STJ Jul25 - Revogação de Prisão Preventiva - Estupro de Vulnerável - Fundamentação da Gravidade Abstrata do Delito - Sum 691 Superada - Réu Prometia Casar para Ter Relações com a Vítima Menor

 Carlos Guilherme Pagiola


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de L. R. A. DA C., contra decisão indeferitória da liminar no writ originário. Extrai-se dos autos que o paciente teve a prisão preventiva decretada pela suposta prática do delito tipificado no art. 217-A, do Código Penal.

O imperante pleiteia a revogação da prisão preventiva imposta ao paciente, ainda que mediante a aplicação de medida cautelares diversas.

É o relatório.

Esta Corte possui entendimento pacificado no sentido de que não cabe habeas corpus contra decisão que indefere pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada (Súmula 691/STF). Sobre o tema, os seguintes precedentes:

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. WRIT INDEFERIDO LIMINARMENTE NA ORIGEM. SÚMULA 691 DO STF. NULIDADE DO ACESSO AO CELULAR. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Nos termos da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, em regra, não se admite a impetração de habeas corpus contra decisão que indefere a liminar na origem, sob pena de indevida supressão de instância, ressalvadas as hipóteses em que evidenciada decisão teratológica ou desprovida de fundamentação. 2. A nulidade acerca do acesso ilegal no celular do recorrente não foi apreciada na decisão impugnada, motivo pelo qual também não será examinada por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância. 3. O decreto apresenta fundamentação que deve ser considerada idônea, baseada na grande quantidade de maconha apreendida (79 kg), além do fato de o recorrente ser reincidente e pertencer à associação criminosa voltada para o tráfico de drogas. Precedentes. 4. Não de divisa manifesta ilegalidade apta a autorizar a mitigação da Súmula 691/STF, uma vez ausente flagrante ilegalidade, cabendo ao Tribunal de origem a análise da matéria meritória. 5. Agravo regimental improvido." ( AgRg no HC 760.492/MS, Relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022) "PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPETRAÇÃO CONTRA INDEFERIMENTO LIMINAR NA ORIGEM. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 691 DO STF. CONDENAÇÃO. REGIME INICIAL SEMIABERTO. NEGATIVA AO RECURSO EM LIBERDADE. MANUTENÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DA CUSTÓDIA AO REGIME IMPOSTO. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Nos termos da Súmula n. 691 do STF, não cabe habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar formulado em writ originário. 2. A manutenção da custódia cautelar e a negativa ao recurso em liberdade justificam-se diante do risco à ordem pública, evidenciado pela periculosidade do agente, apontado como integrante de organização criminosa voltada à prática de tráfico de drogas em grande escala e à lavagem de dinheiro. 3. A custódia cautelar deve ser compatibilizada com o regime prisional imposto na sentença, conforme a Súmula n. 716 do STF, sob pena de imposição de regime mais gravoso. 4. Agravo regimental parcialmente provido. Ordem concedida de ofício, para determinar a transferência do agravante para estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto."( AgRg no HC 754.565/MG, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 16/9/2022)

No caso, observa-se a existência de flagrante ilegalidade a permitir a superação do referido óbice sumular. Isso porque a prisão preventiva, consoante disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que presentes provas da existência do crime e indícios suficientes de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do acusado.

In casu, o paciente teve a custódia cautelar decretada pelos fundamentos a seguir reproduzidos: "A representação relata que [...] procurou a delegacia de polícia civil para comunicar que sua filha, [...], de 13 anos, foi vítima de estupro, crime cometido por [...], de 27 anos. Em seu depoimento, o pai da adolescente relatou que o indiciado havia pedido a jovem em namoro, sendo informado que isso só seria permitido quando ela atingisse a maioridade. No entanto, em um momento em que a adolescente estava sozinha em casa, o indiciado compareceu à residência e prometeu casamento caso ela mantivesse relações sexuais com ele. Diante dessa promessa, a adolescente cedeu ao ato por duas vezes, perdendo sua virgindade. Na delegacia, durante oitiva especializada, a adolescente relatou que em julho de 2024, quando tinha treze anos, [...], então com 26 anos e conhecido de sua antiga igreja, solicitou seu número de telefone 'para ver status'. Após essa interação inicial, eles iniciaram uma conversa através do aplicativo" WhatsApp ". A adolescente prosseguiu, mencionando que no dia 20 de julho, [...] pediu sua 'mão em namoro' à sua mãe, com a condição de que o relacionamento só se concretizaria após seus quinze anos. Diante disso, a adolescente afirmou que eles continuaram a se comunicar apenas como amigos. Em novembro de 2024, aproveitando que a adolescente estava sozinha em casa, [...] a visitou. Na sequência, ambos mantiveram relação sexual consensual durante a qual a adolescente relata que [...] 'prometeu que ia casar' com ela. No entanto, pouco tempo depois, [...] 'sumiu'. [...] Na situação sob exame, é patente a gravidade concreta da conduta do agente, especialmente pelo seu modus operandi, razão pela qual, entendo nos termos da representação policial e manifestação ministerial pela necessidade de segregação cautelar. [...] Ademais, a prisão preventiva do investigado, sob o fundamento da garantia da ordem pública, sustenta-se para a própria credibilidade da justiça, que não pode 'fechar os olhos' para tais fatos, devendo resguardar os direitos à Segurança Pública e à Paz Social, zelando pelo efetivo respeito aos ditames da Constituição Federal. Presta-se, pois, a acautelar o meio social, a integridade das instituições e o aumento da confiança da população nos mecanismos oficiais de repressão às diversas formas de delinquência, na linha do entendimento perfilhado pelo STJ (Informativo nº. 397 do STJ - HC 120.167/PR). Dessa forma, ante a gravidade concreta da conduta do agente, acolho a representação policial com parecer favorável do Ministério Público e DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA de [...], com fundamento no art. 312, caput do CPB."(e-STJ, fls. 40-45).

O Juízo de primeiro grau, ao meu entender, não observou o disposto no art. 312 do Código de Processo Penal, deixando de apontar quaisquer dados concretos que pudessem justificar a segregação provisória, limitando-se a tecer condições acerca da gravidade em abstrato do delito perpetrado, ou seja, que o paciente, prometendo se casar com a vítima, à época com 13 anos, manteve relação sexual com ela, por duas vezes.

Assim, a orientação desta Corte é pacífica no sentido de que, não sendo apontados elementos concretos aptos a justificar a segregação provisória do réu, lhe deve ser concedido o direito de responder ao processo em liberdade. A propósito:

"PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA QUE MOSTRE A NECESSIDADE DO ENCARCERAMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EXISTÊNCIA. 1. Mostra-se evidenciado o constrangimento ilegal se a custódia cautelar do recorrente foi decretada com simples referência à ordem pública e afirmações genéricas acerca da gravidade abstrata do crime. 2. Sem a demonstração concreta da necessidade da medida, que é excepcional e só pode ser imposta mediante a indicação explícita da presença dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, não há como determinar a segregação cautelar. 3. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva, sem prejuízo de que o Juízo de primeiro grau examine se é caso de aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n. 12.403/11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de nova decretação de prisão, caso demonstrada sua necessidade e desde que fundamentada."( HC 322.981/SP, Rel. p/ Acórdão Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe de 15/09/2015.)"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRISÃO PREVENTIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REVOGAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. MEDIDAS CAUTELARES. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, vedadas considerações abstratas sobre a gravidade do crime. 2. No caso, conforme bem pontuou o douto órgão ministerial, a decisão singular não apontou dados concretos, à luz do art. 312 do Código de Processo Penal, a respaldar a restrição da liberdade do paciente. A mera alegação de abandono do veículo utilizado, após sua utilização em velocidade alta, não é suficiente para, por si só, justificar a prisão cautelar, em especial porque tal menção consta somente da decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva. 3. As demais decisões, entre elas o acórdão atacado, fazem apenas referências aos termos da lei processual e uma análise teórica, com termos genéricos e suposições acerca da necessidade da prisão preventiva, sem apontar dados objetivos da suposta conduta perpetrada pelo paciente. 4. Em suma, os fundamentos lançados pelas instâncias ordinárias não são idôneos para a manutenção da prisão preventiva decretada. Isso porque, é pacífico na doutrina e na jurisprudência, a necessidade de que se demonstre, com dados concretos, a necessidade da medida cautelar constritiva de liberdade. Nesse sentido: RHC 59.339/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 17/02/2016. 5. Recurso provido para revogar o decreto prisional, salvo se por outro motivo o recorrente estiver preso, substituindo a segregação pelas medidas cautelares insculpidas no art. 319I e IV, do Código de Processo Penal, sem prejuízo da decretação de nova prisão, desde que concretamente fundamentada."( RHC 67.478/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 10/08/2016)

Outrossim, a constrição cautelar da liberdade somente é admitida quando restar claro que tal medida é o único meio cabível para proteger os bens jurídicos ameaçados, em atendimento ao princípio da proibição de excesso.

No caso em exame, dada a gravidade dos fatos apurados, entendo que a submissão do paciente a medidas cautelares menos gravosas que o encarceramento é, no momento, adequada e suficiente para restabelecer ou garantir a ordem pública, assegurar a higidez da instrução criminal e a aplicação da lei penal.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício, para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, mediante a aplicação das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, a critério do Juízo de primeiro grau. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará e ao Juízo da 1ª Vara Cível e Criminal da Comarca de Tailândia/PA. Publique-se. Intimem-se.

Relator

RIBEIRO DANTAS

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 1015393 - PA (2025/0237406-0) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 04/07/2025.)

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