STJ 2024 - Júri - Pronúncia Anulada Por Falta de Fundamentação da Qualificadoras do art. 121, § 2º, V, do CP (assegurar a execução, a ocultação de outro crime) - Réu Já Condenado - Nulidade dos Autos Até a Pronúncia

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola


HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE EXCESSO DE LINGUAGEM. INOCORRÊNCIA. PRONÚNCIA DEVE ESPECIFICAR E FUNDAMENTAR AS QUALIFICADORAS, EXIGÊNCIA DO § 1º do artigo 413 do CPP. AUSÊNCIA DE ESPECIFICAÇÃO DA QUALIFICADORA PREVISTA no art. 121, § 2º, V, DO CÓDIGO PENAL VIOLA O PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA DEFESA. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. 1. A decisão de pronúncia, embora caracterizada pela sobriedade, não escapa ao dever constitucional de fundamentação ( CF, art. 93, IX).Destacam-se a brevidade a ser dada à explanação jurisdicional e a ausência de afirmações e entonações peremptórias. O seu objetivo é conduzir os sujeitos processuais através do itinerário percorrido pelo magistrado para o alcance de sua convicção, com afastamento sucinto de graves obstáculos, sem, contudo, ditá-los em termos absolutos ou demonstrá-los unidirecionais (STF, HC 96.737, Rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJE 7/8/2009 e HC 109.065, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe de 1/8/2012). 2. Não assiste razão ao impetrante quando sustenta a ocorrência do excesso de linguagem, porquanto o magistrado limitou-se a apresentar elementos aptos a demonstrarem a prova da materialidade e a indicar, de forma objetiva, a existência de indícios suficientes de autoria, em estrita observância ao disposto no art. 413, § 1º, do Código de Processo Penal. 3. Há de se reconhecer que a decisão de pronúncia não especificou as qualificadoras em sua fundamentação, não atendendo os requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo § 1º do artigo 413 do CPP.Além disso, a ausência de especificação da qualificadora prevista no art. 121, § 2º, V, do Código Penal, viola o princípio da plenitude de defesa, na medida em que o acusado não sabe exatamente de que fato (delimitado na pronúncia) está se defendendo. Precedentes. 4. Ordem concedida de ofício.

(STJ - HC: 774730 MG 2022/0311944-0, Relator: Ministra DANIELA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 07/05/2024, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/05/2024)

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HABEAS CORPUS Nº 774730 - MG (2022/0311944-0)

RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA

IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PACIENTE : P V R DO C F (PRESO)

PACIENTE : M E O S (PRESO)

INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS

VOTO-VISTA

Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de P V R DO C F e M E O S, pronunciados pela prática dos crimes previstos nos arts. 121§ 2ºV, c/c 14II157, caput e § 2º, II e V, todos do Código Penal - CP; e art. 244-B, da Lei 8.069/1990, por duas vezes, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG, assim ementado (fl. 117/127):

"RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRELIMINAR: NULIDADE DA DECISÃO DE PRONÚNCIA - EXCESSO DELINGUAGEM - INOCORRÊNCIA. MÉRITO: HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO, ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENORES - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE LATROCÍNIO - IMPOSSIBILIDADE.

1- A alegação de nulidade da decisão de pronúncia por excesso de linguagem há de ser afastada quando observados os limites inerentes ao juízo de admissibilidade da acusação, restringindo-se o julgador analisar a prova da existência do crime e os indícios de autoria, não fazendo nenhum juízo de valor definitivo a ponto de influenciar a convicção dos jurados.

2- Não havendo prova segura de que a intenção dos recorrentes era apenas a subtração patrimonial, de modo que a violência tenha sido exercida, exclusivamente, para tal fim ou para garantir, depois desta, a impunidade do crime ou a detenção da coisa subtraída, compete ao Conselho de Sentença apreciar a ausência do" animus necandi "e o pleito desclassificatório. A defesa reitera a alegação de excesso de linguagem na decisão de pronúncia, pois teriam sido utilizadas expressões que podem influenciar indevidamente os jurados. Pugna pelo reconhecimento da nulidade da decisão e pela soltura dos pacientes, a fim de que aguardem o julgamento em liberdade."

A alegação defensiva principal é de excesso de linguagem na decisão de pronúncia, com potencial influência indevida no ânimo dos jurados.

Na sessão de 12/3/2024 desta Quinta Turma, a em. Relatora, Ministra Daniela Teixeira, por vislumbrar violação ao princípio da plenitude de defesa na decisão de pronúncia, apresentou voto pelo qual concede, de ofício, a ordem de habeas corpus para anular a decisão de pronúncia e todos os atos posteriores.

Pedi vista para análise minuciosa do caso.

É o relatório.

Inicialmente, a fim de que se evite o enfaro da repetição, expresso minha convergência aos entendimentos enunciados no voto de relatoria, quanto à prejudicialidade de pedido de revisão da pronúncia, assim como no concernente à inocorrência de excesso de linguagem na decisão objurgada, na medida em que a fundamentação judicial se limitou à análise perfunctória dos elementos de provas demonstrativos de indícios de autoria, suficientes à submissão do paciente a julgamento pelo Conselho de Sentença, de acordo com a norma do art. 413, par.1º, do Código de Processo Penal - CPP.

Assentadas essas premissas, passo a examinar, com mais profundidade, os fundamentos de fato e de direito que justificaram a proposta de concessão de ordem de habeas corpus, de ofício, pela em. Ministra Relatora.

Reza o art. 413, caput e § 1º, do Código de Processo Penal, que "o juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" , e que "a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena" .

Deve-se reconhecer que, aprioristicamente, essa redação poderia gerar dúvida acerca da imprescindibilidade de fundamentação das circunstâncias qualificadoras na decisão de pronúncia. Entretanto, essa compreensão é repelida pela interpretação sistemática à luz do art. 93IX, da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões" .

No mesmo sentido da necessidade de motivação das qualificadoras na decisão

de pronúncia, Guilherme de Souza Nucci sustenta:

"Embora deva a pronúncia ser lavrada em termos equilibrados e prudentes, tal situação não exime o magistrado de fundamentá-la devida e expressamente. Impõe a Constituição Federal dever ser toda decisão do Poder Judiciário fundamentada (art. 93, IX), o que significa não somente uma imposição a ser cumprida, mas uma garantia imperiosa do réu, que é conhecer as razões que o levaram a sofrer qualquer tipo de constrangimento e também da sociedade de acompanhar a imparcialidade dos órgãos judiciários em seus pronunciamentos. [...] No mais, precisa acolher ou rejeitar as qualificadoras, que fazem parte do tipo derivado e precisam constar da pronúncia. Logo, fundamentá-las também é indispensável."

(NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 5. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 712-713).

Nesse mesmo viés se posiciona a jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça - STJ:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA. EXCLUSÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.

I - Ao proferir a decisão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 413 do CPP, o juiz deve manifestar-se, objetiva e sucintamente, não só sobre o tipo básico, apontando as razões da admissibilidade do crime e da autoria, mas, também, se for o caso, sobre as qualificadoras que entender admissíveis.

II - Ainda que se trate de um mero juízo de admissibilidade, no qual é vedado proceder-se a um exame exauriente da prova e em que prevalece o princípio in dubio pro societate, revela-se nula a decisão de pronúncia que deixa de motivar concretamente a admissibilidade da acusação por não tratar da admissão de qualificadora (Precedente).

Ordem concedida.

(HC n. 133.667/RJ, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 2/2/2010, DJe de 8/3/2010.)

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. RAZÕES DISSOCIADAS. SÚMULA 284/STF. EXCLUSÃO DE QUALIFICADORA. MOTIVO FÚTIL. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. AUSÊNCIA DE MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, NÃO PROVIDO.

1. Decidiu-se em decisão monocrática que a

violação do art. 413 § 1º, do CPP não foi objeto de debate pela instância ordinária, estando ausente o prequestionamento. No ponto, a defesa sustenta que não é necessário o reexame de provas. Assim, as razões do agravo regimental encontram-se dissociadas da premissa exposta na decisão recorrida, o que atrai a incidência da Súmula 284/STF 2. A pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se pro societate.

3. Para a admissão da denúncia, há que se sopesar as provas, indicando os indícios da autoria e da materialidade do crime, bem como apontar os elementos em que se funda para admitir as qualificadoras porventura capituladas na inicial, dando os motivos do convencimento, sob pena de nulidade da decisão, por ausência de fundamentação.

4. O Tribunal local, soberano na análise do conjunto fático-probatório, colhido nas fases inquisitorial e judicial, concluiu pela presença de elementos indicativos da autoria do acusado pelo crime de homicídio qualificado pelo motivo fútil.

Assim, para alterar a conclusão a que chegou a instância ordinária e decidir, nesse momento processual, pelo afastamento da referida qualificadora, como requer a defesa, seria necessário o revolvimento do acervo fático- probatório delineado nos autos, providência incabível em sede de recurso especial, ante o óbice contido na Súmula 7/STJ.

5. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça tem assentado que a existência de discussão anterior ao cometimento do delito, entre vítima e acusado, por si só, não é suficiente para, de imediato, retirar da competência Tribunal Popular a decisão acerca do conhecimento do motivo fútil ao caso concreto (AgInt no REsp n. 1.737.292/GO, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/9/2018, DJe 25/9/2018). Precedentes.

6. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

(AgRg no AREsp n. 2.422.604/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 26/9/2023.)

Não é exagero sempre frisar que a pronúncia deve ser sóbria na apreciação das provas, mas deve haver uma fundamentação mínima para o reconhecimento das qualificadoras, sob pena de se desprezar o princípio constitucional que determina a motivação das decisões judiciais. Afinal, é natural que a decisão que reconhece a plausibilidade da acusação deva também justificar eventuais qualificadoras, que têm o condão de deslocar o tipo do seu núcleo fundamental para um especial.

Portanto, assim como na parte que discorre sobre o convencimento acerca da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria, a fundamentação das qualificadoras na decisão de pronúncia deve ser comedida, para não invadir a competência constitucional do Tribunal do Júri.

Fincadas essas premissas, forçoso convir que, no caso concreto, a decisão de pronúncia literalmente se absteve de minimamente fundamentar a existência de indícios relativos às circunstâncias qualificadoras admitidas.

Ante o exposto, por verificar violação ao princípio da plenitude de defesa na decisão de pronúncia, acompanho o voto da em. Relatora pela concessão, de ofício, de ordem de habeas corpus para anular a decisão de pronúncia e todos os atos posteriores.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

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