p. 12.608).
Nesse contexto, é assente na jurisprudência deste STJ que, em sendo possível a concessão do benefício em voga, seria "inidônea a conclusão de que seria mais prejudicial a suspensão ao paciente, vez que, perante o Juízo da Execução Penal, 'poderá o apenado renunciar ao sursis, caso não concorde com as condições estabelecidas e entenda ser mais benéfico o cumprimento da pena privativa de liberdade" (AgRg no R Esp n. 1.772.104/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 19/12/2018, grifei). Corroborando:
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. NULIDADE DO ACÓRDÃO IMPUGNADO. NÃO VERIFICAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. INCLUSÃO DE FUNDAMENTOS PRÓPRIOS. 2. AUSÊNCIA DE DOLO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA ELEITA. 3. DEFESA DEFICIENTE. NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. VOLUNTARIEDADE RECURSAL. 4. SURSIS PENAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO DAS CONDIÇÕES. SITUAÇÃO MANIFESTAMENTE MAIS BENÉFICA. ALEGADA REFORMATIO IN PEJUS. NÃO VERIFICAÇÃO. 5. FORMA DE CUMPRIMENTO DA PENA. POSSIBILIDADE DE ESCOLHER. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 6. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PEDIDO DE PERDÃO JUDICIAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. 7. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. [...] 5. No que concerne ao pleito no sentido de poder escolher a forma de cumprimento da pena, registro que, no ordenamento jurídico pátrio, não há dispositivo legal que autorize o réu a escolher sua pena, ainda que se trate de condições do sursis penal. Caso o paciente considere mais benéfica a pena privativa de liberdade, basta descumprir o sursis para que o benefício seja revogado. [...] 7. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no HC n. 780.317/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 16/11/2022, grifei)
Ante todo o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo parcialmente a ordem, de ofício, para determinar que os autos retornem, ao Juízo de origem, para que este verifique se estão presentes os demais requisitos legais para a suspensão condicional da pena, que deverá ser obrigatoriamente proposta ao paciente em caso positivo. Intime-se a origem, com urgência, para o cumprimento. Publique-se. Intimem-se.
Relator
MESSOD AZULAY NETO
(STJ - HABEAS CORPUS Nº 813085 - GO (2023/0108995-3) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO, Publicação no DJEN/CNJ de 06/06/2025.)
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