STJ Jul25 - Dosimetria Irregular - Homicídio Qualificado - Vetorial das consequências do crime inidôneo :"comoção social é consequência abstrata e inerente a delitos desta espécie" - Ausência de Elementos Concretos

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de agravo regimental interposto por WILSON XXXXX, contra decisão de fls. 561/563, na qual indeferi liminarmente o habeas corpus. Nas razões recursais, a defesa alega que houve desproporcionalidade da pena aplicada ao agravante em relação aos demais corréus, violando os princípios da isonomia e da individualização da pena.

Alega que a dosimetria da pena foi realizada de forma incorreta, com aumento injustificado na pena-base e consideração de maus antecedentes sem comprovação. Sustenta que o acórdão careceu de fundamentação adequada, violando o art. 93, IX, da Constituição Federal, que exige fundamentação das decisões judiciais.

Argumenta que a reprimenda imposta mostrou-se absolutamente desproporcional, em afronta ao art. 59 do Código Penal - CP, notadamente quando confrontada com as sanções impostas aos demais corréus, cujas condutas ostentam grau de reprovabilidade igual ou superior àquela atribuída ao agravante.

Requer a reconsideração do decisum ou o julgamento do recurso e seu provimento pelo órgão colegiado, a fim de que seja redimensionada a pena do agravante. O Ministério Público Federal - MPF manifestou-se pela concessão de habeas corpus de ofício, para revisar a pena-base do agravante.

É o relatório. Decido.

Com efeito, melhor analisando os autos, com razão o agravante, pelo que, em homenagem ao princípio da economia processual, reconsidero a decisão de fls. 561/563 e passo à nova análise do mandamus impetrado em favor de WILSON DXXXXXXXX.

A priori, no tocante ao pleito de ofensa ao princípio da isonomia, ressalte-se que o Tribunal de origem não se manifestou expressamente acerca da referida irresignação defensiva nos termos delineados na inicial, tampouco foi instado pela defesa a pronunciar-se a respeito, mediante a oposição de embargos declaratórios.

Assim, incabível a análise diretamente por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância. No mais, razão assiste em parte ao impetrante, quanto à fundamentação da pena-base do paciente.

Por oportuno, transcrevo excertos da sentença condenatória que, na primeira fase dosimétrica, negativou quatro circunstâncias judiciais, quais sejam, culpabilidade, antecedentes, circunstâncias e consequências do crime, assim assinalando:

"Na primeira fase da dosimetria, à luz do artigo 59 do Código Penal, entendo que a culpabilidade é acentuada. [...] Também merece maior reprovação da conduta do acusado em virtude do modus operandi do crime praticado, com estrutura organizada, divisão de tarefas e número de corréus. Além disso, é preciso destacar o profissionalismo dos condenados, inclusive destruindo provas que pudessem demonstrar os elementos do crime. Assim foi, quando ocultaram a arma de fogo e incendiaram o veículo utilizado para a prática da empreitada criminosa. [...] Também as circunstâncias em que o delito foi praticado são extremamente graves. Inicialmente, ressalto que foi demonstrado que a infração penal foi cometida com ardil. A vítima foi atraída para um suposto encontro em um restaurante, no qual foi covardemente morta. Além disso, imperioso destacar que o delito foi praticado em um posto de gasolina, onde é possível ver nas imagens captadas no momento do crime, em que existiam inúmeras pessoas, em vários veículos. Nesse sentido, com os disparos de arma de fogo feitos para matar a vítima, colocou-se em sérios riscos todos os clientes que ali estavam. Também merece maior punição o fato de utilizarem arma de fogo com numeração suprimida, do tipo que dificulta a descoberta da autoria delitiva. Não sem motivo, a Lei nº 10.826/2003 pune severamente aquele que detém arma de fogo com numeração suprimida. Assim, violaria o princípio da individualidade da pena sancionar com a mesma punição aquele que pratica o delito com arma própria ou com arma de fogo com numeração aparente. As consequências também são graves, eis que o delito causou grande repercussão na sociedade. A vítima era conhecida advogado criminalista, conforme, inclusive, a testemunha Flávio mencionou. Também foram veiculadas na imprensa diversas matérias mencionando a prática delitiva. É óbvio que a referida infração penal causou sérios abalos na comunidade, inclusive do meio jurídico, onde a vítima era bem conhecida, acarretando séria intranquilidade. Por fim, ainda na primeira fase, cumpre destacar que o réu ostenta maus antecedentes. Por tudo isso, promovo o aumento de 4/6, fixando a pena-base em 20 anos de reclusão" (fls. 67/68).

O TJ/SP, por sua vez, no julgamento da apelação, manteve os fundamentos da majoração da pena-base, no entanto reduziu o quantum de aumento para ½ (metade), perfazendo a pena inicial de 18 anos de reclusão.

Vê-se que, como bem apontado pelo representante do Parquet Federal em manifestação perante este Tribunal Superior, com exceção das consequências do delito, as demais circunstâncias judiciais foram corretamente valoradas negativamente.

Vale salientar que a dosimetria da pena deve ser feita seguindo o critério trifásico descrito no art. 68, c/c o art. 59, ambos do Código Penal – CP, cabendo ao Magistrado aumentar a pena de forma sempre fundamentada e apenas quando identificar dados que extrapolem as circunstâncias elementares do tipo penal básico.

Sendo assim, é certo que o refazimento da dosimetria da pena em habeas corpus tem caráter excepcional, somente sendo admitido quando se verificar, de plano e sem a necessidade de incursão probatória, a existência de manifesta ilegalidade ou abuso de poder.

Acerca da culpabilidade, o modus operandi do crime praticado – com estrutura organizada, divisão de tarefas e número de corréus, bem como o profissionalismo dos condenados, inclusive destruindo provas que pudessem demonstrar os elementos do crime – demonstra concretamente o maior grau de reprovabilidade do comportamento do paciente, aspecto que ultrapassa a reprovação inerente ao tipo penal em análise, e deve ter reflexos na fixação da pena.

Igualmente, no tocante à negativação das circunstâncias do crime, foi devidamente consignado que o delito foi praticado de forma extremamente grave, na medida em que, de forma ardil, a vítima foi atraída para um suposto encontro em um restaurante, no qual foi morta.

Sublinhou-se, ainda, o fato de que o delito foi praticado em um posto de gasolina, em horário movimentado, com inúmeras pessoas, em vários veículos, de modo que, com os disparos da arma de fogo para matar a vítima, colocou-se em sérios riscos todos os clientes que ali estavam presentes; situação que desborda o tipo penal, justificando a análise desfavorável e a fixação da pena-base acima do mínimo legal.

No que diz respeito aos maus antecedentes, verifica-se que foram reconhecidos na sentença e ratificados no julgamento da apelação, não tendo o impetrante anexado aos presentes autos a certidão de antecedentes criminais do paciente, não havendo, portanto como se inferir o contrário.

É sabença que o habeas corpus, em sua estreita via, deve vir instruído com todas as provas pré-constituídas das alegações feitas, já que não admite dilação probatória.

No entanto, no que diz respeito às consequências do crime, verifica-se que a referida comoção social é consequência abstrata e inerente a delitos desta espécie, sendo certo que a valoração negativa de circunstância judicial que acarreta exasperação da pena-base deve estar fundada em elementos concretos, não inerentes ao tipo penal.

Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado desta Corte Superior de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONCURSO MATERIAL. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS INERENTES AO PRÓPRIO TIPO PENAL DO ART. 217-A DO CÓDIGO PENAL. VALORAÇÃO NEGATIVA. IMPOSSIBLIDADE. 1. Não é dado ao juiz sentenciante se utilizar de circunstancias e consequências inerentes ao tipo violado para elevar a reprimenda imposta ao réu. 2. O fato de o crime ter sido praticado para a satisfação da lascívia contra menor de idade, embora sobejamente graves, são circunstâncias inerentes ou comuns aos delitos de estupro de vulnerável. 3. Comoção social e os reflexos nos familiares da ofendida são conseqüências abstratas e inerentes ao delito, razão pela qual não podem justificar elevação da pena base. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.636.954/CE, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 17/8/2017, DJe de 23/8/2017.)

De mais a mais, ressalte-se que o ofendido, advogado conhecido da cidade, não foi vítima do crime de homicídio por conta de sua profissão, e sim por desentendimento com os réus, pois estava exigindo de ambos, com certa insistência, pagamento de dívida (fl. 57).

Dessa forma, decotando a negativação das consequências do crime, e seguindo o parâmetro utilizado pelo Tribunal de origem, a pena-base do paciente deve ser exasperada em 3/8, diante das três circunstâncias judiciais que foram corretamente valoradas negativamente pelas instâncias ordinárias, a qual fixo em 16 anos e 6 meses de reclusão.

Na segunda fase, a reprimenda foi exasperada em 1/4, perfazendo a pena final de 20 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, a qual torno definitiva, ante a ausência de causas de aumento e de diminuição da pena. Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo regimental, para reconsiderar a decisão de fls. 561/563 e, com fundamento no art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do mandamus, contudo, concedo a ordem de habeas corpus, de ofício, para reduzir a pena do paciente WILSON DECARIA JÚNIOR, tornando-a definitiva em 20 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão, mantidos os demais termos da condenação. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - AgRg no HABEAS CORPUS Nº 1001575 - SP (2025/0159975-8) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 03/07/2025)

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