STJ Set24 - Silêncio Parcial em Interrogatório do Réu - Direto de Defesa :"Nulidade do Processo por ter o Magistrado Encerrado a Audiência - Réu que só Respondia Pergunta da Defesa"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola

Inteiro Teor

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 185169 - SC (2023/0273144-5)

DECISÃO

MXXXXXX alega sofrer constrangimento ilegal em decorrência de acórdão proferido por Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (habeas corpus n. 5041171-03.2023.8.24.0000) Consta dos autos que o recorrente responde pela suposta prática dos delitos previstos nos arts. 38, 38-A e 48, todos da Lei 9.605/1998.

Segundo aduz a defesa, em audiência de 29/6/2023, o Juiz de Primeira instância indeferiu o direito do réu responder apenas as perguntas elaboradas por seu advogado.

Com base nisso, a defesa pede pela anulação do processo desde a audiência de instrução e julgamento. No mérito, pediu pela suspensão do feito até o julgamento do mérito do presente writ.

A liminar foi deferida em fls. 59-63.

O parecer do Ministério Público Federal é de que o recurso não seja conhecido e, caso conhecido, não seja provido (fls. 77-82).

Decido.

A despeito do ato coator ser uma decisão monocrática contra a qual, a rigor, a defesa deveria ter interposto agravo regimental a fim de esgotar o debate das instâncias inferiores, certo é que há manifesta ilegalidade que autoriza a concessão da ordem de ofício.

Conforme se verifica a partir dos autos, o magistrado que conduzia o processo, na audiência de instrução e julgamento, violou o referido direito do acusado, ao encerrar a audiência diante da negativa do réu em responder perguntas que não fossem as da própria defesa.

Vejamos a ata de audiência, de fls. 12-14 (grifei):

DATA: 29/06/2023 16:30:00 PRESENÇAS:
JUÍZO DE DIREITO: Ubaldo Ricardo da Silva Neto PROMOTORIA DE JUSTIÇA: Alexandre Daura Serratine PARTE: Mauri Bonatti DEFESA: Jose Edilson da Cunha Fontenelle Neto OCORRÊNCIAS:
Aberta a audiência, constatada a presença das pessoas acima indicadas. O acusado Mauri Bonatti participou do ato por videoconferência, do escritório de seu advogado constituído, que a tudo acompanhou. O douto Promotor de Justiça participou do ato presencialmente. Em seguida, foi ouvido Aroni dos Santos, que prestou compromisso legal e apresentou seu depoimento por videoconferência.
Após, lida integralmente a denúncia, cientificado da acusação e do direito de permanecer em silêncio, realizou-se o interrogatório do acusado Mauri Bonatti. A defesa requereu que o denunciado respondesse apenas às perguntas formuladas por seu nobre advogado. O pedido foi impugnado pelo douto representante do órgão do Ministério Público, com base no art. 188 do CPP. Pelo Juízo, foi garantido o direito do denunciado de permanecer em silêncio e, assim, encerrou a audiência.
Sobre o mencionado direito ao silêncio, dispõe o Código de Processo Penal:
art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder as perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Ao que aqui importa, é de se repisar que permanecer silente, inclusive durante o interrogatório em juízo - mas não só - consiste em uma estratégia de defesa a ser avaliada pelo interessado e por seu representante legal. Não por outra razão, dispõe a Prof. Maria Elizabeth Queijo:

O direito ao silêncio, enumerado na Constituição Federal como direito de permanecer calado, é decorrência do princípio nemo tenetur se detegere e coloca-se na esfera de autodefesa. Além disso, o silêncio pode representar uma estratégia de defesa.
(QUEIJO, Maria Elizabeth. "O direito de não produzir prova contra si mesmo: o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo penal. São Paulo: Saraiva, 2012)
Ora, se a Constituição garante ao réu escolher até mesmo ficar totalmente em silêncio, parece lógico, a fortiori, que estenda seu manto protetor ao exercício desse direito parcialmente também - sempre e quando seja a vontade do acusado.

Justamente nesta linha argumentativa, decidiu recentemente a Quinta Turma desse Tribunal Superior, ao julgar caso cujos contornos são bem semelhantes ao que ora está em análise perfunctória. Vejamos o que diz o HC n. 833.704/SC, sob a relatoria do Min. Reynaldo Soares da Fonseca:

As instâncias ordinárias consideraram não ser possível atender o pleito defensivo, porquanto o art. 188 do Código de Processo Penal dispõe que compete ao juiz proceder ao interrogatório do réu. Dessa forma, concluíram não ser possível serem realizadas apenas perguntas pela defesa. (...) Com efeito, reafirmo que o fato de o juiz conduzir o interrogatório não significa que o réu está impossibilitado de responder apenas algumas perguntas, em especial às da defesa, fazendo uso assim do silêncio seletivo. De fato, é cediço que quem pode o mais, pode o menos. Assim, se é possível não responder a nenhuma pergunta, é possível também responder apenas a algumas perguntas.
(HC n. 833.704/SC, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, 5a Turma, DJe 14/08/2023)

Em arremate, o relator da mencionada decisão cita outras que a precederam, entre elas, o AgRg no Habeas Corpus n. 827.294/RJ, de minha relatoria, prolatada em junho deste ano. Na ocasião, concedi in limine a ordem para reconhecer o cerceamento da defesa:

Os elementos dos autos atestam a plausibilidade do direito tido como violado, visto que o Juízo de primeira instância, durante a audiência de instrução e julgamento, diante do pedido de o paciente responder somente as perguntas formuladas pela defesa, indeferiu o pleito encerrou a instrução, abrindo de imediato alegações finais orais.
(AgRg no HC. n. 827.294/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6a Turma, DJe 20/06/2023).

E a essas decisões, juntam-se outras: HC n. 703.978/SC (Rel. Min. Olindo Menezes), HC. n. 688.748/SC (Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik), HC n. 628.224/MG (Rel. Ministro Felix Fischer), HC n. 825.094/MG (Rel. Ministra Laurita Vaz).

Por estas razões, não há que se normalizar tão flagrante ilegalidade, em que o direito do recorrente de responder apenas as perguntas da defesa foi diretamente aviltado.

À vista do exposto, confirmo a liminar e concedo a ordem de ofício a fim de anular o processo criminal n. 0004586-95.2012.8.24.007 desde a Audiência de Instrução e Julgamento.

Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias, para as providências cabíveis.

Publique-se e intimem-se.

Brasília (DF), 13 de setembro de 2024.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Relator

(STJ - RHC: 185169, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 17/09/2024)

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