STJ Jul25 - Lavagem de Capitais - RIFs do COAF - Quebra de Sigilo ilegal e prova declarada Ilícita - Requisição Direta - Relatório Requerido Pela Autoridade Policial ao COAF Sem Ordem Judicial - Tema 990 do STF

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de BRUNO XXXXXXXO contra acórdão da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no HC n. 1.0000.25.168421-3/000, assim ementado:

HABEAS CORPUS – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E LAVAGEM DE DINHEIRO – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – IMPOSSIBILIDADE – INÉPCIA DA DENÚNCIA – DESCABIMENTO DA ALEGAÇÃO – PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. - O trancamento da ação penal, em sede de habeas corpus, é medida excepcional, somente sendo admitido quando restar demonstrada a prima facie, sem necessidade de análise acurada das provas, a atipicidade da conduta, a existência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de justa causa (prova de materialidade e indícios de autoria delitiva). - Inviável a alegação de inépcia da denúncia oferecida pelo Parquet quando esta preencher os requisitos dispostos no art. 41 do Código de Processo Penal. (e-STJ, fl. 37)

Em seu arrazoado, o impetrante refere que o objeto do presente writ é o reconhecimento da ilicitude dos RIFs solicitados diretamente ao COAF pela Polícia sem ordem judicial, em contraposição à tese firmada recentemente pela 3ª Seção deste Superior Tribunal de Justiça.

Alega que no Tema 990, o STF reconheceu a constitucionalidade do compartilhamento espontâneo, e não por solicitação, de dados bancários fiscais já regularmente obtidos por órgãos administrativos no exercício de seu poder de fiscalização.

Sustenta que, in casu, não houve comunicação espontânea da UIF/COAF, mas requisição direta pela polícia judiciária, sem autorização judicial. Além disso, aduz que a requisição também violou requisitos legais e princípios constitucionais básicos, notadamente:

Inexistência de fundamentação específica da medida; Ausência de indicação de movimentações atípicas anteriores; Não delimitação temporal objetiva (abrangência genérica de seis anos: 2018 a 2023); Descumprimento dos requisitos do art. § 7º do Decreto nº 3.724/2001, que rege o funcionamento da UIF; Violação ao princípio da proporcionalidade, pela extensão desmedida da medida. (e-STJ, fl. 9)

Argumenta que todo esse atuar desvirtua o o sistema de controle judicial prévio sobre a produção probatória, contaminando todo o conjunto de elementos que derivam desses relatórios, à luz da teoria dos frutos da árvore envenenada.

Explica que, conforme consta expressamente nos autos da investigação, o Delegado de Polícia, sem autorização judicial, requereu diretamente à Unidade de Inteligência Financeira (UIF/COAF) a elaboração de Relatório de Inteligência Financeira (RIF) referente a diversos investigados e sem delimitação de lapso temporal, evidenciando típica pesca probatória.

Alega, assim, que todos os elementos obtidos a partir dessa requisição são ilícitos e devem ser desentranhados dos autos, incluindo os atos derivados, inclusive medidas cautelares e a própria ação penal, que deve ser trancada, nos termos do art. 395, inciso III do Código de Processo Penal, por ausência de justa causa.

Afirma que todos os elementos utilizados na investigação e na denúncia têm origem nos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) do COAF, solicitados sem autorização judicial, em pedido genérico, imotivado e sem qualquer delimitação temporal ou objetiva, comprometendo toda a persecução penal.

Sustenta que não foram juntadas aos autos as provas advindas das quebras de sigilo fiscal e telemático, em ofensa à Súmula Vinculante n. 14. Alega, ainda, que não houve demonstração da cadeia de custódia da prova, pois não há comprovação de preservação da integridade, como códigos hash, logs, ou laudos técnicos.

Aponta inépcia da denúncia, que não teria descrito, de forma clara e individualizada, as condutas atribuídas ao paciente, acrescentando que a acusatória carece de suporte probatório mínimo, estando amparada exclusivamente nos relatórios da COAF obtidos de forma ilícita. Pugna, liminarmente, pelo sobrestamento imediato da Ação Penal n. 0004497-82.2024.8.13.0647, com o cancelamento das audiências designadas para os dias 30/6, 1º, 2 e 3/7.

Ao final, requer seja declarada a ilicitude dos Relatórios de Inteligência Financeira RIFs) obtidos mediante requisição direta ao COAF, sem autorização judicial, bem como de todas as provas delas derivadas. Assim como o trancamento da Ação Penal n. 0004497- 82.2024.8.13.0647, em razão da ausência de justa causa ou, subsidiariamente, em razão da inépcia da denúncia.

É o relatório. Decido.

Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício. De início, faz-se necessário destacar que "inexistindo constrangimento direto e concreto ao direito de ir e vir do paciente, incabível a utilização do habeas corpus para finalidade outra que não seja remediar a restrição ou ameaça ilegal, concreta e direta, ao direito de locomoção." ( AgRg no HC n. 857.496/AM, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/3/2024, DJe de 6/3/2024; grifou-se).

De fato, não se verifica hipótese de cabimento do presente habeas corpus, inexistindo evidência de risco iminente ao direito de locomoção do paciente. Relativamente à alegada ilicitude dos dos RIFs solicitados diretamente ao COAF pela Polícia sem ordem judicial, observa-se do acórdão impugnado que o Tribunal de Justiça compreendeu que a requisição feita pela autoridade policial é válida.

No entanto, consoante bem registrado pelo impetrante, esta conclusão contrapõe a tese firmada recentemente pela Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça que, quando da análise conjunta do REsp. 2.150.571, do RHC 174.173 e do RHC 196.150, buscando dirimir a controvérsia, considerando a ausência de previsão do julgamento da matéria pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, firmou a compreensão no sentido da impossibilidade de solicitação direta, sem autorização judicial, de informações sigilosas do Conselho de Controle de Atividades Financeiras pelo Ministério Público ou pela autoridade policial.

Na ocasião, foram fixadas as seguintes teses:

1. A solicitação direta de relatórios de inteligência financeira pelo Ministério Público ao COAF sem autorização judicial é inviável. 2. O tema 990 da repercussão geral não autoriza a requisição direta de dados financeiros por órgãos de persecução penal sem autorização judicial.

In casu, extrai-se dos autos que os RIFs que instruem a presente ação penal foram obtidos junto ao COAF por meio de requerimento da autoridade policial, razão pela qual é de rigor o reconhecimento de sua ilicitude, com determinação de desentranhamento das referidas provas e daquelas delas derivadas.

Conforme relatado, o impetrante pretende, ainda, o trancamento da ação penal por inépcia da denúncia e por falta de justa causa, alegando que a acusatória encontra-se amparada exclusivamente nos relatórios da COAF obtidos de forma ilícita. Quanto ao ponto, cumpre registrar que o trancamento da ação penal, inquérito policial ou procedimento investigativo por meio de habeas corpus é medida excepcional.

Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. In casu, compreendo que a peça acusatória contém narrativa clara acerca dos fatos e apresenta contextualização suficiente, de forma a viabilizar o pleno exercício da defesa da ora paciente.

Consoante asseverado pela Corte a quo, "a denúncia contém todas as exigências e requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal (ordem 04), porquanto expõe o fato, com todas as suas circunstâncias e especificações, de forma extensa e pormenorizada, indicando o modus operandi empregado, indícios de autoria e materialidade, bem como contém a qualificação dos acusados, a classificação dos delitos e apresenta rol de testemunhas" (e-STJ, fl. 42).

O Ministério Público de Minas Gerais, em sua manifestação perante a Corte estadual, asseverou que "[a] denúncia aponta precisamente que o paciente supostamente é integrante de uma organização criminosa, que consta com participação de diversos indivíduos e realiza transações financeiras, visando dissimular e ocultar a origem supostamente ilícita de valores" (e-STJ, fl. 200). A denúncia, assim, não é inepta, atendendo os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

Vale ressaltar que, "[n]a linha dos precedentes desta Corte, não é necessário que a denúncia apresente detalhes minuciosos acerca da conduta supostamente perpetrada, pois diversos pormenores do delito somente serão esclarecidos durante a instrução processual, momento apropriado para a análise aprofundada dos fatos narrados pelo titular da ação penal pública." ( AgRg no AREsp n. 1.831.811/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe de 29/6/2021).

Além disso, entendo inviável o acolhimento da pretensão de trancamento da ação penal pela inexistência lastro probatório mínimo, uma vez que não é possível se averiguar na via estreia do habeas corpus se a denúncia encontra-se ou não amparada exclusivamente nos Relatórios de Inteligência Financeira reputados ilícitos, com o alegado pelo impetrante.

O reconhecimento da ausência de justa causa, com efeito, é providência inviável na via estreita do writ, por exigir profundo exame do contexto probatório dos autos. Referida tarefa é reservada ao Juízo processante que, no decorrer da instrução processual, analisará as teses suscitadas pela defesa.

Sendo assim, não sendo possível se averiguar que a acusação foi pautada unicamente nos Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) aqui declarados ilícitos, torna-se incabível também a pretensão liminar de suspensão da ação penal, que deve ter o seu normal prosseguimento, a fim de elucidar os fatos adequadamente narrados pelo Ministério Público, que, da forma como expostos, permitem o pleno exercício da ampla defesa.

Caberá ao magistrado singular, no decorrer da instrução, verificar a existência ou não de provas independentes aptas para o prosseguimento da persecução criminal.

Diante do exposto, não conheço do habeas corpus. Mas concedo a ordem, de ofício, para reconhecer a nulidade dos Relatórios de Inteligência Financeira que foram obtidos diretamente pela autoridade policial junto ao COAF, com determinação de desentranhamento das referidas provas dos autos da Ação Penal n. 0004497- 82.2024.8.13.0647, bem como das delas derivadas, com o normal prosseguimento do processo criminal, nos termos da fundamentação acima. Publique-se. Intime-se.

Relator

RIBEIRO DANTAS

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 1014847 - MG (2025/0234489-1) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 02/07/2025.)

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