STJ Jul25 - Execução Penal - Absolvição de Falta Grave - Tumulto - Sanção Coletiva - Ausência de Individualização - Baseado em Depoimentos Exclusivo de Agentes - arts. 50 a 52 da LEP (Inexistência de ofensividade e lesividade)

 Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em benefício de ROMARIO XXXXXXXXXXXX, impugnando acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em julgamento do agravo em execução n. 0010623-74.2025.8.26.0996.

Consta dos autos que o Juiz das Execuções Criminais homologou falta grave de 1º/10/2024, consistente em tumulto e subversão à ordem e disciplina (e-STJ, fls. 279/282). Contra a decisão, a defesa interpôs agravo em execução, perante a Corte de origem, o qual negou provimento ao recurso, recebendo o acórdão a seguinte ementa (e-STJ, fl. 26):

Agravo de Execução Penal. Falta Disciplinar de Natureza Grave. Decisão que reconheceu a prática de falta disciplinar de natureza grave, declarando a perda de 1/3 dos dias remidos e o reinício da contagem do prazo para fins de progressão de regime. Recurso defensivo. Pleito de absolvição por falta de provas ou por ser vedada a imposição de sanção coletiva. Impossibilidade. Agentes penitenciários que confirmaram a concorrência do agravante no tumulto que subverteu a ordem e disciplina. Apuratório em procedimento administrativo disciplinar que corroborou o cometimento da falta grave. Correção da decisão de reinício do prazo para progressão de regime e perda de um terço dos dias remidos. Precedentes do C. STJ. Recurso não provido.

Nesta‎ ‎impetração, ‎ ‎a‎ ‎defesa‎ ‎aponta ocorrência de sanção coletiva, tendo em vista a ausência de individualização da conduta, sendo que a única prova colacionada foram os depoimentos genéricos dos agentes de disciplina e segurança, os quais nada esclarecem sobre a conduta concreta do sindicado.

Alega que não se logrou êxito em colacionar qualquer prova que comprovasse o nexo entre uma conduta do agente e o resultado criminoso, eis que nenhuma das testemunhas da autoridade sindicante presenciou diretamente o fato investigado, tampouco esclareceram qual era a relação do sentenciado com a infração apurada.

Aduz que o comportamento irrogado ao reeducando não se subsume a qualquer das faltas graves previstas nos arts. 50 a 52 da Lei de Execução Penal, porquanto despido de qualquer periculosidade e ofensividade ao estabelecimento prisional, estando as sanções aplicadas totalmente desproporcionais.

Explica que as condutas imputadas se amoldam nas seguintes infrações disciplinares de natureza média tipificadas no Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo então vigente: Artigo 45 - Consideram-se faltas disciplinares de natureza média: I – atuar de maneira inconveniente, faltando com os deveres de urbanidade frente às autoridades, aos funcionários e aos presos; V- induzir ou instigar alguém a praticar qualquer falta disciplinar; [...]. Lembra que a desclassificação das faltas irrogadas também se faz imprescindível, por força dos princípios interpretativos penais da especialidade e da subsidiariedade.

Por fim, sustenta que o magistrado singular não atentou ao que determina a nova redação do artigo 127 da Lei de Execução Penal e, de forma singela, determinou a perda de 1/3 dos dias remidos, sem uma análise aprofundada do caso concreto.

Diante‎ ‎disso,‎ ‎requer,‎ ‎liminarmente‎ ‎e‎ ‎no‎ ‎mérito,‎ ‎ seja absolvido o Paciente da falta disciplinar imputada contra ele por atipicidade ou, subsidiariamente, determinada a desclassificação da falta disciplinar de natureza grave para outras de natureza leve ou média, ou ainda, determinada seu cancelamento, por se tratar de inequívoca sanção coletiva.

É‎ ‎o‎ ‎relatório. Decido.

As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).

Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).

Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido ( EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).

Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).

No que concerne ao conhecimento da impetração, o Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.

Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.

Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SC, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.

Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.

Falta grave - subversão à ordem e disciplina/ Sanção coletiva O Tribunal manteve o reconhecimento da falta grave (subversão à ordem), aos seguintes fundamentos (e-STJ, fls. 27/29):

[...] Os fatos foram presenciados pelos Agentes de Segurança Penitenciária, Bruno Henrique de Oliveira Pecoraro e Fagner Aleixo, que confirmaram a participação de ROMARIO nos eventos. Assim agindo, o agravante ROMARIO e os demais 26 detentos da cela nº 5, infringiram o disposto nos artigos 50, Inciso I e VI, 52, ambos da Lei de Execução Penal, nesse último c. c. art 163 Inciso III e 331 do Código Penal (fls. 63/91). Na sindicância instaurada, comprovou-se a concorrência de ROMARIO na subversão à ordem e disciplina do pavilhão, inclusive com danos patrimoniais, concluindo-se pela ocorrência da falta disciplinar de natureza grave e sua autoria. [...] Ocorre que a conduta do acusado restou individualizada, não havendo que se falar em mera sanção coletiva, para afastar a falta disciplinar de natureza grave. Embora 27 (vinte e sete) presos tenham sido punidos pela prática da falta disciplinar, restou certa a responsabilidade do agravante, consoante Comunicado de Evento (fls. 64), Portaria (fls. 17/18) e demais elementos do contexto probante. [...] Insta salientar que, em casos como esse, basta a descrição pormenorizada e objetiva dos fatos e a identificação dos envolvidos, tal como ocorreu nos presentes autos, ainda que não pormenorize cada ação de cada participante. Neste sentido, já decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça: [...] Conjunto probatório consistente, a conduta do agravante se amolda perfeitamente aos artigos 50, incisos I e VI, 52, ambos da Lei de Execução Penal, nesse último c. c. artigo 163, inciso III, e artigo 331 do Código Penal, não havendo que se falar em absolvição. [...] Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.

Contudo, folheando os autos do procedimento administrativo disciplinar, verifico caso de nulidade, por ter sido aplicada indevida sanção coletiva.

Observo, inicialmente, que, de acordo com o comunicado do evento - STJ, fl. 49 -, alguns detentos seguraram a porta da cela 5, quebrando o mecanismo de acionamento, o que permitiu que os demais habitantes da cela saíssem para o pátio, dando início a um tumulto generalizado, sendo preciso a intervenção do Grupo de Intervenção Rápida para conter os rebeldes.

Embora o nome do sentenciado tenha sido citado, na descrição em si do evento, não foi especificada nenhuma conduta praticada por ele. Ouvidos 3 agentes de segurança, todos confirmaram o evento, não citando, em nenhum momento, o nome do apenado - STJ fls. 210/211, 214/215 e 218/219.

Em sua oitiva, o sentenciado negou ter participado dos fatos, afirmando, inclusive, que faz parte da cela 3, não da 5 - STJ fl. 240 -, fato que não foi explicado no PAD.

Assim, os dados probatórios colhidos na instrução do procedimento não são suficientes para firmar, de maneira convincente, que o executado tomou parte na ação ilícita.

É tanto que na fundamentação do relatório da sindicância, as provas foram baseadas apenas nos relatos das testemunhas, na comunicação do evento e na prova de objeto danificado, sendo que nessas provas não houve a especificação da conduta do recluso - STJ fls. 265/268.

Afinal, foram mais de 20 prisioneiros envolvidos, o que torna inconcebível uma certeza acerca da participação do apenado nos fatos. Não desconheço a credibilidade das palavras dos policiais; no entanto, no caso, eles não descreveram a conduta do ora executado, nem sequer mencionaram seu nome.

Desse modo, como não se conseguiu, dentro de um quadro de razoabilidade, definir a conduta do ora paciente, de rigor a absolvição, por violação não só da vedação da sanção coletiva, prevista na LEP (art. 45, par. 3º), como também do princípio constitucional da responsabilidade pessoal (art. 5º, XLV, CF).

Nesse sentido:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. FALTA GRAVE. HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO. SANÇÃO COLETIVA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e este Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. "É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado" (HC-292.869/SP. Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. SEXTA TURMA, Dje 29/10/2014) 3. In casu, o agredido identificou os colegas detentos que teriam participado da agressão, mas não há nada nos documentos encaminhados para apuração da falta grave que descreva a conduta individualizada do paciente. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida de ofício para anular o reconhecimento de falta grave e seus consectários legais. (HC n. 365.825/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 16/3/2017, DJe de 27/3/2017.) EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. AGRAVO EM EXECUÇÃO. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) FALTA GRAVE. HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DO COMPORTAMENTO. SANÇÃO COLETIVA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. (3) WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial. 2. É ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado. 3. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, acolhido o parecer ministerial, para anular o reconhecimento de falta grave, que teria sido perpetrada em 15 de abril de 2008, e seus consectários legais. (HC n. 292.869/SP, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 14/10/2014, DJe de 29/10/2014.)

Diante da absolvição da falta grave, ficam prejudicados os pedidos de desclassificação da conduta e de redução da perda de dias remidos. Informo, de antemão, que é incabível eventual e futuro pedido de extensão em relação aos demais detentos habitantes da mesma cela, porquanto apenas têm legitimidade para requerer pedido de extensão os corréus (na hipótese de concurso de agentes), portanto, partes que compõem a mesma relação jurídico processual, o que não é o caso dos autos, haja vista que o processo de execução do ora requerente tramita em autos diversos dos demais sindicados do PAD.

Acerca do tema, já decidiu a Suprema Corte que o art. 580 do Código de Processo Penal é norma processual penal garantidora de tratamento jurídico isonômico para os corréus que apresentarem idêntica situação jurídica à do réu beneficiado em seu recurso, aplicável ao processo de habeas corpus; não sendo cabível a medida aos feitos nos quais o paciente do habeas corpus não integrou a relação jurídico processual como corréu do requerente do pedido de extensão.

Configurada flagrante ilegalidade, hábil a ocasionar o deferimento, de ofício, da ordem postulada. Ante o exposto, com amparo no art. 34, XX, do Regimento Interno do STJ, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício, a fim de cassar o acórdão hostilizado e determinar que Juiz da Execução Penal absolva o executado da falta grave imputada, anulando, assim, todos os consectários jurídicos. Comunique-se, com urgência, esta decisão, ao Juízo de origem e ao Tribunal coator. Intimem-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 1015791 - SP (2025/0239848-5) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 04/07/2025)

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