STJ Mar25 - Associação Lei de Drogas - Absolvição - Ausência de Instigação Prévia (único meio para demonstrar estabilidade) :"Ausência de Indicação de lapso temporal
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, sem pedido de liminar, em favor de XXXXXX, impetrado contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO proferido na Apelação Criminal n. 0222512-19.2022.8.19.0001. Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 21 (vinte e um) anos e 04 (quatro) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e ao pagamento de 2.976 (dois mil novecentos e setenta e seis) dias-multa, pela prática dos delitos previstos no art. 33, caput, c/c o art. 40, IV, ambos da Lei n. 11.343/2006 e art. 329, § 1º, do Código Penal.
O Tribunal de origem deu parcial provimento ao apelo defensivo a fim de diminuir as sanções para 14 (quatorze) anos, 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão e 1.960 (um mil novecentos e sessenta) dias-multa, mantida, no mais, a sentença vergastada.
No presente writ, a impetrante sustenta que não ficou demonstrada a efetiva associação do paciente com outras pessoas de maneira permanente e estável, não estando configurado, portanto, o crime de associação para o tráfico de entorpecentes.
Requer a absolvição do paciente do crime tipificado no art. 35 da Lei de Drogas. Foram prestadas informações às fls.194-199. O MPF, às fls. 204-212, manifestou-se pelo não conhecimento do writ, mas pela concessão da ordem de ofício, para absolver o paciente do crime previsto no artigo 35, da Lei n° 11.343/06.
É o relatório. DECIDO.
Inicialmente, pontuo que esta Corte Superior, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (AgRg no HC n. 180.365, Primeira Turma, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/03/2020, e AgRg no HC n. 147.210, Segunda Turma, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018), pacificou orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado (HC n. 535.063/SP, Terceira Seção, rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/06/2020).
Na hipótese, verifico a existência de ilegalidade flagrante, a ensejar a concessão da ordem de ofício por esta Corte Superior, por força do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal.
A pretensão defensiva de exclusão da condenação pelo crime previsto no art. 35 da Lei de Drogas tem fundamento. Não se descura que se tivessem as instâncias ordinárias declinado elementos concretos que demonstrassem que o paciente, de forma estável e permanente, associou-se a outrem para praticar o delito do art. 35 da Lei de Drogas, reavaliar a conclusão acerca da comprovação ou não do elemento subjetivo do tipo de associação para o tráfico implicaria indevida incursão no acervo fático-probatório - exame vedado na via eleita, de rito célere e cognição sumária.
No entanto, essa não é a hipótese dos autos, pois não foram apontadas concretamente circunstâncias que demonstrassem o intento do agente de se associar, de forma estável e duradoura, a outro(s) indivíduo(s). Nesse sentido, ao manter a condenação do paciente pelo delito de associação para o tráfico, a Corte de origem assim consignou fls. 166-169, grifamos):
Com efeito, o Parquet ao proceder à descrição dos fatos imputados ao apelante MARCELO narrou: (...) Por fim, constatou-se que, em momento anterior não precisado nos autos, mas sendo certo que até o dia 13 de agosto de 2022, nos arredores da comunidade da Palmeira, nesta Comarca, o denunciado, livre, consciente, voluntariamente, associou-se a terceiras pessoas ainda não identificadas nos autos, sendo certo que todas integrantes da facção criminosa que atua na localidade, com o fim de praticar, de forma reiterada ou não, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes. (...) (id. 000003), o que aliada às circunstâncias da prisão do acusado e à prova carreada aos autos, apontam na direção inequívoca da existência de um vínculo associativo estável e permanente entre o acusado e outros indivíduos não identificados integrantes da facção “Comando Vermelho”, a fim de praticarem, reiteradamente ou não, o tráfico ilícito de entorpecentes na Comunidade da Palmeira, bairro Piam. Mister destacar, mais uma vez, o teor do relato do policial militar Everton, sob o crivo do contraditório, asseverou: (...) " que o depoente estava em patrulhamento no centro de Belford-Roxo, junto à sua guarnição, quando viram muitos indivíduos juntos, que começaram a atirar na polícia e os policiais devolveram os tiros e os algozes entraram para fugir no morro da Palmeira e a equipe iniciou a busca, até que chegaram em um portão entreaberto e, ali ingressaram. A casa aparentava estar desabitada e o réu estava em seu interior. Abordado, não ofereceu resistência, sendo logo identificado como um dos envolvidos no tiroteio. Na ocasião, o recorrente estava em poder de uma pistola e uma bolsa de drogas. Acrescentou que o vulgo do increpado é GTA e é conhecido na hierarquia do tráfico, sendo a facção predominante na região é Comando Vermelho; que não há confronto entre traficantes na região. (...), o que foi corroborado pelo seu colega de farda Orlando, o qual, ainda, destacou que não perdeu o recorrente de vista entre a troca de tiros e a entrada dele na residência. Assim, analisando o conjunto probatório, em especial, as declarações dos agentes da lei, não há dúvida acerca da procedência da pretensão punitiva estatal, em sendo os elementos probatórios coligidos aos autos robustos para ensejar a condenação pelo delito do artigo 35 da Lei 11343/06, para cuja configuração exige-se a prova do vínculo estável e permanente entre duas ou mais pessoas com a finalidade de realizar os crimes previstos nos artigos 33, caput, e § 1º12, e 3413, ambos da Lei 11.343/2006, conferindo-se crédito, à palavra dos policiais militares que, em sede policial e em Juízo, sem contradita da defesa, narraram, de forma segura e clara, a dinâmica dos fatos que resultaram na prisão em flagrante, mostrando-se robusta a prova de acusação, ao contrário da defesa que não carreou qualquer elemento que corroborasse sua versão, ressaltando-se, ainda, a Súmula 70 deste Tribunal de Justiça: “O fato de se restringir a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”, cabendo destacar que: [...] Por todas essas razões, mantém-se a condenação do apelante pela prática do delito previsto no artigo 35 da Lei de Drogas.
Como se vê dos excertos supramencionados, os elementos relativos à estabilidade e à permanência foram deduzidos do fato de o acusado ter sido preso em flagrante em comunidade dominada por facção criminosa, na posse de entorpecentes e de pistola supostamente utilizada na troca de tiros com a polícia, elementos insuficientes para evidenciar o animus associativo exigido pelo tipo penal, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Ressalto que não houve investigação prévia ou qualquer elemento de prova capaz de apontar que o paciente estava associado, de forma estável (sólida) e permanente (duradoura) a qualquer indivíduo - mesmo porque foi flagrado, denunciado e condenado sozinho.
Não foi indicado o lapso temporal durante o qual o paciente supostamente estava associado a membros da facção criminosa.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PROVA CONCRETA DA ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. AUSÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. INCIDÊNCIA. 1. Revela-se indispensável, para a configuração do crime de associação para o tráfico, a evidência do vínculo estável e permanente do acusado com outros indivíduos. Há que ser provado, de forma concreta e contextualizada, o crime de associação, autônomo, independentemente dos crimes individuais praticados pelo grupo associado. 2. As instâncias ordinárias não indicaram elementos concretos, contextualizados, indicativos da estabilidade e permanência do réu na associação criminosa voltada à comercialização ilícita de drogas, não bastando a afirmação de que a localidade era dominada por facção criminosa e de que as drogas estivessem etiquetadas com a inscrição do 'Complexo do Andaraí'. [...] 5. Concessão do habeas corpus. Absolvição do paciente da imputação do crime de associação para o tráfico (art. 386, VII - CPP). Redução da condenação pelo tráfico, com o redutor de 2/3 (dois terços), para 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, e 193 dias-multa, com substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito a serem determinadas pelo Juiz da Execução Penal. (HC n. 709.437/RJ, relator Ministro OLINDO MENEZES, Desembargador Convocado do TRF da 1.ª Região, Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022; grifamos) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. CRIME TIPIFICADO NO ART. 35 DA LEI N. 11.343/2006. ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA DA ASSOCIAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Como é cediço, esta Corte Superior entende que, para a configuração do tipo previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006, é imprescindível a demonstração dos requisitos da estabilidade e permanência da associação criminosa, não sendo suficiente a reunião ocasional dos agentes. 2. Na falta da comprovação de dois requisitos legais para a configuração do delito de associação para o tráfico de entorpecentes, pluralidade de agentes e vínculo subjetivo no cometimento dos delitos, a absolvição do paciente é medida que se impõe (HC 434.972/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 26/6/2018, DJe de 1º/8/2018). 3. Na hipótese, a Corte local manteve a condenação do agravado pelo delito de associação ao tráfico de entorpecentes a partir dos elementos de sua prisão em flagrante, em contexto de tráfico de drogas, construindo o raciocínio de que, pelas circunstâncias da prisão e local, haveria também associação ao narcotráfico local. 4. Não tendo o Ministério Público Federal trazido argumentos hábeis o suficiente para a modificação do julgado, mantém-se a decisão agravada por seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 684.427/RJ, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 17/08/2021, DJe de 20/08/2021; grifamos)
Dessa forma, na espécie, concluo que foi demonstrada apenas a configuração do delito de tráfico de drogas, deixando a jurisdição ordinária de descrever objetivamente fatos que demonstrassem o dolo e a existência objetiva de vínculo estável e permanente.
Por isso, mostra-se, de fato, indevida a condenação pelo crime de associação para o tráfico de drogas, no qual o sistema acusatório impõe o ônus de que seja declinada a configuração do elemento subjetivo do tipo, com a demonstração concreta da estabilidade e da permanência da associação criminosa (HC n. 462.888/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/10/2018, DJe de 05/11/2018).
Ante o exposto, não conheço do pedido de habeas corpus. Entretanto, concedo a ordem de ofício a fim de absolver o paciente do delito de associação para o tráfico, de modo que a pena fica estabelecida em 09 (nove) anos e 06 (seis) meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 817 (oitocentos e dezessete) dias-multa, pela prática dos delitos previstos nos arts. 33, caput, da Lei de Drogas e 329, § 1º, do Código Penal, mantidos os demais termos do édito condenatório. Comunique-se, com urgência, à Corte de origem e ao Juízo de primeira instância. Publique-se e intimem-se.
Relator
OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)
(STJ - HABEAS CORPUS Nº 909335 - RJ (2024/0149379-6) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP), Publicação no DJEN/CNJ de 07/03/2025)
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