STJ Set24 - Furto de Iphone - Absolvição - Réu Atendeu Telefone Furtado de Pronto e o Devolveu Imediatamente :" falta de lesividade na situação sob análise - Atipicidade"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola
Inteiro Teor
HABEAS CORPUS Nº 941078 - SC (2024/0323844-0)
DECISÃO
JURAMIR JXXXXXXXX alega sofrer coação em seu direito de locomoção em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina no Recurso em Sentido Estrito n. 5027444-14.2023.8.24.0020.
Nas razões deste habeas corpus, a defesa sustenta, em suma, o trancamento da ação penal pela suposta prática de furto simples.
Aduz a atipicidade da conduta, motivo pelo qual postula a rejeição da denúncia, nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal.
O Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem.
Decido.
I. Contextualização Trata-se de réu denunciado por suposta prática de furto simples - art. 155 do Código Penal, em detrimento de Adriano Galvão Dias Resende (fls. 63-65).
O juízo competente rejeitou a denúncia, nos termos a seguir (fls. 69-70, destaquei):
[...] o denunciado teria subtraído para si um aparelho de smartphone da marca Iphone, modelo 12 Pro Max de propriedade da vítima Adriano Galvão Dias Resende.
Ainda que o valor do objeto salte à vista - aparelho de celular avaliado em aproximadamente R$ 4.000,00 (quatro mil reais), vê-se que o princípio da insignificância deve ser aplicado no caso sob análise.
Isso porque como se dessume da concretude dos fatos, a res furtiva e teria sido prontamente restituída à vítima pelo próprio autor do fato, contexto que atrairia a aplicação da redução da pena prevista no art. 16 do Código Penal.
Como se denota do depoimento prestado perante Autoridade Policial, a vítima prontamente relata que o aparelho foi espontaneamente restituído por Juramir, até antes da chegada da Polícia Militar.
Nessa toada, o seguimento do feito e a movimentação do aparato estatal para promover a citação, instrução e prolação de sentença se tornaria excessivamente custoso num delito cuja lesividade e reprovabilidade foram ínfimas, porquanto conforme visto, a vítima teve seu aparelho prontamente devolvido pelo suposto autor do delito.
[...] A inutilidade da persecução penal aos fins a que se presta reflete a inexistência de justa causa para o processo, o que a doutrina tem incluído entre as causas de rejeição da denúncia ou da queixa por falta de condição exigida pela lei (falta de interesse).
Bem por isso, aliás, que a Lei nº 11.719/08 alterou o art. 395 do CPP, para determinar a rejeição da denúncia ou queixa quando "III - faltar justa causa para o exercício da ação penal".
É nesse contexto que se encaixa o "crime de bagatela", subsumido ao "princípio da insignificância", em que a eventual imposição de pena privativa de liberdade culminaria com uma inarredável desproporcionalidade à repercussão social da conduta que, embora formalmente típica, não constitui objeto de reprovação social [...]
não se desconhece que o acusado possui outras ações em andamento em razão do cometimento, em tese, de crimes contra o patrimônio, todavia, considerando a falta de lesividade na situação sob análise, especialmente tendo em vista que o próprio denunciado devolveu espontaneamente o bem, deve ser reconhecida a aplicação ao caso em tela do princípio da insignificância [...].
Irresignado com o teor da decisão acima, o Ministério Público estadual interpôs recurso em sentido estrito e a Corte de origem deu provimento ao apelo ministerial para cassar a sentença e determinou o recebimento da denúncia, ao consignar o seguinte (fls. 35-39):
[...] A Magistrada a quo reconheceu a atipicidade material do ato diante do princípio da insignificância - entendimento, todavia, que não deve prevalecer [...] vê-se que o passado e o presente penal do réu é substancial - a impedir, sem dúvidas, a incidência da insignificância. A atipicidade material, por certo, é vetor excepcionalíssimo, sob pena de, em aplicá-la descomedidamente, promover um indesejado efeito rebote, a exemplo da prática desenfreada de delitos. Teoria e realidade deve mandar juntas, não se podendo relegar ao mínimo o histórico negativo do acusado.
[...] Ademais, tem-se que "a restituição dos bens subtraídos não conduz, necessariamente, à incidência do princípio da insignificância" (STJ, AgRg no HC 696351/SC, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Dj.15.02.2022) [...] a res foi avaliada no todo em R$ 4.000,00 e supera em muito o limite de 10% do salário mínimo vigente à época do fato - R$ 1.212,00 -,circunstância esta admitida pela jurisprudência para fins de sopesamento do elemento da inexpressividade da lesão jurídica provocada [...] existindo a plausibilidade no oferecimento da denúncia com elementos indiciários suficientes de autoria e materialidade, ou seja, justa causa, o interesse ministerial em ver autorizada a persecução é de rigor, nos moldes descritos no art. 41 do CPP [...].
Para que o fato seja considerado criminalmente relevante, não basta a mera subsunção formal a um tipo penal. Deve ser avaliado o desvalor representado pela conduta humana, bem como a extensão da lesão causada ao bem jurídico tutelado, com o intuito de aferir se há necessidade e merecimento da sanção, à luz dos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade.
As hipóteses de aplicação do princípio da insignificância se revelam com mais clareza no exame da punibilidade concreta - possibilidade jurídica de incidência da pena -, que atribui conteúdo material e sentido social a um conceito integral de delito como fato típico, ilícito, culpável e punível, em contraste com a estrutura tripartite (formal) tradicionalmente adotada, conforme expus de maneira mais aprofundada no julgamento do REsp n. 1.864.600/MG, ocorrido em 15/9/2020.
Por oportuno, ressalto que, por se tratar de categorias de conteúdo absoluto, a tipicidade e a ilicitude não comportam dimensionamento do grau de ofensa ao bem jurídico tutelado, compreendido a partir da apreciação dos contornos fáticos da conduta delitiva e dos condicionamentos sociais em que se inserem o agente e a vítima.
Nesse contexto, o diálogo entre a política criminal e a dogmática na jurisprudência sobre a bagatela deve também ser informado pelos elementos subjacentes ao crime, que se compõem do valor dos bens subtraídos e do comportamento social do acusado nos últimos anos.
Consta nos autos que no dia 7/6/2022, por volta de 17h44min, o paciente haveria subtraído "para si 1 (um) smartphone iPhone 12 Pro Max, de propriedade da vítima Adriano Galvão Dias Resende, que estava em um balcão do estabelecimento comercial" (fl. 63).
Ainda de acordo com a denúncia, "algumas horas depois, a res furtiva foi localizada, apreendida em poder do denunciado, avaliada em R$ 4.000,00 (quatro mil reais) e restituída à vítima" (fl. 63).
Esta Corte Superior é firme ao assinalar a excepcionalidade do trancamento da persecução penal, por meio do habeas corpus - sobretudo na etapa investigativa -, medida admitida tão somente se ficarem comprovados, de plano, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a falta de justa causa, a atipicidade da conduta, a causa de extinção da punibilidade ou a ausência de lastro probatório mínimo de autoria ou materialidade - fatores que não se adequam à hipótese.
Ressalto ainda, a compreensão deste Superior Tribunal, de que "em razão da exigência de revolvimento do conteúdo fático-probatório, a estreita via do habeas corpus, bem como do recurso ordinário em habeas corpus, não é adequada para a análise das teses de negativa de autoria e da existência de prova robusta da materialidade delitiva" (AgRg no HC n. 651.827/MS, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, 5ª T., DJe 16/8/2021).
Contudo, no caso em apreço, nota-se que, muito embora se trate de um telefone celular avaliado aproximadamente em R$ 4 mil reais, o réu adentrou no estabelecimento comercial e, ao constatar que alguém havia deixado o objeto sobre o balcão, se apossou do bem. Contudo, ele atendeu de pronto a ligação do proprietário, que estava em busca do telefone, ambos marcaram um ponto de encontro e o ora paciente devolveu o objeto, espontaneamente. Essa circunstância, inclusive, foi narrada pelo ofendido.
Diante deste cenário, é notório a inexpressividade jurídico-penal da conduta, poie é patente a falta de justa causa e a inutilidade da persecução penal. Enfatizo a reduzida reprovabilidade da conduta, temperada que foi pela pronta restituição, voluntária, do bem subtraído, tão logo solicitado pelo dono do aparelho celular. Assim, acertado é o entendimento para trancar-se a ação penal.
Embora não se descure de que o réu é tecnicamente primário, haja vista a existência de três ações penais em processamento, não se vislumbra a existência do crime de furto, dada a ausência de dolo de subtrair para si coisa alheia.
Nessa perspectiva:
[...] O trancamento de ações penais e inquéritos policiais pela via estreita do habeas corpus é medida excepcional, somente admitida quando houver demonstração inequívoca, de atipicidade da conduta, absoluta carência de indícios de autoria, inexistência de prova da materialidade, quando a denúncia for manifestamente inepta ou, ainda, quando se constatar a superveniência de causa extintiva da punibilidade [...] (AgRg no RHC n. 197.125/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., DJe 21/6/2024).
É de se concluir, portanto, que as peculiaridades do caso concreto não autorizam a atividade punitiva estatal.
Por fim, transcrevo trecho da manifestação do Ministério Público ao acolher o entendimento da defesa (fls. 236-242):
[...] verifica ilegalidade a ser sanada no sentido de que o fato efetivamente não constitui crime de furto, a própria vítima em depoimento relatou ter esquecido o aparelho no local, de modo que o agente encontrou o objeto abandonado pois adentrou o estabelecimento após a saída da vítima, circunstância que é confirmada pelas imagens das câmeras de segurança.
[...] a vítima ligou para o telefone, momento em que o paciente atendeu e se dispôs a entregar o aparelho de pronto, o que foi de fato realizado horas depois da apropriação da coisa achada [...].
[...] não parece proporcional nem razoável a persecução penal, ainda que pese sobre o paciente a reincidência, de modo que o caso concreto revela, excepcionalmente, a possibilidade da incidência do princípio da insignificância [...].
II. Dispositivo
Diante do exposto, concedo a ordem, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal, para o trancamento da ação penal, pois reconhecida a atipicidade da conduta.
Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias para as providências cabíveis.
Publique-se e intimem-se.
Brasília (DF), 14 de setembro de 2024.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ
Relator
(STJ - HC: 941078, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 17/09/2024)
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