STF Maio25 - Invasão Domiciliar - Ausência de Fundadas Razões - Ausência de Ordem Judicial - Tema 280 do STF - Lei de Drogas - Nulidade das Provas

 

Carlos Guilherme Pagiola

VOTO O SENHOR MINISTRO ANDRÉ MENDONÇA (RELATOR)

1. Rememoro tratar-se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná contra acórdão da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, que deu provimento ao recurso de apelação defensivo para declarar a nulidade das provas obtidas, com fundamento na violação do art. 5º, XI, da Constituição Federal, absolvendo os acusados da imputação de tráfico de drogas.

2. O recurso não comporta provimento. 3. Pontuo, de início, que esta Suprema Corte, no julgamento do RE 603.616/RO, Tema nº 280 da sistemática da repercussão geral, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, assentou entendimento no sentido de que a busca e apreensão domiciliar, sem mandado judicial, em caso de crime de caráter permanente, é válida e perfeitamente passível de ser realizada, porquanto a situação flagrancial se protrai no tempo, a basear a licitude da busca e provas obtidas por seu intermédio, desde que essas fundadas razões sejam justificadas a posteriori. Confira-se a ementa:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 46FA-08FC-16AA-042D e senha 1A10-39F3-1A12-0CA1 RE 1534373 / PR 2 caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos – flagrante delito, desastre ou para prestar socorro – a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 46FA-08FC-16AA-042D e senha 1A10-39F3-1A12-0CA1 RE 1534373 / PR 3 justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, j. 05/11/2015, p. 10/05/2016).

4. Outrossim, como já sedimentado nesta Corte, é lícita a busca pessoal na hipótese de flagrante delito, conquanto justificadas a posteriori as fundadas razões que levaram à sua realização. Recentemente, no julgamento do HC nº 208.240, de relatoria do eminente Ministro Edson Fachin, assentou-se a seguinte tese: A busca pessoal independente de mandado judicial deve estar fundada em elementos indiciários objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, sexo, orientação sexual, cor da pele ou aparência física. - (grifos acrescidos)

5. Neste cenário, temos o entendimento desta Suprema Corte firmado no sentido de que a busca, e mesmo a inviolabilidade domiciliar, não pode decorrer de preconceito ou qualquer outro viés de perseguição pessoal. 6. Aponto, contudo, que esta Corte não fixou requisitos para a demonstração do quanto antecede a diligência - a fim de posteriormente comprovar-se a sua legitimidade -, nem quando do julgamento do Tema 280 nem por ocasião do recente HC nº 208.240. Em verdade, este Supremo Tribunal Federal somente considerou que, em sendo quebrado direito fundamental pelo ingresso em domicílio, sem mandado judicial, as razões dessa quebra possam e sejam controladas a posteriori pelo Judiciário, pelo óbvio motivo de se tratar de matéria sob reserva de jurisdição. E mais, que essas razões sejam fundadas, para além de uma mera e subjetiva suspeita, no que se sabia antes, e não depois, da diligência. Raciocínio esse que, em regra, também se aplica, à exceção da imprescindibilidade de mandado judicial, para a invasão da privacidade e intimidade quando da realização de buscas.

7. O que não se admite, portanto, é a atuação policial aleatória ou abusiva, baseada em mera intuição, convicção íntima ou que se exprima pelo emprego vazio da só locução “atitude suspeita”.

8. Diante disso, e segundo o conjunto fático-probatório demarcado pelo acórdão recorrido, tem-se a consonância com o entendimento deste Supremo Tribunal Federal, uma vez que, a despeito da campana que se realizava, nada foi antevisto, antes do ingresso policial no quintal do imóvel, que indicasse, para além das suspeitas que motivavam a investigação, que ali realmente ocorria o tráfico de drogas. Confira-se o respectivo trecho do acórdão recorrido:

É cediço que os depoimentos dos agentes públicos nos delitos de tráfico de drogas, quando em consonância com as demais provas no processo é suficiente para embasar a condenação, considerando a fé-pública que possuem em decorrência do cargo que exercem e, ressaltando-se que as abordagens policiais comumente são realizadas na ausência de terceiros e como o delito em questão – tráfico de drogas – não possui vítima exclusiva, raramente há uma terceira pessoa capaz de testemunhar tal ilícito. De consequência, os depoimentos dos policiais não podem estar isolados dentro do conjunto probatório, devendo ser corroborados por outros elementos de prova. Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 46FA-08FC-16AA-042D e senha 1A10-39F3-1A12-0CA1 RE 1534373 / PR 5 Sobre a inviolabilidade do domicílio, assim dispõe o art. 5, inciso XI, da Constituição Federal, preceitua que: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Como é sabido, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito. No mesmo sentido, o e. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.574.681/RS, destacou que "a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar”. No entanto, no caso dos autos, a entrada do policial na residência dos acusados não foi amparada por uma “fundada suspeita” ou por uma “situação flagrante”. Conforme exposto, o policial civil J.M. relatou que recebeu informações no sentido de que a residência dos réus servia de depósito de drogas, tendo realizado algumas diligências preliminares no local, sendo que, na data dos fatos, se dirigiu sozinho até as proximidades da residência, passou pelo local na parte da manhã e na parte da tarde. Aduziu que, passado algum tempo, em razão da ausência de movimentação no local e da presença de indicativos de que a casa era habitada – pela existência de móveis e roupas no varal –, optou por chamar os moradores, porém, não foi atendido. Ao constatar que o Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 46FA-08FC-16AA-042D e senha 1A10-39F3-1A12-0CA1 RE 1534373 / PR 6 portão estava somente encostado, adentrou no local e, ao olhar pelo lado de fora da casa, através da janela de vidro transparente, visualizou vários fardos embalados com plástico da cor preta no interior da residência, o que levantou a suspeita de que fosse droga. Assim, percebendo que a porta principal também estava somente encostada, adentrou ao imóvel, onde confirmou a presença de vultosa quantidade de droga – 2.662 kg (dois mil, seiscentos e sessenta e dois quilos) de maconha. Na oportunidade, então, acionou apoio à central para se deslocarem com um caminhão guincho para recolhimento do entorpecente. Portanto, no caso concreto, ficou evidenciado que o policial adentrou à residência sem prévia autorização judicial, sem permissão dos moradores, motivado, exclusivamente, no fato de ter recebido informações acerca do armazenamento de drogas e por, após adentrar ao quintal da residência, ter visualizado certas embalagens através da janela transparente, o que evidenciaria se tratar de entorpecentes. Ora, certo que, embora tenha sido apreendida uma expressiva quantidade de entorpecente na residência dos acusados, não houve a demonstração de elementos mínimos que caracterizem fundadas razões (justa causa) para a medida. Isto é, não houve constatação da ocorrência de delito no interior da residência, que legitimaria a incursão policial no local sem autorização judicial, já que, segundo o depoimento prestado, apesar de ter feito campana na frente da residência durante o período da manhã e tarde, não observou qualquer movimentação na residência, não havendo ninguém em seu interior, de forma que resta evidente a ilegalidade. Neste ponto, oportuno salientar que, inobstante a declaração exposta no sentido de ser possível visualizar os entorpecentes através da janela de vidro transparente, nota-se que tal versão não se mostra crível, notadamente porque as Documento assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001. O documento pode ser acessado pelo endereço http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/autenticarDocumento.asp sob o código 46FA-08FC-16AA-042D e senha 1A10-39F3-1A12-0CA1 RE 1534373 / PR 7 janelas possuem, a priori, vidro opaco. Veja-se (mov. 1.21): (...) Diante de tais considerações, a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia dos acusados, em violação à norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por consequência, todos os atos dela decorrentes. Dessa forma, é forçoso concluir que a prisão em flagrante dos acusados está eivada de nulidade, pois foi realizada com violação ao direito à inviolabilidade do domicílio, expressamente previsto pelo art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal. - (e-doc. 22, p. 7-9; grifos acrescidos)

9. Ressalto que o caso trata do ingresso em domicílio havido primeiro por meio do acesso ao quintal do imóvel a partir de onde teriam sido vistas as embalagens que continham drogas, lembrando que todos os espaços privados adjacentes a casa, como quintal murado ou delimitado, garagem e varanda, desde que não expostos ao público, são considerados como espaço de expectativa legítima de privacidade e proteção domiciliar. Ademais, por se tratar o ingresso domiciliar forçado de medida submetida à reserva de jurisdição - que, diferentemente da busca pessoal, exige, como regra, a expedição de mandado judicial - a casuística relativa a essa hipótese reclama exame mais rigoroso e criterioso.

10. A propósito, lembro das assim chamadas circunstâncias exigentes, conforme referidas no próprio julgamento do Tema 280, pelo voto condutor do eminente Ministro Relator Gilmar Mendes:

A proteção contra a busca arbitrária exige que a diligência Documento assinado digitalmente conforme seja avaliada com base no que se sabia antes de sua realização, não depois. Esse princípio é adotado pelo Direito Americano, que não dispensa o mandado em situações de crime em curso, salvo se a busca imediata decorrer de circunstâncias exigentes – “exigent circumstances” –, assim consideradas “as circunstâncias que levariam uma pessoa razoável a crer que a entrada era necessária para prevenir o dano aos policiais ou outras pessoas, a destruição de provas relevantes, a fuga de um suspeito, ou alguma outra consequência que frustre indevidamente esforços legítimos de aplicação da lei” – “Those circumstances that would cause a reasonable person to believe that entry (or other relevant prompt action) was necessary to prevent physical harm to the officers or other persons, the destruction of relevant evidence, the escape of a suspect, or some other consequence improperly frustrating legitimate law enforcement efforts” [United States v. McConney, 728 F. 2d 1195, 1199 (9th Cir.), cert. denied, 469 U.S. 824 (1984)]. - (grifos acrescidos)

11. Como já se recopilou:

Discussão sobre Necessidade e Urgência Nesse cenário e diante de uma situação concreta, cabe então perscrutar: para a invasão de domicílio sem mandado judicial, essa conduta policial mostra-se mesmo imprescindível, principalmente, para prevenir a destruição de provas relevantes ou a fuga, ou é possível fazer o certo pelo modo ordinariamente certo: quer dizer, é possível primeiro representar ao juiz para a devida análise da medida e sem que o decorrer do tempo traga prejuízo aos esforços legítimos de aplicação da lei? Frente a isso, se se constatar que não há urgência manifesta, o tempo pode muito bem esperar o atendimento da regra, que é a da ordem judicial para a hipótese. Esse é o argumento de urgência, aliás, adotado pelo STJ quando trata, em nível infraconstitucional acerca do art. 240, § 1º, do CPP, considerando “que só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial – meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada – legitimar a entrada em residência ou local de abrigo” (HC 598051, Rel. Min. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, p. 15/03/2021). Assim, vai ficando mais claro entender o porquê da necessidade dessa distinção expressa de que a diligência seja avaliada com base no que se sabia antes de sua realização. Porque embora pareça de antemão que seja algo suprimível, depois, pelo próprio flagrante, ou passível de convalidação por ele, se se entender sob essa perspectiva, isto é, de que basta o flagrante “positivo” para justificar, por si só, o ingresso forçado, na prática, isso esvaziaria a necessidade do efetivo controle judicial prévio. Mesmo porque bastaria “qualquer flagrante” para justificar qualquer abuso ou arbitrariedade no ingresso indevido (CARRARA, Carina Lucheta. Ingresso em Domicílio e Busca Pessoal. Conjur, 2 de dezembro de 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-dez-02/ingresso-em-domicilioe-busca-pessoal-tema-280-do-stf-e-jurispr... . Acesso em: 06/12/2024; grifos originais e acrescidos).

12. Entretanto, dos elementos demarcados pela origem, não se extrai, além dos simples informes então sob investigação, qualquer urgência manifesta que justificasse a exceção ao prévio exame judicial da medida, especialmente diante da gravidade da violação ao direito fundamental à inviolabilidade domiciliar. Por essa razão, o presente recurso não deve ser provido. 13. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. É como voto. Ministro ANDRÉ MENDONÇA Relator

(STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.534.373 PARANÁ RELATOR : MIN. ANDRÉ MENDONÇA, 2ª Turma, 30/05/2025, Publicado acórdão, DJE RE. DJE divulgado em 29/05/2025, publicado em 30/05/2025.

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