STJ Jul25 - Dosimetria Irregular - Art. 33 Lei de Drogas - Bis In Idem com Art. 35 e a causa da 3ª Fase art. 40, incisos IV e VI: :circunstâncias do crime , consequências do crime e culpabilidade fundamentadas na "adesão do paciente ao CXXXXXXXX, facção criminosa que atua de forma violenta, armada e com cooptação de menores em atividade de tráfico de larga escala de cocaína"... Fração de 1/6 para o vetorial do Art. 42 (incindível)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de MARCUS XXXXXXXXXXXXXXXX, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO — TJRJ no julgamento da Apelação Criminal n. 0803757-03.2024.8.19.0008.
O paciente foi condenado em primeiro grau às penas de 12 anos 09 meses e 29 dias de reclusão e 1.923 dias-multa pela prática dos crimes de tráfico de drogas e de associação para fins de tráfico, com causas de aumento do emprego de arma de fogo e de envolvimento de adolescente (arts. 33, 35 e 40, IV e VI, todos da Lei n. 11.343/06).
O Tribunal de origem negou provimento à apelação interposta pelo paciente, nos termos do acórdão que restou assim ementado (e-STJ fls. 15/20):
"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DE ASSOCIAÇÃO PARA FINS DE TRÁFICO, AMBOS MAJORADOS PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CORRUPÇÃO DE MENORES, EM CONCURSO MATERIAL (ARTIGOS 33 E 35, AMBOS C/C ARTIGO 40, INCISOS IV E VI, TODOS DA LEI 11.343/06, N /F DO ARTIGO 69, DO CP). RÉU QUE, JUNTAMENTE COM MENOR INFRATOR K. C. C, ASSOCIOU-SE A OUTROS INDIVÍDUOS NÃO IDENTIFICADOS COM A FINALIDADE DE PRATICAR O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES NA COMUNIDADE DO MUTIRÃO, BAIRRO VILA CLÁUDIA, EM BELFORD ROXO/RJ. NA OCASIÃO DA PRISÃO, FORAM APREENDIDOS COM O DENUNCIADO E O ADOLESCENTE INFRATOR 142G (CENTO E QUARENTA E DOIS GRAMAS) DE COCAÍNA, DISTRIBUÍDOS EM 149 (CENTO E QUARENTA E NOVE) PINOS, CONTENDO AS INSCRIÇÕES “CPX DE SHANGRILA MULTIRÃO PÓ 20” E “CPX DE SHANGRILA MULTIRÃO PÓ 5 C. V”, UMA PISTOLA 9MM MUNICIADA E DOIS RADIOCOMUNICADORES. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PENA DE 12 (DOZE) ANOS, 09 (NOVE) MESES E 29 (VINTE E NOVE) DIAS DE RECLUSÃO 1.923 (MIL NOVECENTOS E VINTE E TRÊS) DIAS-MULTA, À RAZÃO UNITÁRIA MÍNIMA, EM REGIME INICIALMENTE FECHADO. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. PRELIMINARES DE NULIDADE. EMPREGO DE VIOLÊNCIA POLICIAL NA PRISÃO EM FLAGRANTE E NA OBTENÇÃO DA SUPOSTA CONFISSÃO INFORMAL. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. AUSÊNCIA DE FUNDADA SUSPEITA E INVASÃO DE DOMICÍLIO. NO MÉRITO, BUSCA A ABSOLVIÇÃO, POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA NA PALAVRA DOS POLICIAIS MILITARES QUE REALIZARAM A PRISÃO. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA QUANTO AO CRIME ASSOCIATIVO. ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO DE CORRUPÇÃO DE MENORES. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. OCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. PLEITO SUBSIDIÁRIO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ILÍCITO DO ARTIGO 37, DA LEI 11.343/06. PRETENSÃO À REVISÃO DA DOSIMETRIA PENAL: FIXAÇÃO DAS PENAS-BASE NO MÍNIMO LEGAL; AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO; RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO, COM A APLICAÇÃO DO PERCENTUAL MÁXIMO DE 2/3; IMPOSIÇÃO DE REGIME INICIAL MAIS BENÉFICO E A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS. SEM QUALQUER RAZÃO O RECORRENTE. INICIALMENTE, AFASTAM-SE AS PRELIMINARES DE NULIDADE SUSCITADAS PELA DEFESA. SUPOSTAS AGRESSÕES NARRADAS PELO RECORRENTE QUE NÃO DEIXARAM VESTÍGIOS. POSSÍVEL LESÃO APURADA NO EXAME PERICIAL QUE NÃO TERIA O CONDÃO DE COMPROVAR, DE PLANO, QUE OS POLICIAIS AGIRAM COM USO ABUSIVO DA FORÇA NA DILIGÊNCIA. ACUSADO E MENOR INFRATOR ABORDADOS EM LOCAL CONHECIDO COMO PONTO DE VENDA DE DROGAS, APÓS TEREM SE COLOCADO EM FUGA AO AVISTAREM A GUARNIÇÃO POLICIAL, SENDO COM ELES ENCONTRADOS O MATERIAL ENTORPECENTE, A ARMA DE FOGO E OS RADIOCOMUNICADORES. CONFIGURADA A FUNDADA SUSPEITA. PRECEDENTES DO STJ. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO AVISO DE MIRANDA. “CONFISSÃO INFORMAL” DO RÉU AOS POLICIAIS, POR OCASIÃO DA ABORDAGEM, QUE SEQUER ACONTECEU E TAMPOUCO FOI LEVADA EM CONSIDERAÇÃO PELO JUÍZO A QUO NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE TAL ADVERTÊNCIA QUE SE CONSTITUI EM NULIDADE RELATIVA, DEVENDO SER DEMONSTRADO O EFETIVO PREJUÍZO SUPORTADO PELO ACUSADO, O QUE NÃO OCORREU NA HIPÓTESE. PRECEDENTES DO STJ. NÃO SE VERIFICA NENHUMA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO APTA A ENSEJAR A NULIDADE DA PROVA. CRIMES PERMANENTES. PRECEDENTES DO STJ. FLAGRANTE DELITO EM PERFEITA CONSONÂNCIA COM O DISPOSTO NO ARTIGO 5º, INCISO XI, DA CRFB. PRELIMINARES QUE SE REJEITAM. NO MÉRITO, A AUTORIA DOS CRIMES DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DE ASSOCIAÇÃO PARA FINS DE TRÁFICO, ASSIM COMO A MATERIALIDADE DO ATUAR DESVALORADO DO TRÁFICO ESTÃO AMPLAMENTE DEMONSTRADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS AVALIADOS NO CONTEXTO PROBATÓRIO EM QUE ESTÃO INSERIDOS. SÃO ELES AGENTES DO ESTADO, FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS, OS QUAIS NÃO PODEM SER IMPEDIDOS DE PRESTAR DEPOIMENTOS DOS ATOS QUE PARTICIPEM, A NÃO SER QUANDO PROVADA A PARCIALIDADE OU SUSPEIÇÃO, O QUE NÃO É O CASO DOS AUTOS. VALIDADE DO DEPOIMENTO POLICIAL COMO MEIO DE PROVA E SUA SUFICIÊNCIA PARA O EMBASAMENTO DA CONDENAÇÃO. VERBETE Nº 70 DA SÚMULA DESTA CORTE. É CERTA A PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO, EM RAZÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO, DA APREENSÃO DA DROGA, DA COMPROVADA QUALIDADE E QUANTIDADE SIGNIFICATIVA DE ENTORPECENTES ARRECADADOS. CIRCUNSTÂNCIAS DA PRISÃO DO ACUSADO, OCORRIDA EM ÁREA JÁ CONHECIDA COMO DOMINADA PELA FACÇÃO CRIMINOSA “COMANDO VERMELHO”, ALÉM DA FORMA EM QUE OS ENTORPECENTES FORAM ENCONTRADOS, NÃO DEIXAM DÚVIDA DE QUE A DROGA SE DESTINAVA À MERCANCIA. DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA FINS DE TRÁFICO IGUALMENTE COMPROVADO. APELANTE ASSOCIADO AO CRIME ORGANIZADO NA COMUNIDADE DO MUTIRÃO, BAIRRO VILA CLÁUDIA, EM BELFORD ROXO/RJ, PARA A VENDA DO MATERIAL ENTORPECENTE. O VÍNCULO COM O TRÁFICO LOCAL JAMAIS SERÁ COMPROVADO COM CTPS ASSINADA, CRACHÁ COM FOTOGRAFIA, CONTRACHEQUE DA FACÇÃO CRIMINOSA OU OUTRO ELEMENTO FORMAL, SENDO CARACTERIZADO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS APRESENTADAS NO ATUAR DESVALORADO, NÃO SE TRATANDO DE “TRAFICANTE INDEPENDENTE OU FREELANCER”. O DELITO DE ASSOCIAÇÃO É FORMAL, BASTANDO O ÂNIMO ASSOCIATIVO ENTRE OS AGENTES PARA A PRÁTICA DO TRÁFICO DE DROGAS. FUNÇÃO DE “RADINHO” EM COMUNIDADES CONFLAGRADAS PELO TRÁFICO DE DROGAS, COM O OBJETIVO DE AVISAR AOS DEMAIS INTEGRANTES DA ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA SOBRE A CHEGADA DA POLÍCIA SE CONSTITUI EM COAUTORIA DOS CRIMES DOS ARTIGOS 33 E 35, DA LEI DE DROGAS, DIANTE DA CONFIANÇA E DIVISÃO DO TRABALHO NO ATUAR DESVALORADO. NÃO SE COGITA, POR DEDUÇÃO LÓGICA, A PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE COLABORAÇÃO PARA O TRÁFICO, UMA VEZ QUE A POSTURA DO RÉU NÃO SE REVESTE DE CARÁTER EVENTUAL OU ESPORÁDICO. O EMPREGO DE ARMA DE FOGO É INCONTESTE. CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE SE INFERE SUA UTILIZAÇÃO, DE FORMA COMPARTILHADA, COMO PARTE DO PROCESSO DE INTIMIDAÇÃO DIFUSA OU COLETIVA PARA O SUCESSO DA PRÁTICA DOS DELITOS DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PARTICIPAÇÃO DO ADOLESCENTE INFRATOR NOS FATOS RELATADOS NA DENÚNCIA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA DO ARTIGO 40, INCISO VI, DA LEI 11.343/06, QUE É APLICÁVEL SEMPRE QUE A PRÁTICA DO CRIME ENVOLVER MENORES, INDEPENDENTEMENTE DE HAVER SUBORDINAÇÃO OU NÃO. É INEXIGÍVEL A PROVA DA PRÉVIA HIGIDEZ MORAL DO ADOLESCENTE OU SUA POSTERIOR CORRUPÇÃO. IMPOSSÍVEL A ABSOLVIÇÃO, POR FALTA DE PROVAS. DOSIMETRIA PENAL QUE NÃO COMPORTA REPAROS. PENAS-BASES EXASPERADAS EM 3/8. CULPABILIDADE EXACERBADA, CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME, ALÉM DA NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA, NOS TERMOS DO ARTIGO 42, DA LEI 11.343/06. NA ETAPA INTERMEDIÁRIA, AUSENTES CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES OU AGRAVANTES GENÉRICAS. NA TERCEIRA FASE, MAJORAÇÃO EM 1/6, EM RAZÃO DAS CAUSAS DE AUMENTO DE PENA DO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E DA PRÁTICA DO ATUAR DESVALORADO ENVOLVENDO ADOLESCENTE. INAPLICÁVEL O REDUTOR DA PENA PREVISTO NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/06, EM RAZÃO DA CONDENAÇÃO PELO CRIME ASSOCIATIVO. INCABÍVEL A SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS, OU A CONCESSÃO DO SURSIS, COM BASE NOS ARTIGOS 44 E 77, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. O REGIME INICIAL FECHADO, É O ÚNICO ADEQUADO AOS OBJETIVOS RETRIBUTIVO / PREVENTIVO DA PENA, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 59 E 33, §2º, ALÍNEA “A”, E §3º, AMBOS DO CP. AUSÊNCIA DE QUALQUER TIPO DE VIOLAÇÃO À NORMA CONSTITUCIONAL OU INFRACONSTITUCIONAL. UMA VEZ REJEITADAS AS PRELIMINARES DE NULIDADE, RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO."
No writ, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro argumenta, quanto à condenação pelo crime de associação criminosa: a) se deu sem demonstração dos requisitos de estabilidade e permanência; b) não pretende revolvimento probatório, mas somente analisar os fundamentos do acórdão; c) houve mera inferência da associação do paciente com o Comando Vermelho, pelo fato de a região ser dominada por esta facção e terem sido apreendidos drogas, rádio comunicador e arma; d) não houve prévia investigação para comprovar envolvimento do paciente com tal facção; e) não foi apontada na denúncia conduta individualizada do paciente, não tendo sido descrito no voto condutor nenhuma conduta do paciente que caracterize associação de forma permanente e estável; f) o paciente é primário e foram apreendidos apenas 142 gramas de cocaína. Acerca da dosimetria da pena do crime de tráfico, a irresignação é fundamentada nestas alegações: g) no vetor de culpabilidade, integrar o Comando Vermelho constitui elementar do tipo de associação para o tráfico; h) a quantidade de cocaína, apesar na natureza altamente deletéria, não extrapola o tipo penal; i) uma vez absolvido o paciente pelo crime de associação, desparece o fundamento usado pelo Tribunal de origem para deixar de aplicar a causa de diminuição do tráfico privilegiado; j) a quantidade e qualidade de cocaína podem ser usadas para modular o redutor, mas não para impedir a sua incidência.
Requer absolvição do paciente quanto ao crime de associação para tráfico de drogas; redução da pena-base do crime de tráfico; aplicação da causa de redução do art. 33, §4º da Lei n. 11.343/2006; e consectários de abrandamento de regime e substituição por penas restritivas de direitos. Sem pedido de liminar. Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento da ordem e, caso conhecida, pela denegação (e-STJ fls. 219/229).
É o relatório. Decido.
Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração nem sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal—STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça—STJ. Todavia, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.
Conforme ressalvado pela Defensoria Pública, a pretensão desta impetração não é suscitar revolvimento fático-probatório, mas sim aferir se as premissas fáticas adotadas pelas instâncias ordinárias — a serem mantidas nesta decisão — justificam a condenação do paciente pelo crime de associação para o tráfico.
A sentença considerou comprovado vínculo associativo do paciente com a facção criminosa CXXXXXXXXXXo com base nos depoimentos dos policiais de que a prisão se deu em local dominado pelo tráfico.
A partir desta informação factual, o magistrado se valeu de regra de experiência acerca da imprescindibilidade de vínculo com a facção para que um traficante seja autorizado a atuar em território dominado por esse poderio paralelo. Consta da sentença (e-STJ fl. 101):
"Em relação à autoria, restou evidenciada, diante da robusta prova oral produzida em Juízo, em especial o depoimento dos policiais militares de que a área em que o réu e o adolescente infrator foram capturados em flagrante é ponto de tráfico, sendo de ordinário conhecimento de que somente aqueles que estão associados é que conseguem atuar na localidade. Por certo que em todos os processos os diferentes policiais relatam que não é possível vender drogas no local sem estar associado à facção criminosa dominante, o que é de notório conhecimento."
O Tribunal de origem, além dos depoimentos dos policiais sobre o local do crime, considerou relevantes o fato de a droga conter inscrição de procedência do CXXXXXXXXXXXXX, bem como a apreensão de armas e comunicadores.
Neste cenário, também foi invocada a regra de experiência do julgador e a notoriedade da atuação monopolista das facções em seus respectivos domínios:
"Da mesma forma, no âmbito do delito de associação para o tráfico, nada há o que se questionar, uma vez que o réu foi preso em área dominada pela facção criminosa “CoXXXXXXho” (CXXXXXXX), na Comunidade do Mutirão, no bairro Vila Cláudia, em Belford Roxo/RJ, em companhia do adolescente infrator Kauã, sendo apreendidos em seu poder a substância entorpecente (cocaína) com as inscrições “CPX DE SHANGRILA MUTIRÃO PÓ 20”; “CPX DE SHANGRILA MUTIRÃO PÓ 10 C. V”; “CPX DE SHANGRILA MUTIRÃO PÓ 5 C. V”; dois radiocomunicadores e uma pistola 9mm municiada, não sendo possível que o apelado, o menor e os demais elementos não identificados estivessem na localidade em questão na posse do farto material recolhido sem que fossem associados à organização criminosa CV, a qual controla o comércio ilegal de drogas na região. Lamentavelmente, como é sabido e amplamente noticiado pela imprensa, nas áreas dominadas pelo crime organizado no Estado do Rio de Janeiro impera o medo e não há possibilidade de sucesso na conduta isolada, autônoma, do comércio de drogas em concorrência ao tráfico local. Não se trata de presunção, mas sim de uma análise realista da forma de atuação desses grupos violentos e impiedosos que agridem, torturam ou executam quem ameaça “seus territórios”. Além disso, o vínculo com o tráfico local jamais será comprovado com CTPS assinada, crachá com fotografia, contracheque da facção criminosa ou outro elemento formal, sendo caracterizado pelas circunstâncias fáticas apresentadas no atuar desvalorado. Pelo contexto indicado, afirma-se que o apelante, efetivamente, integra o tráfico de drogas na localidade, de forma associada para a venda de substâncias entorpecentes, não se tratando de “traficante independente” ou “freelancer”."
Inferências não são vícios a serem eliminados do raciocínio probatório, mas sim processo inerente a qualquer argumento lógico-indutivo, quando há necessidade de reconstrução teórica de fatos passados, a partir de vestígios fragmentários existentes no presente (SCHUM, David A. The Evidential Foundations os Probabilistic Reasoning. Evanston: Northwestern University Press, 2010).
Esta Corte concede com a aplicabilidade de regras de experiência em condenações criminais, notadamente em crimes formais, sem materialidade física, tal como a associação para o tráfico.
Para ilustrar: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ARTS. 33, § 1.º, INCISO III, E 35, CAPUT, AMBOS C.C. O ART. 40, INCISOS III E VI, TODOS DA LEI N. 11.343/2006, E ART. 243, DO ECA, C.C. O ART. 29, CAPUT, NOS TERMOS DO ART. 71, CAPUT (10X), AMBOS DO CÓDIGO PENAL, TODOS NA FORMA DO ART. 69, DO CÓDIGO PENAL. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO PELO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. EXISTÊNCIA DE PROVA PRODUZIDA SOB O CRIVO DO CONTRADITÓRIO JUDICIAL. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO INVIÁVEL. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA MOVIMENTADA. FUNDAMENTO IDÔNEO. IMPOSSIBILIDADE DE REFORMA DO QUADRO FÁTICO-PROBATÓRIO FIRMADO NA ORIGEM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. - O juiz singular consignou que "restou comprovado o ânimo associativo, de maneira a caracterizar o crime de associação como figura autônoma, pois existente a prova do liame subjetivo existente entre os acusados, posto que, conforme a prova oral e documental produzida, os acusados uniram-se em sociedade em referida danceteria 'Conexão' permitindo que terceiros se utilizassem, para o tráfico ilícito de entorpecentes, de recinto onde eram realizados espetáculos, do qual tinham posse e administração." (fl. 40). - O juízo condenatório está firmado em elementos de informação colhidos na fase inquisitiva e em elementos de prova produzidos sob o crivo do contraditório judicial, notadamente, nos depoimentos dos policiais rodoviários federais que participaram da operação policial no estabelecimento do réu (fls. 40/41); no depoimento do adolescente R. R. L. (fl. 41); no trabalho de inteligência realizado pela Polícia Rodoviária Federal, que resultou em relatório (fl. 41); e no laudo pericial do local dos fatos (fl. 41). - O magistrado de primeira instância anotou, ademais, pelas regras de experiência, ser "possível concluir pelos fatos relatados pelas testemunhas e demais elementos probatórios retrocitados, que o tráfico de drogas ocorria no local com prévia ciência e autorização dos proprietários, ora réus, que os traficantes exerciam o comércio espúrio no local autorizados pelos proprietários, ora réus, já que os clientes da casa eram minuciosamente revistados antes de ingressar no estabelecimento, tratando-se o local de estabelecimento onde os adolescentes iam para se drogar e para ingerir bebidas alcoólicas ao arrepio da lei" (fl. 42). Entendeu, ainda, que "a prova já debatida denota uma mínima estabilidade da associação, eis que a associação criminosa perdurou por cerca de um ano" (fl. 43). [...] - Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 732.315/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/10/2022, DJe de 24/10/2022.) HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA. OBJETO MATERIAL QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO DESPREZÍVEL. ORDEM DENEGADA. 1. Segundo a melhor doutrina, o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da fragmentariedade do direito penal. 2. Indiscutível a sua relevância, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação e/ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico. 3. Diante da inexistência de regra expressa definindo, para a finalidade em apreço, o que seja "valor insignificante", aplicável, em sua teleologia, a diretriz resultante do art. 335 do Código de Processo Civil, a saber: "Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial". 4. Considerando a nossa realidade socioeconômica, em que metade da população ocupada do Brasil tem rendimento (médio mensal de todos os trabalhadores) de 1/2 a 2 salários mínimos (dados do IBGE ? indicadores sociais de 2002), não se pode admitir que um carrinho de pedreiro e uma trena, no valor de R$ 45,00, seja considerado um valor irrisório, ínfimo. 5. Ordem denegada. (HC n. 78.343/MS, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 17/5/2007, DJ de 11/6/2007, p. 345.) PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VIAS DE FATO. EMENDATIO LIBELLI EM SEGUNDO GRAU JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE. AMEAÇA. ATIPICIDADE. SITUAÇÃO DE CONTENDA ENTRE AUTOR E VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. CRIME FORMAL. CONSUMAÇÃO. IDONEIDADE INTIMIDATIVA DA AÇÃO. TEMOR DE CONCRETIZAÇÃO. DESNECESSIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A emendatio libelli pode ser aplicada em segundo grau, desde que nos limites do art. 617 do Código de Processo Penal, que proíbe a reformatio in pejus. Precedentes. 2. Na espécie, a Corte local, em recurso interposto pelo Ministério Público, houve por bem recapitular os fatos descritos na exordial incoativa como contravenção penal de vias de fato, em detrimento da imputação por lesão corporal, não havendo falar em mutatio libelli. 3. O fato de a conduta delitiva ter sido perpetrada em circunstância de entrevero/contenda entre autor e vítima não possui o condão de afastar a tipicidade formal ou material do crime de ameaça. Ao contrário, segundo as regras de experiência comum, delitos dessa estirpe tendem a acontecer justamente em eventos de discussão, desentendimento, desavença ou disputa entre os indivíduos. 4. O crime de ameaça é formal, consumando-se com o resultado da ameaça, ou seja, com a intimidação sofrida pelo sujeito passivo ou simplesmente com a idoneidade intimidativa da ação, sendo desnecessário o efetivo temor de concretização. 5. Ordem denegada. (HC n. 437.730/DF, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 21/6/2018, DJe de 1/8/2018.)
A apreensão de rádios transmissores indica que a comercialização das drogas não era uma ação isolada ou esporádica entre indivíduos aleatórios, mas que havia coordenação das ações e comunicação sobre divisão de tarefas. Com efeito, o rádio transmissor é tipicamente usado entre integrantes da facção para garantir que cada indivíduo esteja no seu local determinado para cumprir a função designada.
Tais elementos evidenciam a estabilidade e a permanência do vínculo associativo, necessários à caracterização do crime do art. 35 da Lei de drogas.
Neste sentido:
DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ART. 35 DA LEI 11.343/2006. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA COMPROVADAS. SUFICIÊNCIA DAS PROVAS. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO HABEAS CORPUS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DO ART. 37 DA LEI 11.343/2006. INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado contra acórdão que manteve a condenação dos pacientes pelo crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei 11.343/2006), com base na apreensão de substâncias entorpecentes em quantidade expressiva, rádio transmissor em funcionamento na frequência utilizada pelo tráfico, e provas que indicam a atuação estável e permanente dos acusados em facção criminosa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a prova dos autos é suficiente para configurar o delito de associação para o tráfico, com os requisitos de estabilidade e permanência; (ii) verificar a possibilidade de desclassificação da conduta para o delito do art. 37 da Lei 11.343/2006, que trata de colaboração eventual. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O delito de associação para o tráfico de drogas exige a comprovação de vínculo estável e permanente entre os envolvidos, o que foi constatado nos autos por meio das circunstâncias da prisão, apreensão de drogas e uso de equipamento de comunicação com traficantes. 4. No caso, a quantidade de entorpecentes apreendida (230g de maconha e 85g de cocaína), a forma em que acondicionadas e o uso de rádio transmissor em local dominado por facção criminosa indicam que a comercialização das drogas não se tratava de uma ação isolada ou esporádica, mas sim de uma atuação constante e de confiança dentro da organização criminosa. 5. A desclassificação para o crime do art. 37 da Lei de Drogas, que tipifica a colaboração eventual com o tráfico, é inviável, pois as provas apontam para a participação ativa e permanente dos pacientes na organização, afastando a hipótese de colaboração esporádica. 6. O reexame das provas demandaria uma análise aprofundada do contexto fático-probatório, o que é vedado na via do habeas corpus, conforme a jurisprudência consolidada desta Corte. 7. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA (HC n. 879.941/RJ, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJe de 4/12/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 35, CAPUT, DA LEI 11.343/06. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. OFENSA À DIALETICIDADE. SÚMULA N. 182/STJ. ABSOLVIÇÃO PELO DELITO DE ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. [...] 3. Verifica-se que a conclusão obtida pelas instâncias de origem sobre a condenação do paciente pelo crime de associação para o tráfico foi lastreada em vasto acervo probatório, consubstanciado nas circunstâncias em que ocorreu sua prisão em flagrante - Na hipótese dos autos, observa-se que, as circunstâncias da prisão do acusado, Ramon, conforme alhures relatado, somada a quantidade expressiva de maconha e cocaína e rádio transmissor, apreendidos com o mesmo, são indícios suficientes a pesar em desfavor do recorrente, o que comprova a prática por este, também, do delito de associação, nos termos do art. 35 da Lei 11.343/2006. (e-STJ fl. 441). E, conforme deduzido na sentença, toda a droga estava acondicionada em embalagens tipicamente utilizadas para a prática do tráfico de entorpecentes e possuíam inscrições alusivas ao comando vermelho, bem como que foram efetuados diversos disparos de arma de fogo contra a guarnição policial, o que demonstra que o paciente não atuava sozinho na oportunidade de sua prisão. 4. O fato de o paciente haver sido denunciado e condenado sozinho, haja vista que os demais integrantes da organização criminosa não foram identificados no momento da denúncia, não impede sua condenação no referido delito. Precedentes. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 814.843/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/4/2023, DJe de 3/5/2023.)
Há julgados do STJ pela manutenção da condenação pelo crime de associação para o tráfico em circunstâncias análogas:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. REQUISITOS DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que não conheceu do habeas corpus, mas concedeu ordem de ofício para readequar a pena do agravante, condenado por associação para o tráfico de drogas. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em verificar se há elementos suficientes para configurar o delito de associação para o tráfico de drogas, com os requisitos de estabilidade e permanência, e se é possível a absolvição do agravante quanto a essa imputação. III. Razões de decidir 3. A condenação por associação para o tráfico de drogas foi fundamentada na apreensão de rádios transmissores, armas de fogo e granadas, indicando a atuação coordenada e estruturada dos envolvidos, demonstrando estabilidade e permanência. 4. A região onde ocorreu a prisão é dominada por facção criminosa, o que torna impossível a atuação autônoma no tráfico de drogas, reforçando a associação criminosa. 5. O agravo regimental não trouxe novos argumentos capazes de alterar a decisão anterior, sendo mera reiteração de argumentos já analisados. IV. Dispositivo e tese 6. Agravo regimental não provido. Tese de julgamento: "1. A condenação por associação para o tráfico de drogas exige a comprovação de vínculo estável e permanente entre os envolvidos. 2. A apreensão de rádios transmissores, armas de fogo e granadas, em local dominado por facção criminosa, é suficiente para demonstrar a associação criminosa. 3. A mera reiteração de argumentos já analisados não é suficiente para alterar decisão anterior". Dispositivos relevantes citados: Lei nº 11.343/2006, art. 35. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AR Esp n. 1.033.219/RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 20/3/2018, DJe de 2/4/2018; STJ, HC n. 879.941/RJ, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/11/2024, DJe de 4/12/2024. (AgRg no HC n. 953.327/RJ, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 14/4/2025.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS DA ASSOCIAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ. DOSIMETRIA. AUMENTO PROPORCIONAL E FUNDAMENTADO. REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. As instâncias ordinárias foram uníssonas na conclusão de haver provas suficientes da associação para o tráfico, porquanto o agravante foi apreendido com adolescente em local conhecido como ponto de vendas e esconderijo da facção criminosa 'Comando Vermelho', portando drogas em porções individuais, cuja dominação do grupo criminoso impede a atuação autônoma do agente. Incidência da Súmula n. 7/STJ. 2. Não se constata qualquer ilegalidade flagrante na fixação da reprimenda, notadamente porque a exasperação na primeira fase foi compensada com a atenuante da menoridade relativa na segunda fase e o aumento pelo envolvimento de menor se deu na fração mínima. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp n. 1.033.219/RJ, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 20/3/2018, DJe de 2/4/2018.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ESTABILIDADE E DE PERMANÊNCIA. FALTA DE PLURALIDADE DE AGENTES. AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Como é cediço, para a configuração do tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imprescindível a demonstração dos requisitos da estabilidade e permanência da associação criminosa, não sendo suficiente a reunião ocasional dos agentes 2. Na hipótese, os elementos relativos à estabilidade e à permanência foram deduzidos pelo fato de o agravado ter sido preso em flagrante em área dominada por facção criminosa, em local conhecido pela polícia como ponto de venda de drogas, bem como porque possuía condenação pelo crime de tráfico, cujas circunstâncias ocorreram no mesmo local em que sucederam os fatos apurados neste caso. 3.Assim, na espécie, concluo que foi demonstrada apenas a configuração do delito de tráfico de drogas, deixando a jurisdição ordinária de descrever objetivamente fatos que demonstrassem o dolo e a existência objetiva de vínculo estável e permanente entre o agravado e outros indivíduos. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 906.935/RJ, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024.) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. ART. 35 DA LEI Nº 11.343/2006. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA DO VÍNCULO ASSOCIATIVO. ELEMENTOS CONCRETOS COMPROVADOS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME PROBATÓRIO EM HABEAS CORPUS. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado em favor de Alex Cândido Antero, condenado a 12 anos, 11 meses e 5 dias de reclusão, pela prática dos crimes de tráfico de drogas (art. 33, caput), associação para o tráfico (art. 35), e tráfico interestadual (art. 40, IV), todos da Lei 11.343/2006. A defesa pleiteia a absolvição pelo crime de associação para o tráfico, alegando ausência de provas da estabilidade e permanência do vínculo associativo, necessárias para a configuração do delito. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão central é se os elementos apresentados nos autos são suficientes para comprovar a estabilidade e a permanência da associação criminosa, caracterizando o delito previsto no art. 35 da Lei de Drogas, ou se há necessidade de absolvição do paciente por ausência de provas. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Para a configuração do crime de associação para o tráfico, é necessário que se comprove a estabilidade e a permanência da associação criminosa, sendo insuficiente a mera reunião ocasional de pessoas para a prática de crimes. 4. No caso concreto, as instâncias ordinárias fundamentaram a condenação com base em elementos concretos, como a grande quantidade de drogas apreendidas (1.800g de maconha, 150g de cocaína, e 30g de crack) e a forma de acondicionamento (com inscrições da facção criminosa "FZD CV"), além da apreensão de rádios comunicadores e uma pistola. 5. As provas testemunhais, especialmente os depoimentos dos policiais, corroboram a tese de que o paciente estava associado de forma estável e permanente à facção criminosa Comando Vermelho, responsável pelo controle do tráfico na região. 6. A desconstituição da condenação e a reanálise das provas exigiriam dilação probatória, o que é vedado na via estreita do habeas corpus. O rito sumário do habeas corpus não comporta reexame aprofundado de fatos e provas. IV. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. (HC n. 847.429/RJ, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 15/10/2024, DJEN de 13/3/2025.)
Por outro lado, o cálculo da pena imposta ao crime de tráfico foi assim fundamentado pelas instâncias ordinárias (e-STJ fls. 107/108 e 52/55, g.n.): "(iii.1) 1ª fase:
do crime de tráfico de drogas Constata-se na FAC do ID. 106576492, que o acusado MARCUS VINICIUS DOS SANTOS ANGRISINI não ostenta condenação penal anterior, devendo ser reconhecida a sua primariedade. Ainda quanto às circunstâncias judiciais, não há como não valorar as peculiaridades do tráfico executado pelo réu e seus comparsas, envolvendo inúmeras pessoas para consecução das variadas atividades dentro da organização criminosa, como venda de drogas e contenção armada. Como se nota, as circunstâncias não são as normais do tipo, mas muito mais sofisticadas e estruturadas para que o réu, o adolescente infrator e seus comparsas alcancem seus objetivos de distribuir drogas, controlar o local e obter valores ilícitos. Nesse sentido, as consequências das condutas do réu, do adolescente infrator e de seus comparsas ultrapassam e muito a normal do tipo penal, pois não se está falando em simples distribuição de droga, mas em intenso tráfico executado pelo réu deste feito, com distribuição de drogas na Cidade de Belford Roxo, conhecidas como capazes de produzir efeitos nefastos como cocaína. Devendo ser salientado que o réu, em comunhão de ações e desígnios com o adolescente infrator, mantinha consigo drogas, arma de fogo, apetrechos e rádios comunicadores, de modo que sua participação no tráfico local é evidente. Portanto, deve se levar em conta as consequências deletérias em alta escala decorrentes da prática de tráfico de entorpecentes. Evidentemente, não há como punir o traficante ocasional com a mesma intensidade com que se pune aquele que realiza o tráfico como uma verdadeira empresa, extremamente organizada e habitual. Nem se pode perder de vista que a quantidade de drogas já embaladas e com inscrições alusivas à facção Comando Vermelho, são fatores determinantes a distinguir o traficante do mero usuário ou de um traficante iniciante. Ao contrário, percebe-se que o réu faz da prática do tráfico o seu meio de vida. A culpabilidade do réu é elevada, uma vez que está associado à facção criminosa autointitulada "Comando Vermelho", que exerce o controle do tráfico de drogas em diversas comunidades do Rio de Janeiro e impõe a "cultura do medo" aos cidadãos, por meio da força e do poderio bélico que possui. A facção supracitada é conhecida por ser responsável por diversos crimes ocorridos na cidade, geradora de consequências nefastas ao meio social. Cumpre ainda pontuar as diretrizes do artigo 42 da Lei nº 11.343/06, que levarão à exasperação da pena, por força da natureza/qualidade e quantidade da droga apreendida com o réu e seu comparsa adolescente infrator: 142 g (cento e quarenta e dois gramas) – massa líquida total apurada por amostragem, de pó branco, distribuídos por 149 (cento e quarenta e nove) pequenos tubos de plástico incolor, dotados de tampa plástica presas às embalagens e que proporcionam fechamento por pressão, lacrados com filme de plástico incolor e exibindo etiqueta adesiva, sendo 18 (dezoito) com os inscritos “CPX DE SHANGRILA MULTIRÃO PÓ DE 20”, 41 (quarenta e uma) com os inscritos “CPX DE SHANGRILA MULTIRÃO PÓ DE 10” e 90 (noventa) com a inscrição “CPX DE SHANGRILA MULTIRÃO PÓ DE 5 C.V.”, conforme laudo pericial de ID 110698429, de efeitos imediatos, deletérios e permanentes. A esse respeito, não é possível deixar de considerar que a apreensão do imenso quantitativo de uma droga cara e perniciosa como a cocaína deve receber uma reprimenda maior que o usual, notadamente pelos efeitos catastróficos que 142 g(cento e quarenta e dois gramas) têm quando inseridos na ciranda do tráfico, trazendo prejuízos incomensuráveis a um número altíssimo de pessoas, violando sobejamente a saúde pública. Nessa conjuntura, saliento que a associação se instalou em da cidade de área carente Belford Roxo, onde as pessoas são vulneráveis financeiramente e desprovidas de serviços sociais básicos, de modo que os integrantes da facção, se aproveitando de tais características, têm maior facilidade de domínio e menor chance de serem contrariados. Nesse contexto, avaliadas as circunstâncias acima, fixo a pena base em 06(seis) anos, 10(dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 687(seiscentos e oitenta e sete) dias-multa, à razão unitária mínima da Lei de drogas. 2ª fase: Nesta fase, inicialmente cabe destacar que não merece ser reconhecida a atenuante da confissão, como alegada pela Defesa. Certo é que, uma vez que permaneceu em silêncio durante seu interrogatório, o réu não confirmou em Juízo integralmente as imputações contidas na peça acusatória. Ausentes atenuantes ou agravantes, mantenho a pena nesta fase intermediária em 06(seis)anos, 10(dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 687 (seiscentos e oitenta e sete) dias-multa, à razão unitária mínima da Lei de drogas . 3ª fase: No delito de tráfico, não faz jus o réu ao redutor previsto no artigo 33, §4º, Lei n. 11.343/2006, notadamente porque neste mesmo feito está sendo condenado por associação ao tráfico, o que permite a conclusão de que o réu se dedica à atividade criminosa, não sendo um traficante esporádico. Restou comprovado nos autos que o acusado faz parte de uma associação criminosa que se vale do poder da arma de fogo como meio de intimidação aos agentes da lei e à comunidade, a qual domina, bem como se utilizam de menores de idade para atender aos fins escusos da malta, restando caracterizada, portanto, as causas de aumento previstas no art. 40, incisos IV e VI da Lei 11343/06. Assim, aumento a pena em seu patamar de 1/6(um sexto) para fixar a pena definitiva em 08(oito) anos e 07(sete) dias de reclusão e pagamento de 801(oitocentos e um) dias-multa, à razão unitária mínima da Lei de drogas. [...]" (Sentença). "No caso em análise, na primeira fase, o magistrado a quo fundamentou o aumento das penas-base diante da culpabilidade exacerbada do réu, integrante da facção criminosa “Comando Vermelho”, com atuação extremamente deletéria e de alcance nacional, das circunstâncias e das consequências do crime, além da quantidade e da natureza da substância entorpecente apreendida, nos termos do artigo 42, da Lei 11.343/06, altamente nociva, principalmente à saúde da população das comunidades economicamente mais carentes, exasperando a reprimenda em 3/8, alcançando 06 (seis) anos, 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 687 (seiscentos e oitenta e sete) dias-multa, à razão unitária mínima, para o crime de tráfico de entorpecentes, e 04 (quatro) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão e 962 (novecentos e noventa e dois) dias-multa, à razão unitária mínima, para o delito de associação para fins de tráfico, o que não se altera. Na etapa intermediária, ausentes circunstâncias agravantes ou atenuantes. Na terceira fase, presentes as causas de aumento de pena dos incisos IV e VI, do artigo 40, da Lei 11.343/06, tendo em vista que o denunciado foi preso na posse de arma de fogo e em companhia do adolescente infrator Kauã na prática delituosa, indicando maior reprovabilidade em sua conduta, sendo a reprimenda majorada de forma benevolente, no percentual mínimo de 1/6, atingindo 08 (oito) anos e 07 (sete) dias de reclusão e 801 (oitocentos e um) dias-multa, à razão unitária mínima, para o crime de tráfico de entorpecentes, e 04 (quatro) anos, 09 (nove) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão e 1122 (mil, cento e vinte e dois) dias-multa, à razão unitária mínima, para delito de associação para fins de tráfico, inexistindo o alegado bis in idem, por se tratar de delitos autônomos, conforme se observa dos seguintes arestos do Tribunal da Cidadania: [...] Inaplicável, por conseguinte, o redutor da pena previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, em razão da condenação pelo crime de associação, ficando as penas finais aquietadas nos patamares acima estabelecidos. Tendo em vista o concurso material de crimes, artigo 69, do Código Penal, a sanção final totaliza 12 (doze) anos, 09 (nove) meses e 29 (vinte e nove) dias de reclusão e 1.923 (mil, novecentos e vinte e três) dias-multa, à razão unitária mínima. A reprimenda restou fixada em patamar superior a 04 anos, sendo incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ou a concessão do sursis, nos termos dos artigos 44 e 77, caput, ambos do Código Penal. Quanto ao regime inicial de cumprimento da reprimenda, mantém-se o fechado, porque, além do quantum aplicado, é o único adequado aos objetivos retributivo / preventivo da sanção, atendendo, ainda, ao que dispõem os artigos 59 e 33, § 2º, alínea “a”, e §3º, ambos do CP." (voto do relator da apelação, e-STJ fls. 52/55).
Na sentença, para fixação da pena-base, os vetores de circunstâncias do crime, consequências do crime e culpabilidade do agente formaram um amálgama de desvalor decorrente da adesão do paciente ao Comando Vermelho, facção criminosa que atua de forma violenta, armada e com cooptação de menores em atividade de tráfico de larga escala de cocaína. Entretanto, me parece que a sentença atribuiu ao paciente reprovabilidade que extrapola a específica conduta da conduta de tráfico pelo qual ele foi condenado, tendo transposto para o nível individual os efeitos deletérios da ação coletiva do grupo criminoso.
Ademais, na terceira fase da dosimetria já foram aplicadas as causas de aumento do art. 40, incisos IV e VI, que contemplam parte destas circunstâncias (Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: [...] IV - o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva; [...] VI - sua prática envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;[...]").
E, ainda, o paciente foi condenado pelo crime autônomo de associação criminosa para o tráfico, o qual pressupõe vínculo estável e duradouro com outras pessoas que se dedicam ao tráfico profissionalizado. Idênticos fundamentos foram usados na sentença para agravar a pena-base do crime de associação (e-STJ fl. 108):
"No que diz respeito ao delito de associação ao tráfico, também se verificam as ponderações do delito especificado acima, o qual se faz referência para que aqui reste inteiramente reproduzido, de maneira que a reprovabilidade da conduta do acusado excedeu a normal do tipo, bem como as consequências do crime e da necessidade de observância da vasta quantidade de drogas apreendidas."
Embora sejam crimes autônomos, a pena-base do crime de tráfico foi exasperada com base em elementos constitutivos (inerentes) de outro crime, associação ao tráfico, em relação ao qual o paciente também foi condenado. Portanto, nítido o bis in idem contido nestes vetores da pena-base. Para ilustrar, segue julgado em que circunstâncias similares foram consideradas na dosimetria do crime de associação criminosa, o que reforça o equívoco desse traslado para o crime de tráfico:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. 2. A moduladora "motivos do crime" constitui a razão precípua (o porquê) da causa do crime, como expressão qualitativa da vontade do agente, transcendente à tipicidade ordinária criminógena, mas desde que não integre circunstância qualificadora, agravante ou (eventual) causa de aumento de pena plasmada pelo legislador, sob pena de nefasto bis in idem (AgRg no AREsp n. 2.665.217/SC, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 26/2/2025, DJEN de 6/3/2025.). No presente caso, a circunstância judicial relativa aos motivos do crime foi considerada desfavorável, haja vista que os acusados visavam a expansão e o fortalecimento das atividades criminosas do Primeiro Comando da Capital, em todo país, pelo que reputo plenamente justificada a exasperação da basilar a esse título, uma vez que tal circunstância desborda da reprovabilidade ínsita ao delito, devendo, desse modo, permanecer o incremento operado. 3. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, as instâncias de origem decidiram pela sua reprovabilidade, para o acusado W, tendo em vista que as atividades criminosas desenvolvidas pelo apelante estimulam o aumento dos índices de violência e criminalidade, não só nos centros urbanos, como também no interior do país, além do que as ações praticadas pelos membros da referida facção causam elevado temor à sociedade, principalmente diante das ações violentas que empregam, a exemplo das brigas entre facções rivais, luta por domínio de áreas e condutas afins, tudo a aumentar a reprovabilidade da conduta, em razão dos resultados que transbordam o tipo penal. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 2.879.699/AL, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 21/5/2025.)
Quanto ao vetor preponderante — quantidade e natureza da droga — a Lei n. 11.343/2006 dispõe:
"Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente."
Cabe destacar que quantidade e natureza de drogas formam vetor único preponderante, e não dois vetores prejudiciais ao paciente.
AGRAVOS REGIMENTAIS NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA. VETOR JUDICIAL ÚNICO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO EM DUAS FASES DISTINTAS DA DOSIMETRIA. BIS IN IDEM CONFIGURADO. DESLOCAMENTO DE VETOR JUDICIAL PARA A TERCEIRA FASE DA DOSIMETRIA. INVIABILIDADE. 1. A natureza e a quantidade da droga são elementos que integram um vetor judicial único, não podendo ser cindido para aumentar a pena em duas fases distintas. Jurisprudência do STJ. 2. Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal, "[...] a natureza e a quantidade de droga caracterizam vetor judicial único, que não pode ser cindido para aumentar a pena em duas fases distintas da dosimetria penal. Precedentes." (AgRg no HC n. 766.503/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 19/10/2023, DJe de 30/10/2023.) 3. Hipótese em que as instâncias ordinárias, a despeito da utilização da quantidade da droga no aumento da pena-base, utilizaram a natureza deletéria do crack para justificar a fração 1/6 da causa de diminuição da pena na terceira fase, o que configura indevido bis in idem. 4. "A escolha pela aplicação dos vetores da quantidade e da qualidade das drogas na primeira ou na terceira etapas está inserida no juízo de discricionariedade do julgador, não cabendo a este Tribunal alterar a conclusão exarada pelas instâncias ordinárias" (AgRg no HC n. 857.404/MG, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 04/12/2023, DJe 11/12/2023). 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 878.774/MG, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 25/6/2024.)
Uma vez que foram apreendidos 142g de cocaína, impõe aferir como a jurisprudência do STJ aborda quantidades análogas no contexto deste artigo. Os julgados abaixo demonstram que esta quantidade de cocaína é suficiente para aumentar a pena-base, na fração de 1/6:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DAS PENAS-BASE. INVIABILIDADE. QUANTIDADE E NATUREZA DO ENTORPECENTE APREENDIDO. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A legislação brasileira não prevê um percentual fixo para o aumento da pena-base em razão do reconhecimento das circunstâncias judiciais desfavoráveis, tampouco em razão de circunstância agravante ou atenuante, cabendo ao julgador, dentro do seu livre convencimento motivado, sopesar as circunstâncias do caso concreto e quantificar a pena, observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 2. Em se tratando de crime de tráfico de drogas, o juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, a personalidade e a conduta social do agente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006, in verbis: Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. 3. As basilares do paciente foram exasperadas, ante o desvalor conferido à sua culpabilidade, consubstanciada na quantidade e qualidade do entorpecente apreendido - 151 porções de cocaína, pesando aproximadamente 116,20g (e-STJ, fl. 32). Nesse contexto, não verifico nenhuma ilegalidade a ser sanada no desvalor conferido a essa vetorial, porquanto a quantidade e a natureza dos entorpecentes constituem fatores que, de acordo com o art. 42 da Lei 11.343/2006, são preponderantes para a fixação das penas relacionadas ao tráfico ilícito de entorpecentes. Precedentes. 4. A pretensão formulada pelo impetrante encontra óbice na jurisprudência desta Corte de Justiça e na legislação penal, sendo, portanto, manifestamente improcedente. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 987.036/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/4/2025, DJEN de 14/4/2025.) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. QUANTIDADE DE DROGA. FUNDAMENTO IDÔNEO. AUMENTO DESPROPORCIONAL. APLICAÇÃO DA FRAÇÃO DE 1/6. AFASTAMENTO DA MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. BIS IN IDEM CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS ALÉM DA QUANTIDADE DE DROGA. REDUÇÃO DA PENA. FIXCAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. AGRAVO PROVIDO PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. I. CASO EM EXAME [...] 4. A exasperação da pena-base com fundamento na quantidade de drogas apreendida está devidamente fundamentada, conforme os parâmetros estabelecidos no art. 42 da Lei n. 11.343/2006, que confere preponderância à quantidade e natureza da substância. 5. Contudo, o aumento realizado, de 1/3, revelou-se desproporcional diante da quantidade de droga apreendida (227,1g de cocaína), aplicando-se o aumento de 1/6 acima da pena mínima. 6. Ao afastar a minorante do tráfico privilegiado com base na mesma quantidade de droga utilizada para exasperar a pena-base, a decisão incorreu em bis in idem, o que é vedado pela jurisprudência consolidada do STJ. 7. A Terceira Seção do STJ já decidiu que a quantidade de droga pode ser considerada ou na primeira fase da dosimetria (pena-base) ou na terceira fase (modulação da minorante), mas não em ambas as fases, sob pena de dupla punição pelo mesmo fato. 8. Tendo sido a quantidade de droga utilizada para aumentar a pena-base, deve-se reconhecer a aplicabilidade da minorante do tráfico privilegiado no grau máximo, dado que não há outros elementos que indiquem a dedicação a atividades criminosas ou o envolvimento com organização criminosa. 9. Embora fixada a pena em patamar inferior a 4 anos de reclusão, a existência de circunstância judicial desfavorável justifica a fixação do regime semiaberto para o cumprimento da pena. IV. Agravo provido para dar parcial provimento do RESP. Pena redimensionada para 1 ano e 8 meses de reclusão e 166 dias-multa, com regime inicial semiaberto. (AREsp n. 2.482.597/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 3/12/2024, DJEN de 26/12/2024.) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE. QUANTIDADE, NATUREZA E VARIEDADE DAS DROGAS. VALORAÇÃO NEGATIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA EVIDENCIADA. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. RECURSO DESPROVIDO. [...] 2. A questão em discussão consiste em saber se houve violação ao art. 59 do Código Penal e ao art. 42 da Lei 11.343/06, no que tange à valoração negativa da natureza e quantidade da substância entorpecente apreendida, e se é cabível a aplicação do redutor do tráfico privilegiado previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006. III. Razões de decidir 3. O entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça permite a consideração da natureza e quantidade do entorpecente na dosimetria da pena-base, com preponderância sobre as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, conforme o art. 42 da Lei nº 11.343/2006. 4. No caso concreto, a valoração negativa da natureza e quantidade dos entorpecentes está em conformidade com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a evidenciar incidência da Súmula n. 83/STJ, visto que a quantidade de droga apreendida (41 gramas de cocaína, em 51 porções) e sua nocividade justificam a valoração negativa e o aumento da pena-base. 5. A aplicação do tráfico privilegiado (§ 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006) exige que o agente seja primário, tenha bons antecedentes, e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. O Tribunal de origem verificou que a recorrente se dedicava ao tráfico como meio de vida, sendo conhecida na localidade como "patroa" do tráfico, o que afasta a caracterização de traficância eventual. Assim, não se demonstram presentes os requisitos para a concessão do benefício. 6. A revisão das conclusões das instâncias ordinárias demandaria reanálise do acervo fático-probatório, o que é inviável em sede de recurso especial, conforme a Súmula 7 do STJ. IV. Dispositivo e tese 7. Recurso desprovido. (REsp n. 2.022.200/PR, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 16/12/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DECISÃO MONOCRÁTICA. TRÁFICO DE DROGAS. TRÂNSITO EM JULGADO DO DECRETO CONDENATÓRIO. MANEJO DO WRIT COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. PRECLUSÃO TEMPORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ART. 42 DA LEI DE DROGAS. TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA DEVIDAMENTE DEMONSTRADA. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO INVIÁVEL NA ESTREITA VIA DO MANDAMUS. REGIME FECHADO. ADEQUADO. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL QUE ELEVOU A PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PRECEDENTES. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL. DESCABIMENTO. CARÊNCIA DE REQUISITOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] IV - O Tribunal de origem, de forma motivada e de acordo com o caso concreto, atento às diretrizes do art. 42 da Lei de Drogas e do art. 59, do Código Penal, considerou a natureza do entorpecente apreendido com o paciente (cocaína), não se mostrando desproporcional a exasperação da basilar no patamar prudencial de 1/6 (um sexto), considerando-se que foi apreendida quantidade significativa de entorpecentes, ainda que não excepcional (32 porções equivalentes a 45g de cocaína), tal qual se depreende dos autos (e-STJ fl. 84). V - A quantidade do entorpecente, por si só, tal qual assinalado no acórdão impugnado, não seria hábil a ensejar a exasperação da basilar - tendo em vista, contudo, a sua conjugação com a natureza mais deletéria da cocaína, não sendo irrisório o quantitativo apreendido, tenho que não há ilegalidade flagrante a ser sanada mediante a concessão da ordem de habeas corpus. Trata-se, com efeito, de condição preponderante em relação ao próprio art. 59 do Código Penal, não sendo verificada, na espécie, desproporção no aumento da pena-base, uma vez que há motivação particularizada, em obediência aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, ex vi do art. 42 da Lei n. 11.343/06. VI - Por ocasião do julgamento do ARE n. 666.334/AM, o eg. Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria referente à valoração da natureza e da quantidade da droga na dosimetria relativa ao delito de tráfico de entorpecentes e, reafirmando sua jurisprudência, fixou entendimento segundo o qual fica evidenciado o bis in idem quando a valoração em tela opera-se na primeira e terceira fases do cálculo da pena. Cabe às instâncias ordinárias, ao promover a dosimetria, considerar a quantidade e a natureza da droga no momento que melhor lhe aprouver, podendo valorá-las na primeira fase da dosimetria, para exasperar a pena-base, ou na terceira fase, para afastar o redutor do tráfico privilegiado ou modular a sua fração, mas nunca em ambas as fases, sob pena de bis in idem. VII - Na hipótese, a majoração da pena-base está fundada na natureza e quantidade da droga apreendida, ao passo que o afastamento da minorante ocorreu pela dedicação às atividades criminosas. Fatos distintos, portanto, inexistindo bis in idem. [...] X - Mantida pena superior a 4 (quatro) anos de reclusão, não há se falar em substituição da corporal por restritiva de direito, nos termos do art. 44, inciso I, do Código Penal. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 865.791/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 9/9/2024, DJe de 13/9/2024.)
Assim, a pena-base do tráfico deverá corresponder à pena-mínima cominada no art. 33 da Lei 11.343/2006, acrescida de 1/6, na forma do art. 42 da mesma lei, ficando afastadas as demais circunstâncias desvaloradas pelas instâncias ordinárias. Nestes termos, a pena-base é ora estipulada em 5 anos e 10 meses de reclusão. Na segunda fase da dosimetria, não houve reconhecimento de agravantes ou atenuantes. Prejudicado o pedido de aplicação da minorante do tráfico privilegiado, já que não foi acolhido o pedido de absolvição do crime de associação ao tráfico. Na terceira fase, fica mantido o aumento de 1/6 estipulado pela incidência de causas de aumento, o que acarreta a pena definitiva de 06 anos 9 meses e 20 dias de reclusão para o crime de tráfico de drogas.
A redução de pena imposta nesta sentença quanto ao crime de tráfico de drogas não altera o regime de pena, nem viabiliza a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do Regimento Interno do STJ, não conheço do presente do habeas corpus, contudo concedo a ordem de ofício para reduzir a pena aplicada ao crime de tráfico de drogas para 06 anos 9 meses e 20 dias de reclusão, mantidos tanto a pena aplicada ao crime de associação ao tráfico quanto o regime inicial de cumprimento de pena. Publique-se. Intimem-se.
Relator
JOEL ILAN PACIORNIK
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