STJ Abr25 - Busca e Apreensão em Endereço Diverso - Nulidade Contrabando - Absolvição por Ausência de Prova :"violações aos arts. 157 e 240 do CPP"

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO PAULOXXXXXXXXXX interpõe recurso especial, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que negou provimento a sua apelação. Consta nos autos que o recorrente foi condenado pela prática do crime de contrabando (art. 334-A do Código Penal), à pena de 2 anos de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos. 

Neste recurso especial, a defesa sustenta que o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou vigência aos arts. 157 e 240 do Código de Processo Penal, visto que houve violação do domicílio do réu, pois o endereço do recorrente seria diverso do descrito no mandado.

 Sustenta que "a apreensão não respeitou os princípios do devido processo legal e do direito de defesa da parte, pois caracterizou mandado em aberto para a persecução do investigado ainda em fase de inquérito, afrontando os princípios basilares da ciência processual penal e atacando os dispostos na Constituição Cidadã, assinalando verdadeira medida inquisitorial". Pleiteia o reconhecimento da nulidade do mandado de busca e apreensão e para que seja determinado o desentranhado dos autos, assim como todos elementos dele dependentes, absolvendo o acusado. 

O Parquet Federal oficiou pelo desprovimento do recurso. 

 Decido. A sentença trata do cumprimento do mandado de busca e apreensão nos seguintes termos:

[...] A testemunha arrolada pela defesa, Edson Mossmann, atestou a boa conduta do réu, mas nada esclareceu sobre o fato narrado na denúncia. Mencionou que a residência do réu ficava 1,5km distante do bar (evento 61, VÍDEO4). Em seu interrogatório, o réu alegou que a acusação não é verdadeira. Disse que sua residência ficava na Rua Pedro Neis, 649, bairro Santa Teresinha, endereço diverso. Confirmou ser proprietário do "Bar do Picit". Afirmou desconhecer o responsável pelo endereço Rua Dália, 188. Disse que morava cerca de 1,5km ou 2km dali. Contou ter sido preso na sua casa e não naquele endereço. Sustentou não ter permitido a entrada dos policiais na sua residência. Informou que trabalhava como carreteiro. Quanto ao mais, exerceu o direito ao silêncio (evento 61, VÍDEO5). [...] Da mesma forma, o Supremo Tribunal Federal decidiu que "casa" pressupõe sua utilização para fins de moradia e abrange: a) qualquer compartimento habitado; b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade” (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, D Je de 18/05/2007). A norma constitucional, portanto, tutela o direito à intimidade da vida privada do indivíduo em locais que lhe servem de moradia permanente ou temporária, ou para o exercício de profissão ou atividade. Além disso, a entrada dos policiais no domicílio alheio é considerado válido e regular nas situações excepcionadas e antes referidas: havendo o consentimento do morador, em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Na situação retratada nos autos, o réu não consentiu com a entrada dos policiais na residência. Também não houve relato acerca de desastre ou perigo. Da prova produzida, ressaiu incontroverso que a Brigada Militar possuía mandado judicial para adentrar na casa do réu. No mandado de busca e apreensão expedido nos autos do Documento eletrônico VDA47107954 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): SISTEMA JUSTIÇA - SERVIÇOS AUTOMÁTICOS, Assinado em: 28/04/2025 19:03:11 Publicação no DJEN/CNJ de 30/04/2025. Código de Controle do Documento: 29164885-1f70-4ac3-a637-bde89982f282 processo nº 068/2.18.0001993-4 constou a ordem ao proprietário do "Bar do Picit" e residência anexa, nestes termos (processo 5029838-27.2019.4.04.7100/RS, evento 13, ANEXO3, p. 5): [...] Portanto, evidente que a ordem judicial abrangeu a residência do proprietário do "Bar do Picit", mesmo que ela não fosse anexa ao estabelecimento e situada em outro endereço. Ademais, está presente a circunstância do flagrante delito, que pode sobrepor o interesse público na persecução penal acima da garantia individual da inviolabilidade domiciliar. Para tanto, faz-se necessário examinar a existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão (inviolabilidade de domicílio) pela situação de flagrância. Ou seja, deve-se avaliar o contexto fático anterior à violação do domicílio e perquirir acerca da existência de crime no interior da residência, circunstância que inclusive afastaria a necessidade de mandado judicial para a atuação policial. [...] (fls. 167-181) O acórdão, ao analisar esta questão, afirmou que: [...] Quanto à garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, a jurisprudência e a doutrina majoritária, têm entendido que, quando existirem fundados indicativos da ocorrência de um delito, é possível a busca domiciliar, o que acaba tornando tal garantia relativa, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. Conforme se vê dos dispositivos legais transcritos, um dos verbos nucleares do tipo previsto no art. 334-A, inciso IV, do Código Penal, é "manter em depósito", caracterizando a conduta descrita naquele artigo como crime permanente. Na forma do disposto no art. 303 do Código de Processo Penal, nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. [...] Assim, deve ser afastada a pretensa nulidade em razão da indigitada ilicitude da prova, uma vez que é dispensável o mandado de busca quando se cuida de flagrante delito em crime permanente, como é o caso dos autos, podendo-se realizar as medidas constritivas e de apreensão sem que se fale em ilicitude das provas obtidas. Pelo exposto acima, não acolho a tese defensiva envolvendo nulidade da busca e apreensão e consequentemente da materialidade do delito. [...] (fls. )
JUÍZO DE RETRATAÇÃO. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ADMISSIBILIDADE DA PRESIDÊNCIA DO STJ. ENCAMINHAMENTO DOS AUTOS PARA JUÍZO DE RETRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO E VARREDURA DOMICILIAR. ENTENDIMENTO QUE SE COADUNA COM AS TESES FIRMADAS PELA SUPREMA CORTE NO TEMA 280 DE Documento eletrônico VDA47107954 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): SISTEMA JUSTIÇA - SERVIÇOS AUTOMÁTICOS, Assinado em: 28/04/2025 19:03:11 Publicação no DJEN/CNJ de 30/04/2025. Código de Controle do Documento: 29164885-1f70-4ac3-a637-bde89982f282 REPERCUSSÃO GERAL. ENTRADA EM DOMICÍLIO ALHEIO SEM FUNDADAS SUSPEITAS DA PRÁTICA DE CRIME NO LOCAL E CUMPRIMENTO DE MANDADO DE PRISÃO NO QUAL NÃO CONSTAVA O ENDEREÇO DILIGENCIADO. DECISÃO ADOTADA QUE SEGUE A ORIENTAÇÃO DO STJ EM RELAÇÃO À IMPOSSIBILIDADE DE PESCARIA PROBATÓRIA, QUANDO DO CUMPRIMENTO DO MANDADO DE PRISÃO, E AO MESMO TEMPO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, AO CONSIDERAR ILEGAL BUSCA DOMICILIAR SEM FUNDADA SUSPEITA DA PRÁTICA DE CRIME. ESTADO DE FLAGRANTE DELITO NÃO DEMONSTRADO. RATIFICAÇÃO DA TESE FIRMADA NO ÂMBITO DO STJ QUE SE IMPÕE. 1. Ao realizar o juízo de admissibilidade dos recursos extraordinários interpostos pelo Ministério Público Federal e Ministério Público de Santa Catarina, a Presidência deste Superior Tribunal, supondo que a decisão tomada no âmbito do recurso em habeas corpus estaria dissonante do firmado pelo Supremo Tribunal Federal, quando da consolidação do Tema 280 de Repercussão Geral, encaminhou os autos para juízo de retratação. 2. Caso em que, em sessão de julgamento da Terceira Seção deste Superior Tribunal, decidiu-se, por unanimidade, que o cumprimento de mandado de busca e apreensão em endereço diverso do apontado, sem justa causa, não encontra respaldo no ordenamento jurídico (RHC n. 153.988/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 19/4/2023). [...] 6. Ratificados o voto e a tese firmada no julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 187.331/SC. (RHC n. 187.331/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 26/2/2025.) HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. CUMPRIMENTO EM ENDEREÇO DIVERSO DO DETERMINADO NA DECISÃO JUDICIAL. INVASÃO DE DOMICÍLIO. ENTRADA FRANQUEADA PELO MORADOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. ILEGALIDADE RECONHECIDA. 1. Nos termos do art. 5º, XI, da Constituição, "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro,ou, durante o dia, por determinação judicial." 2. Conforme o entendimento desta Corte Superior, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se em situação de flagrante delito. Documento eletrônico VDA47107954 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): SISTEMA JUSTIÇA - SERVIÇOS AUTOMÁTICOS, Assinado em: 28/04/2025 19:03:11 Publicação no DJEN/CNJ de 30/04/2025. Código de Controle do Documento: 29164885-1f70-4ac3-a637-bde89982f282 3. Verifica-se ilegalidade na busca e apreensão realizada em endereço diverso do autorizado pela decisão judicial. Ilegítima, portanto, a entrada dos policiais no domicílio indicado, de onde decorre a nulidade das provas produzidas a partir daí, porquanto não demonstrada a existência de elementos concretos que apontassem para o flagrante delito, tampouco o consentimento do (depois) imputado quanto ao ingresso. 5. Habeas corpus concedido, a fim de absolver o paciente da prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, objeto da ação penal n. 1526009-22.2020.8.26.0228, com a expedição incontinenti de alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso. (HC n. 718.075/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª REGIÃO), Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 15/8/2022.) 

A defesa alega que o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região violou os arts. 157 e 240 do Código de Processo Penal, ao não absolver o paciente da prática do crime de contrabando, apesar de ter havido violação ao seu domicílio. 

Com razão a defesa. 

A sentença consigna que "o réu não consentiu com a entrada dos policiais na residência [e], da prova produzida, ressaiu incontroverso que a Brigada Militar possuía mandado judicial para adentrar na casa do réu", pois, "no mandado de busca e apreensão expedido nos autos do processo nº 068/2.18.0001993-4 constou a ordem ao proprietário do "Bar do Picit" e residência anexa". 

Todavia, o réu, após confirmar se proprietário do "Bar do Picit", afirmou que "sua residência ficava na Rua Pedro Neis, 649, bairro Santa Teresinha, endereço diverso [e] que morava cerca de 1,5km ou 2km [do bar]", o que foi confirmado pela testemunha Edson Mossmann ("a residência do réu ficava 1,5km distante do bar"). 

Como é sabido, o art. 243, I, do CPP dispõe que o mandado de busca e apreensão deverá "indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem". 

Assim, o acórdão ora impugnado, ao não reconhecer a nulidade do cumprimento do mandado de busca em endereço diverso so referido em seu instrumento, vai de encontro com a jurisprudência desta Corte Superior, segundo a qual, "o cumprimento de mandado de busca e apreensão em endereço diverso do apontado, sem justa causa, não encontra respaldo no ordenamento jurídico" (AgRg no RHC n. 187.331/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 11/3/2024, DJe de 14/3/2024). Nesse mesmo sentido:

À vista do exposto, dou provimento ao recurso especial para absolver PAULO SÉRGIO PERSCH da prática do delito previsto no art. 334-A do Código Penal, objeto da Ação Penal n. 5026692-80.2021.4.04.7108. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 06 de abril de 2025. Ministro Rogerio Schietti Cruz Relator

(STJ -  RECURSO ESPECIAL Nº 2067723 - RS (2023/0133486-6) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ,  Publicação no DJEN/CNJ de 30/04/2025)

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