STJ Jun25 - Dano ao Patrimônio - Absolvição - Réu que Tentou Fuga ao Engatar marcha ré na Viatura Policial e Colidir :"ausência de elemento subjetivo específico, qual seja, o animus nocendi"

 Carlos Guilherme Pagiola

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de JEFFERSXXXXXXXX em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA.

Consta dos autos que o paciente foi condenado às penas de 8 anos, 3 meses e 18 dias de reclusão e 6 dias de detenção, no regime inicial fechado, como incurso nas sanções dos arts. 163, parágrafo único, III, 180, caput, e 329, § 1º, todos do Código Penal; 311 do Código de Trânsito Brasileiro; 15 e 16, parágrafo único, IV, ambos da Lei n. 10.826/2003.

A impetrante sustenta a atipicidade da conduta de deteriorar o patrimônio público e aduz que a condenação é manifestamente ilegal. Alega que a pretensão do paciente era apenas evadir-se do estabelecimento público e, assim, ausente o dolo específico de causar prejuízo ao erário.

No mérito, pugna pela concessão da ordem para absolver o paciente do crime de dano qualificado ao patrimônio público, por ausência de dolo específico. Informações prestadas às fls. 701-763.

Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ (fls. 768-769).

É o relatório.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável a utilização do habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio, previsto na legislação, impondo-se o não conhecimento da impetração. Sobre a questão, confiram-se os seguintes julgados desta Corte Superior:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. ABSOLVIÇÃO IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NA FLUÊNCIA DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. 1. "O writ foi manejado antes do dies ad quem para a interposição da via de impugnação própria na causa principal, o recurso especial. Dessa forma, a impetração consubstancia inadequada substituição do recurso cabível ao Superior Tribunal de Justiça, não se podendo excluir a possibilidade de a matéria ser julgada por esta Corte na via de impugnação própria, a ser eventualmente interposta na causa principal" (AgRg no HC n. 895.954/DF, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo - Desembargador Convocado do TJSP, Sexta Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 20/8/2024.) 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 939.599/SE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024 – grifo próprio.) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto por Pablo da Silva contra decisão monocrática que não conheceu de habeas corpus, com base no entendimento de que o habeas corpus foi utilizado em substituição a revisão criminal. O agravante foi condenado a 1 ano de reclusão, com substituição da pena por restritiva de direitos, pela prática de furto (art. 155, caput, CP). A defesa pleiteou a conversão da pena restritiva de direitos em multa, alegando discriminação com base na condição financeira do paciente. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível o conhecimento do habeas corpus utilizado em substituição à revisão criminal; e (ii) estabelecer se a escolha da pena restritiva de direitos, em vez de multa, configura discriminação por condição financeira. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corpus não é admitido como substituto de revisão criminal, conforme a jurisprudência consolidada do STJ e do STF, ressalvados casos de flagrante ilegalidade. 4. Não houve demonstração de ilegalidade evidente na escolha da pena restritiva de direitos, sendo esta compatível com a natureza do crime e as condições pessoais do condenado. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de revisão criminal, salvo em casos de flagrante ilegalidade. 2. A escolha de pena restritiva de direitos, em substituição à privativa de liberdade, não configura discriminação por condição financeira, desde que adequadamente fundamentada. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 155; STJ, AgRg no HC 861.867/SC; STF, HC 921.445/MS. (AgRg no HC n. 943.522/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 4/11/2024 – grifo próprio.)

Portanto, não se pode conhecer da impetração. A propósito do disposto no art. 647-A do CPP, verifico que o acórdão impugnado possui ilegalidade flagrante que permita a concessão da ordem de ofício.

Acerca do elemento subjetivo, consta do acórdão (fls. 49-50):

De acordo com a inicial acusatória, que acabou prestigiada na sentença, enquanto tentava frustrar abordagem policial, Jefferson Luiz dos Santos Pacheco perdeu a direção do veículo automotor que conduzia, colidiu em um poste e, com o intuito de prosseguir com a fuga, engatou a marcha à ré e colidiu na viatura da Polícia Militar, ocasionando danos ao patrimônio público. Segundo o art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, constitui crime de dano destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia e, qualificado, se cometido "contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos". Malgrado os precedentes destacados no reclamo, prevalece a compreensão de que, para a configuração do delito de dano ao patrimônio público, não se exige a presença do animus nocendi, isto é, da vontade de causar prejuízo ao proprietário do bem, bastando a demonstração do dolo genérico, consubstanciado pelo ímpeto de deteriorar ou destruir coisa alheia. [...] Na espécie, tem-se como inequívoco, consoante as declarações dos policiais militares (Evento 153, VÍDEO1) e estampam os laudos periciais de exame em veículo automotor (Evento 2, INQ30-50, ambos dos autos originários), que a ação do réu ocasionou os danos mencionados, porquanto, depois de colidir com um poste, mesmo ciente da presença da viatura policial, empreendeu marcha à ré e acabou atingindo-a.

Nesse contexto, o acórdão impugnado diverge do entendimento consagrado no Superior Tribunal de Justiça. Para a configuração do crime de dano (art. 163 do Código Penal), imprescindível se faz a presença do elemento subjetivo específico, qual seja, o animus nocendi, que consiste na intenção deliberada em provocar prejuízo ao patrimônio alheio.

De outro lado, se a vontade do paciente – inclusive consignada na própria denúncia – era a fuga, não se configura o elemento subjetivo do tipo.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE DANO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NÃO COMPROVAÇÃO DO DOLO DE CAUSAR PREJUÍZO OU DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Hipótese em que a decisão recorrida deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos. Segundo a jurisprudência dessa Corte superior, para a caracterização do crime de dano qualificado contra patrimônio da União, Estado ou Município, mister se faz a comprovação do elemento subjetivo do delito, qual seja, o animus nocendi, caracterizado pela vontade de causar prejuízo ou dano ao patrimônio público, o que não se verifica na espécie, em que o recorrente destruiu a tornozeleira eletrônica para fins de fuga. 2. Agravo improvido. (AgRg no RHC n. 145.733/SP, relator Ministro Olindo Menezes – Desembargador convocado do TRF 1ª REGIÃO, Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 31/8/2021.) PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. DANO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO WRIT. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. DOLO ESPECÍFICO DE CAUSAR DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO NÃO COMPROVADO. WRIT NÃO CONHECIDO E ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. Caso reste evidenciada, de plano, a atipicidade da conduta imputada ao paciente, sendo despiciendo o reexame detido dos elementos de convicção amealhados nos autos, admite-se a sua absolvição em sede de habeas corpus, como na hipótese em apreço. 3. Nos termos da jurisprudência desta Corte, para que se possa falar em crime de dano qualificado contra patrimônio da União, Estado ou Município, mister se faz a comprovação do elemento subjetivo do delito, qual seja, o animus nocendi, caracterizado pela vontade de causar prejuízo ao erário. Nesse passo, a destruição, deterioração ou inutilização das paredes ou grades de cela pelo detento, com vistas à fuga de estabelecimento prisional, ou, ainda, da viatura na qual o flagranteado foi conduzido à delegacia de polícia, demonstra tão somente o seu intuito de recuperar a sua liberdade, sem que reste evidenciado o necessário dolo específico de causar dano ao patrimônio público. 4. Writ não conhecido e habeas corpus concedido, de ofício, para absolver o réu quanto ao crime de dano qualificado, nos autos da Ação Penal n. 0004267-14.2018.8.24.0075, em curso na 2ª Vara Criminal da Comarca de Tubarão/SC. (HC n. 503.970/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 30/5/2019, DJe de 4/6/2019.)

Assim, não se configura o delito, pois a ação danosa foi realizada para a consecução de outro objetivo, qual seja, a fuga da Polícia Militar. Ante o exposto, na forma do art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal, absolver o paciente da imputação do art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal. Cientifique-se o Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OG FERNANDES

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 945837 - SC (2024/0349817-9) RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES, Publicação no DJEN/CNJ de 03/07/2025.)

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