STJ Mar25 - Desarquivamento de Investigação Sem Prova Nova - Ação Penal Trancada - Crimes Tributários :"Destrancamento por Prova Superveniente é Ilegal - Prova Nova Já Existia à época dos Fato, porém, se desconhecia"

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se‎ ‎de‎ ‎habeas‎ ‎corpus‎ ‎substitutivo‎ ‎de‎ ‎recurso‎ ‎próprio,‎ ‎com‎ ‎pedido‎ ‎liminar,‎ ‎impetrado‎ ‎em‎ ‎favor‎ ‎de‎ ‎GERAXXXXXXX‎ ‎contra‎ ‎acórdão‎ ‎do‎ ‎Tribunal‎ ‎Regional‎ ‎Federal‎ ‎da‎ ‎4ª‎ ‎Região,‎ ‎proferido‎ ‎no‎ ‎julgamento‎ ‎do‎ ‎AGRAVO‎ ‎REGIMENTAL‎ ‎EM‎ ‎HABEAS‎ ‎CORPUS‎ ‎n.‎ ‎5045596-98.2022.4.04.0000/PR.

Consta‎ ‎dos‎ ‎autos‎ ‎que na Ação Penal n. ‎5003139-94.2018.4.04.7015, em curso na 1ª Vara Federal de Apucarana, ‎o‎ ‎paciente‎ ‎está‎ ‎sendo‎ ‎acusado‎ ‎pelo‎ ‎Ministério‎ ‎Público‎ ‎Federal - MPF de,‎ ‎no‎ ‎período‎ ‎de‎ ‎05/1996‎ ‎a‎ ‎02/1997,‎ ‎na‎ ‎condição‎ ‎de‎ ‎gerente‎ ‎geral‎ ‎da‎ ‎empresa‎ ‎Plenum‎ ‎Serviços,‎ ‎Participações‎ ‎e‎ ‎Fomento‎ ‎Mercantil‎ ‎‎ ‎Ltda‎ ‎(CNPJ‎ ‎nº‎ ‎61.276.440/0001-60),‎ ‎ter‎ ‎omitido‎ ‎recebimento‎ ‎de‎ ‎receitas‎ ‎de‎ ‎outras‎ ‎sociedades‎ ‎empresárias,‎ ‎o‎ ‎que‎ ‎ocasionou‎ ‎supressão‎ ‎de‎ ‎tributos‎ ‎federais‎ ‎(e-STJ‎ ‎fl.‎ ‎4.400).‎

‎ A defesa‎ ‎do‎ ‎paciente‎ ‎impetrou‎ ‎o‎ ‎writ‎ ‎originário‎ ‎contra‎ ‎decisão judicial que determinou‎ ‎o‎ ‎desarquivamento‎ ‎do inquérito‎ policial que subsidiou a ação penal.

Após‎ ‎o‎ ‎Relator‎ ‎indeferir‎ ‎liminarmente‎ ‎o‎ ‎pedido,‎ ‎foi‎ ‎interposto‎ ‎o‎ ‎respectivo‎ ‎recurso‎ ‎perante‎ ‎‎ ‎Corte‎ ‎Federal,‎ ‎que‎ ‎negou‎ ‎provimento‎ ‎ao‎ ‎agravo‎ ‎regimental‎ ‎em‎ ‎acórdão‎ ‎assim‎ ‎resumido‎ ‎(fl.‎ ‎4.297):

"AGRAVO‎ ‎REGIMENTAL‎ ‎EM‎ ‎HABEAS‎ ‎CORPUS.‎ ‎INDEFERIMENTO‎ ‎LIMINAR‎ ‎DA‎ ‎PETIÇÃO‎ ‎INICIAL.‎ ‎TRANCAMENTO‎ ‎DA‎ ‎AÇÃO‎ ‎PENAL.‎ ‎INCOMPETÊNCIA‎ ‎DO JUÍZO.‎ ‎COISA‎ ‎JULGADA‎ ‎FORMAL.‎ ‎DESARQUIVAMENTO.‎ ‎VIOLAÇÃO‎ ‎AO‎ ‎PRINCÍPIO‎ ‎DA‎ ‎INÉRCIA‎ ‎JURISDICIONAL.‎ ‎NULIDADE‎ ‎DA‎ ‎AÇÃO‎ ‎PENAL‎ ‎E‎ ‎AUSÊNCIA‎ ‎DE‎ ‎JUSTA‎ ‎CAUSANÃO‎ ‎CONFIGURADAS.‎ ‎MANUTENÇÃO‎ ‎DA‎ ‎DECISÃO. 1.‎ ‎O‎ ‎trancamento‎ ‎de‎ ‎ação‎ ‎penal‎ ‎por‎ ‎meio‎ ‎de‎ ‎habeas‎ ‎corpus‎ ‎é‎ ‎providência‎ ‎reservada‎ ‎para‎ ‎casos‎ ‎excepcionais,‎ ‎nos‎ ‎quais‎ ‎é‎ ‎possível,‎ ‎de‎ ‎plano‎ ‎e‎ ‎sem‎ ‎necessidade‎ ‎de‎ ‎exame‎ ‎aprofundado‎ ‎do‎ ‎conjunto‎ ‎fático-probatório,‎ ‎verificar‎ ‎a‎ ‎ausência‎ ‎de‎ ‎justa‎ ‎causa,‎ ‎consubstanciada‎ ‎na‎ ‎inexistência‎ ‎de‎ ‎elementos‎ ‎indiciários‎ ‎demonstrativos‎ ‎da‎ ‎autoria‎ ‎e‎ ‎da‎ ‎materialidade‎ ‎do‎ ‎delito,‎ ‎na‎ ‎atipicidade‎ ‎da‎ ‎conduta‎ ‎e‎ ‎na‎ ‎presença‎ ‎de‎ ‎alguma‎ ‎causa‎ ‎excludente‎ ‎da‎ ‎punibilidade‎ ‎ou,‎ ‎ainda,‎ ‎no‎ ‎caso‎ ‎de‎ ‎inépcia‎ ‎da‎ ‎denúncia. 2.‎ ‎Nulidade‎ ‎da‎ ‎ação‎ ‎penal‎ ‎e‎ ‎ausência‎ ‎de‎ ‎justa‎ ‎causa‎ ‎para‎ ‎o‎ ‎seu‎ ‎prosseguimento,‎ ‎em‎ ‎face‎ ‎da‎ ‎incompetência‎ ‎da‎ ‎autoridade‎ ‎impetrada‎ ‎(Resolução‎ ‎nº43/2019,‎ ‎deste‎ ‎Tribunal),‎ ‎da‎ ‎impossibilidade‎ ‎de‎ ‎desarquivamento‎ ‎do‎ ‎inquérito‎ ‎policial(coisa‎ ‎julgada‎ ‎formal‎ ‎e‎ ‎violação‎ ‎aos‎ ‎arts.‎ ‎18‎ ‎e‎ ‎28‎ ‎do‎ ‎CPP)‎ ‎e‎ ‎da‎ ‎inexistência‎ ‎de‎ ‎denúncia‎ ‎recebida‎ ‎nos‎ ‎autos‎ ‎(ausência‎ ‎de‎ ‎ratificação‎ ‎da‎ ‎denúncia‎ ‎e‎ ‎da‎ ‎decisão‎ ‎que‎ ‎a‎ ‎recebeu)‎ ‎não‎ ‎configuradas. 3.‎ ‎Agravo‎ ‎regimental‎ ‎não‎ ‎provido."

No‎ ‎presente‎ ‎writ,‎ ‎a defesa afirma, em síntese:

a) incompetência da 1ª‎ ‎Vara‎ ‎Federal‎ ‎da‎ ‎Subseção‎ ‎Judiciária‎ ‎de‎ ‎Apucarana/PR, pois a 5ª Vara Federal de Londrina/PR tem competência especializada regionalizada; na época da edição da Resolução n. 3/2019 não havia denúncia em curso para justificar a perpetuação da jurisdição, pois em 10/10/2018 a autoridade coatora originaria havia determinado o arquivamento dos autos; b) sobre a ilegalidade do desarquivamento: a ação penal foi movida originariamente perante a Seção Judiciária de São Paulo, onde houve citação e apresentação da resposta; declinada a competência para a Subseção de Apucarana, o juízo da 1ª Vara Federal determinou o arquivamento da Ação Penal 5003139-94.2018.4.04.7015 por falta de justa causa, por compreender que os mesmos fatos já eram objeto do processo n. 5004753-71.2017.4.05.7015; razão pela qual o MPF se manifestou pela ausência de justa causa no prosseguimento da Ação Penal 5003139-94.2018.4.04.7015; a decisão de arquivamento faz coisa julgada formal e poderá ser desarquivada caso sobrevenham novas provas; decorrido mais de um ano, sobreveio decisão de arquivamento, pois foram juntadas no processo n. 5004753-71.2017.4.05.7015, cópias integrais dos processos administrativos fiscais-PAFs nºs. 16327.004512/2002-72 e 16324.000312/2002-41, que já subsidiavam a Ação Penal n. 5003139-94.2018.4.04.7015 e, portanto, não houve alteração do quadro probatório; a retomada da ação penal foi determinada sem impulso ministerial, o que ofende o art. 24 do Código de Processo Penal e princípio da inércia jurisdicional; c) ofensa ao princípio do promotor natural, porque a denúncia, oferecida pelo MPF de São Paulo, não foi ratificada pelo Procurador da República oficiante perante a 1ª Vara de Apucarana, pelo contrário, ele requereu a extinção da Ação Penal n. 5003139-94.2018.4.04.7015 em razão da identidade de fatos com a Ação Penal n. 5004753- 71.2017.4.04.7015; tampouco existe recebimento da denúncia pelo Juízo da 1ª Vara Federal de Apucarana/PR e o impulso do processo não pode ser tido como ratificação.

Requereu, liminarmente, a suspensão da Ação Penal n. 5003139-94.2018.4.04.701 e, como pedidos definitivos, a anulação de todos praticados pelo juízo incompetente e envio dos autos para a 5ª Vara Federal de Londrina; subsidiariamente, seja cassada a decisão que reviu o desarquivamento do inquérito policial e atos processuais subsequentes. O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 4.373/4.375). Informações prestadas pelas instâncias ordinárias (e-STJ fls. 4.388/4.397 e 4.398/4.408).

Parecer do MPF pelo não conhecimento da ordem.

É o relatório. Decido.

Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração nem sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal—STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça —STJ. Todavia, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício. Sobre a competência da 1ª Vara Federal de Apucarana, assim se manifestou o relator do julgamento impetrado (e-STJ fl. 4.316; sublinhei; destaques originais suprimidos):

"No caso em tela, ao indeferir liminarmente a presente impetração, assim me manifestei (evento 7), in verbis: [...] Da incompetência da autoridade impetrada (Resolução nº 43/2019, deste Tribunal). Alegam os impetrantes que a ação penal originária deveria ter sido distribuída para o Juízo da 5ª Vara Federal de Londrina - PR, nos termos da Resolução nº 43, de 26-04-2019, que assim dispôs: Art. 7º A 5ª Vara Federal de Londrina passa a ter competência regionalizada e exclusiva no âmbito territorial das Subseções Judiciárias de Londrina, Apucarana e Jacarezinho para o processamento e julgamento dos processos e procedimentos criminais do juízo comum e do juizado especial, inclusive os processos e procedimentos criminais relativos a crimes ambientais e crimes praticados por organizações criminosas, bem como os procedimentos e processos de execução penal. (destaquei) No entanto, como bem salientado pela autoridade impetrada, a própria Resolução nº 43/2019, excepciona, em seu art. 15, inc. II, os processos criminais com denúncia recebida, os quais somente poderão ser redistribuídos após a prolação da sentença e do julgamento de eventuais embargos de declaração. Confira-se: [...] No mais, reporto-me à manifestação do Ministério Público Federal, em sede de contrarrazões, da lavra do Procuradror Regional da República, Dr. CARLOS AUGUSTO DA SILVA CAZARRÉ, a qual bem resumiu a questão, agregando-a aos fundamentos anteriormente aduzidos, in verbis (evento 13): Outrossim, os agravantes ressalvam a incompetência da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Apucarana/PR para proferir a decisão de desarquivamento do Inquérito Policial nº 5003139-94.2018.4.04.7015/PR, haja vista que a ação penal decorrente deveria ter sido distribuída para o Juízo da 5ª Vara Federal de Londrina/PR, nos termos da Resolução TRF4 nº 43/2019. Com efeito, o artigo 7º da Resolução nº 43/2019 assim dispõe: Art. 7º A 5ª Vara Federal de Londrina passa a ter competência regionalizada e exclusiva no âmbito territorial das Subseções Judiciárias de Londrina, Apucarana e Jacarezinho para o processamento e julgamento dos processos e procedimentos criminais do juízo comum e do juizado especial, inclusive os processos e procedimentos criminais relativos a crimes ambientais e crimes praticados por organizações criminosas, bem como os procedimentos e processos de execução penal. Ocorre que o artigo 15 da Resolução nº 43/2019 desse Tribunal determina: Art. 15. Será procedida à redistribuição de acervos observado o disposto no artigo 11 da Resolução TRF4 nº nº 42/2019 e o seguinte: I - Os inquéritos, cartas precatórias em matéria criminal e procedimentos investigatórios, exceto aqueles conexos com ações criminais, as ações penais sem denúncia recebida, os processos suspensos na forma do art. 366 do Código de Processo Penal, do art. 89 da Lei nº 9.099/95 e em virtude do parcelamento de débitos tributários, bem como as execuções penais das Varas Federais que perderam a competência criminal e de execução penal serão redistribuídos para as respectivas Varas Federais criminais e de execução penal especializadas. II - As ações penais com denúncia recebida em tramitação nas Varas Federais que perderam a competência criminal serão redistribuídas para as respectivas Varas Federais criminais especializadas, após a prolação da sentença e julgamento de eventuais embargos de declaração. [...]"

O próprio impetrante reconhece que a ação penal foi distribuída na 1ª Vara Federal de Apucarana antes do advento da Resolução TRF4 n. 42/2019, que atribuiu à 5ª Vara Federal de Londrina competência regionalizada e exclusiva para julgamento de feitos criminais.

Tal ato normativo não previu redistribuição de ações penais já iniciadas, estivessem em curso ou arquivadas. As hipóteses de redistribuição de acervo estão bem definidas no texto e, no que ora é relevante, são: inquéritos em curso, ações penais sem recebimento de denúncia e ações penais após a prolação da sentença.

O argumento do impetrante — de que quando da regionalização da 5ª Vara Federal de Londrina a ação penal estava baixada e, portanto, não se justificaria a perpetuação da jurisdição da 1ª Vara Federal de Apucarana — olvida o fato de que havia uma regra de transição estipulada pelo TRF4.

O processo desarquivado não era um inquérito policial, mas sim uma ação penal com denúncia já recebida, cujo curso fora interrompido e, portanto, não se enquadrava nas situações de redistribuição de acervo.

A discussão jurídica costuma ser no sentido inverso, a partir das bases de que modificação de competência por redistribuição de acervo ofenderia o princípio do juiz natural, ao que esta Corte responde que as varas especializadas podem ser criadas para melhor organizar o sistema de justiça.

Portanto, desde que atendidos os parâmetros normatizados pelo TRF4, o que foi o caso, não há que se reconhecer nulidade decorrente de incompetência do juízo de origem. Nesse sentido:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL, AMEAÇA, INJÚRIA E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. REDISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA PARA VARA ESPECIALIZADA. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME [...] 3. A criação de Varas Especializadas em crimes de violência doméstica visa garantir uma melhor prestação jurisdicional e zelar pela proteção das mulheres vítimas, conforme dispõe a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha). 4. Não há violação ao princípio do juiz natural na redistribuição da ação penal à Vara Especializada, quando essa redistribuição ocorre em conformidade com resolução do Tribunal de Justiça local (Resolução TJGO nº 163/2021), e com base na competência fixada pelo art. 96, I, da Constituição Federal. 5. A redistribuição processual para a Vara Especializada não caracteriza nulidade ou ilegalidade, desde que promovida por ato normativo que visa adequar a competência material, sem violar os atos até então praticados pelo Juízo anterior. 6. Precedentes do STJ confirmam que a redistribuição de processos em razão da criação de novas varas ou alteração de competência não viola o princípio do juiz natural (AgRg no REsp nº 1.720.550/PRAgRg no AREsp nº 1.526.001/SP). IV. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO (AgRg no RHC n. 173.054/GO, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 16/10/2024, DJe de 23/10/2024.) HABEAS CORPUS. DENÚNCIA POR QUADRILHA ARMADA, CONCUSSÃO, FALSIDADE IDEOLÓGICA, PROSTITUIÇÃO INFANTIL E CORRUPÇÃO DE MENOR. REDISTRIBUIÇÃO DOS AUTOS PARA VARA ESPECIALIZADA EM CRIMES CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. [...] 3 - A jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal têm admitido a especialização de Varas Criminais por meio de resolução, visto que a Constituição da República, em seu art. 96, I, "a", estabelece ser atribuição dos Tribunais dispor sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. 4 - A criação de varas criminais especializadas vem ao encontro do propósito de organização de um sistema de justiça célere e apto a enfrentar satisfatoriamente as lides penais. 5 - Embora a competência, como regra, seja fixada no momento da propositura da ação penal, a criação de Vara especializada em função da matéria, de natureza absoluta, consubstancia motivo hábil à redistribuição do feito criminal, tal como na espécie. [...] 7 - Ordem não conhecida. (HC n. 180.840/PR, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 5/3/2013, DJe de 15/3/2013.)

Quanto às questões de fundo, primeiramente, há de se ter em perspectiva que, independentemente da forma pela qual foi nomeado, o ato judicial originário consistiu na rejeição tardia (após o recebimento) da denúncia, fundamentada no pressuposto processual objetivo negativo (litispendência), na forma do art. 395, II, do Código de Processo Penal — CPP, haja vista que entendeu-se que haveria identidade de objeto entre a Ação Penal n. 5003139-94.2018.4.04.7015 (objeto desta impetração) e a Ação Penal n. 5004753-71.2017.4.05.7015. Vejamos (e-STJ fls. 2.429 e 2.450; sublinhados no original; negritos nossos):

"Trata-se de Ação Penal 5003139- 94.2018.4.04.7015 (2001.61.81.001617-0 / 0001617-23.2001403.6181), oriunda Subseção Judiciária de São Paulo/SP, na qual consta, em síntese, que GERARDO XXXXXXXXXX foi denunciado como incurso nas penas do artigo 1°, inciso I, da Lei n° 8.137/90 uma vez que, na qualidade de representante legal da empresa PLENUM SERVIÇOS E PARTICIPAÇÕES E FOMENTO MERCANTIL LTDA, no período compreendido entre maio de 1997 a fevereiro de 1999, efetuou remessas ao exterior sem comprovação da origem dos recursos (ev. 1, DENUNCIA4, fls. 03-07). A denúncia foi oferecida em 05/04/2010 consubstanciada nos Procedimentos Administrativos Fiscais n° 16.327.002477/2001-76, 16.327.000312/2002-41, 16.327.004512/2002- 72, inscritos em Dívida Ativa da União em 2008, conforme é possível verificar no Ofício n° 05/2017 do IPL 5001839-68.2016.4.04.7015, em trâmite neste juízo (ev. 32 , DESPI, fl. 2-10). Após o declínio de competência pelo juízo da subseção de São Paulo/SP(ev. 1, OUT7, fi. 89-91), foi fixada a competência deste Juízo para processar e apreciar o feito (ev. 7). Na sequencia, o MPF foi instado a manifestar-se acerca de eventual identidade de fatos entre os narrados nestes autos e os narrados nos autos n° 5004753-71.2017.4.04.7015. Ao ev. 11, foi solicitado o arquivamento da presente Ação Penal. O MPF alegou que com relação aos créditos do PAF 1636.002477/2001-76 a denúncia foi ofertada antes do lançamento definitivo do tributo e com relação aos créditos do PAF 16327.000312/2002-41, são também objeto da Ação Penal n° 5004753- 71.2017.4.04.7015 em trâmite perante este juízo na qual a denúncia foi oferecida após a constituição definitiva do crédito tributário. Decido. Verifica-se que este inquérito investiga os fatos que deram origem aos PAFs 16.327.002477/2001-76, 16.327.000312/2002-41, 16.327.004512/2002-72, que são também objeto da Ação Penal n° 5004753-71.2017.4.04.7015, conforme Ofício n° 05/2017 da Procuradoria Seccional da Fazenda Nacional em Londrina/PR (IPL 5001839- 68.2016.4.04.7015, ev. 32 , DESPI, fl. 2-10), não havendo prejuízo no arquivamento desta Ação Penal, eis que os fatos continuarão a ser apurados naqueles autos. 3. Diante dos fatos narrados e da judiciosa análise encetada pelo "Parquet", acolho o parecer ministerial, razão por que DETERMINO O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL, sem prejuízo de investigação posterior pela autoridade policial, se de outras provas tiver notícia, na forma do art. 18 do Código de Processo Penal e da Súmula n. 524 do Supremo Tribunal Federal."

Passado mais de um ano, a magistrada avocou a ação penal finda ao perceber que, tomando-se como base os PAFs envolvidos na constituição dos créditos tributários discutidos (conforme nota de rodapé n. 5 da impetração, há erro material na numeração do PAF 16327.004512/2002-72, indevidamente grafado desde a denúncia como PAF nº 16327.002512/2002-72), a hipótese seria de continência, sendo a Ação Penal n. 5003139-94.2018.4.04.7015 (extinta) menos ampla do que a Ação Penal n. 5004753-71.2017.4.05.7015.

Em vez de prosseguir com o trâmite da ação penal mais ampla, a juíza optou por restringir o objeto desta e, paralelamente, resgatar a ação penal já extinta. Segue trecho da decisão de primeiro grau (sublinhados no original; negritos meus):

" 1. Avoquei os autos. [...] 5. Na petição do evento 11, o MPF requereu a rejeição da denúncia pela ausência de justa causa (art. 395, caput, inciso II, do CPP), por entender que os créditos tributários cobrados no PAF n° 1636.002477/2001-76 (sic) foram definitivamente constituídos após o oferecimento da denúncia. Também pontuou não haver prejuízo na continuidade da persecução penal, pois os PA Fs discutidos nestes autos também são objeto da Ação Penal n° 5004753- 71.2017.4.04.7015. A decisão proferida no evento 13 determinou o arquivamento do inquérito policial. Vieram os autos conclusos. 6. Tendo em vista que a denúncia já havia sido oferecida (p. 3-7, PROCJUDIC4, evento 1) e recebida neste feito (p. 10-11, PROCJUDIC4, evento 1), não há falar em arquivamento de inquérito policial, pois já superada essa etapa com a apresentação da inicial acusatória. Também não há falar em preclusão pro iudicato na decisão de determinação de arquivamento do inquérito policial. Com efeito, o decisório em questão expressamente ressalvou a possibilidade de nova investigação caso sobreviessem outras provas, na forma do art. 18 do CPP e da Súmula 524/STF. Nesse sentido, sobreveio a juntada dos PA Fs na APE n° 5004753- 71.2017.4.04.7015, cujo traslado determinarei seja feito na sequência, e que evidenciam a presença de justa causa. 7 . No pedido de rejeição da denúncia (evento Fins 11), o MPF n° argumentou que "a Representação Fiscal Para Penais 16327.000311/2002-04 dispõe sobre dois Procedimentos Administrativos Fiscais, quais sejam, PAF n° 6327.000312/2002411, inscrito em Dívida Atida da União em 19/02/2008 (evento I - INQ1, fls. 26 e 41, IPL); e PAF n° 636.002477/2001:76; [sic] devidamente constituído em 2017' e concluiu que "o oferecimento da denúncia em 05 de abril de 2010 precedeu a constituição definitiva do crédito tributário referente ao PAF ng 636.002477/2001-76[ sic]", o que violaria a Súmula Vinculante 24. Após o acesso ao inteiro teor dos PA Fs, sobreveio informação que deve ser ponderada, sobretudo a respeito do momento da constituição definitiva dos créditos tributários. Afastando qualquer dúvida a respeito, em análise dos PA Fs, cujo traslado determinarei seja feito na sequência, os créditos tributários a seguir foram definitivamente constituídos nas seguintes datas: [...] Esta APE n° 5003139-94.2018.4.04.7015, conforme se observa na denúncia (p. 3-7, nos PROCJUDIC4, evento 1), envolve os créditos tributários constituídos PA Fs (B) n° p.6327.000312/2002=41 e (C) n° p.6327.002512/2002-72 1 ; (conforme documentos do inquérito policial, o correto seria 16327.004512/2002-72), os quais, como visto acima, já contavam com os respectivos créditos tributários constituídos por ocasião da denúncia em 05.04.2010, razão pela qual a inicial acusatória não padece do vício alegado pelo MPF: [...] Por outro lado, a APE n° 5004753-71.2017.4.04.7015, nos termos da respectiva constituídos denúncia nos (p. PA Fs 3-4, DENUNCIAI), envolve os créditos tributários (A) n° R6327.002477/2001=76, (B) n° 16327.000312/2002=41 e (C) n° 0327.004512/2002-72: Desse modo, como o réu GERARDO foi citado neste processo em 20.07.2010, data da constituição de advogado (p. 19-20, PROCJUDIC4, evento 1), a partir de então há litispendência em relação aos PA Fs (B) n° P.6327.000312/2002=411 e (C) n° 16327.004512/2002-72, a impedir o prosseguimento da APE n° 5004753-71.2017.4.04.7015 nesse tocante e impor o processamento de tais fatos nesta APE n° 5003139-94.2018.4.04.7015. Ante o exposto, revejo a decisão proferida no evento 13 e determino o normal prosseguimento do feito, bem assim rejeito a alegação de ausência de justa causa."

Ressalta-se que a decisão judicial de desarquivamento, contraditoriamente, ora afirma que a hipótese não era de arquivamento de inquérito policial, pois a denúncia já tinha sido recebida, ora diz que não houvera preclusão da decisão de determinação do arquivamento do inquérito, e se vale do enunciado da Súmula n. 524 do STF, que regula situações de desarquivamento de inquérito policial quando sobrevenha prova.

Essa contradição também foi percebida pelo TRF4 em relação à primeva decisão (de arquivamento). O Tribunal de origem elucidou que a situação não era de arquivamento de inquérito, entretanto, considerou que o resgate da ação penal consistia em salutar correção do error in procedendo (fls. 4.311/4.312):

"Sustentam, ainda, os impetrantes, a nulidade da decisão objurgada, em face da violação à coisa julgada formal e ao disposto nos arts. 18 e 28 do CPP. Ocorre que, como bem apontado pelo juízo impetrado, equivocada a decisão que determinou o arquivamento "do inquérito policial", porque de inquérito policial não se tratava mais, uma vez que já havia sido oferecida denúncia pelo órgão ministerial, a qual restou recebida pelo Juízo da 3ª Vara Federal Criminal de São Paulo - SP (evento 1, PROCJUDC4, fls. 3/7 e 10/11, da AP nº 5003139- 94.2018.4.04.7015), antes da declinação da competência para o juízo a quo (evento 1, PROCJUDIC7, fls. 89/91, da AP), sendo possível a avocação dos autos para a sua correção, sem que isso represente violação à coisa julgada ou ao disposto nos arts. 18 e 28 do CPP. Note-se que a referida decisão encerra contradição em seu próprio bojo, uma vez que relata tratar-se de "ação penal", mas conclui pelo arquivamento do "inquérito policial". Confira-se (evento 13 da AP): [...] De fato, tal equívoco somente veio à tona em razão da juntada dos PAFs nº 16327.000312/2002-41 e nº 16327.004512/2002-72 pela Fazenda Nacional nos autos da Ação Penal nº 5004753-71.2017.4.04.7015 (evento 98), relacionada à presente (Ação Penal nº 5003139-94.2018.4.04.7015), em virtude do que alegado em sede de defesa prévia pela própria defesa do réu, ora paciente, naqueles autos. Assim, não há falar em violação à coisa julgada, visto que o desarquivamento da ação penal se deu em razão de fato novo advindo de processo conexo, a pedido da própria defesa, e que trouxe aos autos a notícia da constituição definitiva dos créditos tributários objeto da presente demanda. Também não se verifica a violação ao princípio da inércia jurisdicional, uma vez que cabia ao juízo a correção do error in procedendo e a determinação de juntada dos PA Fs nº 16327.000312/2002-41 e nº 16327.004512/2002-72 nos autos originários, com a demonstração do implemento da condição de procedibilidade para fins de prosseguimento da ação penal, qual seja, a constituição definitiva dos créditos tributários objeto da denúncia, sendo desnecessário qualquer impulso pelo órgão ministerial, que, ademais, intimado, postulou a continuidade da ação penal nos seguintes termos (evento 51 da AP)."

Conforme consolidada jurisprudência do STJ, as ações penais são passíveis de serem trancadas em três vertentes de hipóteses, a saber, atipicidade, falta de justa causa (notadamente, absoluta falta de provas de materialidade ou de indícios de autoria) e extinção de punibilidade.

Neste sentido:

Direito processual penal. Agravo regimental no Habeas corpus. Crime de receptação. Ilegitimidade passiva ou prescrição da pretensão punitiva. Menor de 18 ou 21 anos. Impossibilidade de trancamento prematuro da ação penal. Crime permanente nas modalidades transportar, conduzir e ocultar. Inexistência de flagrante ilegalidade. Impugnação inadequada da decisão agravada. Agravo não conhecido. [...] 7. O trancamento prematuro da ação penal somente é possível quando ficar manifesto, de plano e sem a necessidade de análise fático-probatória, a atipicidade da conduta, a absoluta falta de provas da materialidade ou de indícios da autoria ou, ainda, a ocorrência de alguma causa extintiva da punibilidade. [...] Tese de julgamento: "1. O agravo regimental deve impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada, sob pena de não conhecimento. 2. O trancamento de ação penal por habeas corpus é excepcional e exige comprovação inequívoca de atipicidade, extinção da punibilidade ou absoluta ausência de justa causa. [...] (AgRg no HC n. 956.377/SP, minha relatoria Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 19/2/2025, DJEN de 24/2/2025.) PROCESSUAL PENAL. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. SÚMULA N. 182 DO STJ. AGRAVO NAO CONHECIDO. [...] 5. Inexistência de flagrante ilegalidade que autorize a concessão da ordem de ofício, pois não se verifica nenhuma hipótese excepcional que autorize o trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus, como ausência de justa causa, imputação de fato penalmente atípico, causa extintiva da punibilidade ou ausência de prova da autoria e materialidade delitiva. 6. A denúncia atendeu aos requisitos legais, posto que descreveu adequadamente a conduta atribuída à paciente, salientando a existência de indícios de materialidade e autoria delitivas e, por conseguinte a justa causa para a ação penal. 7. Pedido de reconsideração recebido como agravo regimental, do qual não se conhece. (RCD no HC n. 939.328/RS, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025.)

Resta saber se, na vertente de falta de provas, o trancamento de ação penal ecoaria as situações de arquivamento de inquérito policial reguladas pela Súmula n. 524 do STF, segundo a qual: "Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas".

A par do enunciado sumular claramente se referir ao reforço do conjunto probatório antes do início da ação penal, os precedentes desta Corte sobre destrancamento de ação penal se referem às situações em que se pretende discutir se o acervo probatório considerado para a ordem de trancamento é ou não suficiente para prosseguimento da ação penal.

Os questionamentos recaem sobre a decisão que determinou o trancamento em si, a dizer, se foi correta a avaliação de falta de justa causa. Não encontrei nenhum precedente que trate da possibilidade de destrancamento de uma ação penal em decorrência de superveniência de prova.

Para ilustrar:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. OPERAÇÃO "CÂMBIO, DESLIGO". DESTRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DENÚNCIA BASEADA APENAS EM COLABORAÇÕES PREMIADAS. NECESSÁRIO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIÁVEL PELA VIA DO RECURSO ESPECIAL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. CORROBORAÇÃO RECÍPROCA/CRUZADA. INADMISSÍVEL. ENTENDIMENTO DA SUPREMA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Extraiu-se dos autos que a Corte a quo estendeu os efeitos da ordem de habeas corpus para trancar a ação penal em relação ao recorrido, por entender que, "assim como ocorreu em relação ao paciente Henrique Chueke, a autoria delitiva do requerente Wander Bergman Vianna foi construída unicamente com base nas palavras dos colaboradores premiados, sem elementos externos de corroboração" (fls. 849). Ainda, destacou o Tribunal de origem que "As telas do sistema BankDrop retratam as operações listadas pelo MPF, mas se referem aos doleiros por elas responsáveis unicamente pelo codinome utilizado ('KALUF'), sem qualquer menção aos seus verdadeiros nomes. O mesmo ocorre com as telas do sistema ST, onde o 'saldo' de cada doleiro junto à suposta organização criminosa é contabilizado tendo os codinomes em referência. Dessa forma, com exceção da palavra dos colaboradores premiados, a denúncia não traz elementos seguros que indiquem que o codinome 'KALUF' se refere ao requerente Wander Bergman Vianna" (fl. 849). 2. Com efeito, a colaboração premiada constitui meio para a obtenção de provas, e a denúncia calcada exclusivamente na palavra dos colaboradores premiados, sem a corroboração por elementos externos à própria delação, assim como ocorreu no caso em apreço, enseja o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, conforme determina o art. 4º, § 16, III, da Lei 12.850/2013. Precedentes do STF e STJ. 3. Tendo o Tribunal de origem concluído que a ausência de justa causa está amparada no fato de que a inicial acusatória se baseou unicamente na palavra dos colaboradores premiados, a inversão do julgado, a fim de dar seguimento à ação penal, na maneira pretendida pelo Ministério Público, in casu, demandaria maior incursão no suporte fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta via recursal, nos termos da Súmula 7/STJ. Precedentes. 4. Não se admite a utilização da corroboração cruzada/recíproca, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Embargos de Declaração na Ação Penal 1.015/DF, in verbis: "a jurisprudência do STF proíbe o uso da corroboração cruzada, ou seja, a utilização dos depoimentos de colaboradores como elementos de validação das declarações apresentadas por outros colaboradores, sob pena de se admitir uma tautologia no sistema de validação racional das provas" (AP 1015 ED, Relator(a): EDSON FACHIN, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 02/05/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-114 DIVULG 10-06-2022 PUBLIC 13-06-2022). 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 2.097.217/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), Sexta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. NECESSIDADE DE INDÍCIOS DE AUTORIA E LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. INOCORRÊNCIA. DESTRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO DESPROVIDO. 1. É certo que, para o oferecimento da denúncia, não se exige prova conclusiva acerca da autoria delitiva, mas apenas indícios desta. Entretanto, deve haver lastro probatório mínimo para a instauração da persecutio criminis in iudicio em desfavor do acusado, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. 2. No caso concreto, a instância primeva afirma a inexistência da justa causa para propositura da ação penal, precipuamente ante a ausência de indícios de autoria e materialidade e, rever o posicionamento apresentado demanda o reexame de matéria fática, inviável em recurso especial, por força da Súmula n. 7 desta Corte. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.821.134/MT, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe de 10/12/2019.)

Ademais, a justificativa para o desarquivamento — superveniência de documento novo — está desencontrada do motivo que ensejou a extinção da ação penal.

O nominado arquivamento não foi fundamentado na falta de prova de que os créditos tributários estivessem definitivamente constituídos. Deveras, ao requerer a rejeição da denúncia, o MPF alegou que um dos dois créditos tributários objeto da denúncia da Ação Penal n. 5003139-94.2018.4.04.7015 ainda não estava definitivamente constituído.

Todavia, a extinção da ação penal decorreu da suposta litispendência, tendo sido exposto na ocasião que não haveria nenhum prejuízo à persecução penal, pois todos os créditos tributários já estariam contemplados noutra ação penal. E mais, na decisão de desarquivamento, a juíza apontou que os créditos tributários tinham sido definitivamente constituídos nos anos de 2007 e 2008, bem antes do recebimento, no ano de 2010, da denúncia da Ação Penal n. 5003139-94.2018.4.04.7015 (e-STJ fl. 4.389).

Neste cenário, impõe-se ponderar se a informação de que o crédito tributário estava definitivamente constituído por volta de uma década antes da decisão de arquivamento poderia ser considerada prova nova.

É certo que, de acordo com a jurisprudência do STJ, podem ser consideradas novas as provas já existentes, mas não incorporadas na investigação. "Por novas provas, há de se entender aquelas já existentes, mas não trazidas à investigação ao tempo em que realizada, ou aquelas franqueadas ao investigador ou ao Ministério Público após o desfecho do inquérito policial" (RHC 27.449/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe de 16/03/2012).

Ocorre que, no caso concreto, os processos administrativos fiscais já constavam da ação penal conexa (50004753-71.017.4.04.7015) àquela ação penal extinta (5003139-94.2018.4.04.7015), tanto assim que a magistrada se refere ao traslado de documentos juntados pela Fazenda Nacional (e-STJ fl. 4.255).

Desta forma, não é convincente o argumento das instâncias ordinárias sobre o ineditismo da informação acerca da situação fiscal dos créditos tributários há muito constituídos.

Diante de todo este contexto, não parece que a situação seja daquelas de ausência de coisa julgada material pela latência de obtenção de novas provas. Na verdade, esse resgate da ação penal previamente trancada esbarra na ofensa à coisa julgada formal, conforme precedente do STJ:

HABEAS CORPUS. CRIMES TRIBUTÁRIO E FINANCEIRO (ARTS. 1o. E 2o. DA LEI 8.137/90 E 22 DA LEI 7.492/86). PACIENTE DENUNCIADO DUAS VEZES PELAS MESMAS CONDUTAS. LITISPENDÊNCIA RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL IRRECORRIDA E TRANSITADA EM JULGADO, EXCLUINDO O PACIENTE DO PÓLO PASSIVO DA SEGUNDA AÇÃO PENAL. RECONHECIMENTO POSTERIOR, PELO STF, DA INÉPCIA DA PRIMEIRA DENÚNCIA. RESTABELECIMENTO DA CONDIÇÃO DE DENUNCIADO NA AÇÃO REMANESCENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. OCORRÊNCIA DE RES JUDICATA FORMAL. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, PORÉM, PARA, ANULAR A DECISÃO DO MM. JUIZ DE PRIMEIRO GRAU QUE DETERMINOU A REFLUÊNCIA DA AÇÃO PENAL 2000.50.01.002862-2 EM RELAÇÃO AO PACIENTE, TRANCANDO-A, MAS SEM EMPECILHO À PROMOÇÃO DE OUTRA INICIATIVA PROCESSUAL. 1. No Processo Penal as exceções visam a impedir que a causa seja apreciada ou julgada com ofensa ao princípio do Juiz Natural e imparcial, nas hipóteses de suspeição e incompetência do Juízo (art. 95, I e II do CPP), ou intentada contra parte ilegítima (art. 95, IV do CPP), ou que a pessoa seja processada duas vezes pelo mesmo fato, o que caracterizaria (i) a litispendência processual (na hipótese de propositura de duas Ações Penais simultâneas) ou (ii) o maltrato à coisa julgada (se já existente sentença condenatória transitada em julgado em um dos processos) (art. 95, III e V do CPB, respectivamente). 2. No caso, não há dúvida de foram propostas duas Ações Penais em adversidade à mesma pessoa, pelos mesmos fatos, como restou reconhecido pelo próprio Juízo processante, tanto que, verificada essa ocorrência, foi proferida decisão de sua lavra, acolhendo a alegada exceção de litispendência, ocasião em que se extinguiu a Ação Penal aforada em segundo lugar em relação ao ora paciente, sem insurgência de quaisquer das partes e, pelo contrário, com a concordância do órgão acusatório. 3. O ato judicial de acolhimento da exceção de litispendência é uma espécie de decisão interlocutória mista, isto é, aquela que não resolve o mérito da causa, identificado, no Processo Penal, com a substância da acusação, a reclamar, portanto, uma decisão absolutória ou condenatória; assim, sendo tipo de decisão que encerra o processo sem solução do seu mérito, ocorrendo o seu trânsito em julgado, opera-se a chamada coisa julgada formal que, como é de amplo conhecimento, torna imutável o que se decidiu no processo em que foi proferida (preclusão pro judicato), embora se permita o ajuizamento de outra ação, nos casos legalmente previstos. 4. A doutrina jurídica processual mais autorizada prestigia unanimemente o valor da coisa julgada formal, em apreço às garantias subjetivas das partes e à estabilidade da relação processual, impedindo a surpresa dos litigantes. 5. Desta forma, na hipótese vertente, a solução jurídica cabível seria o Ministério Público, após o reconhecimento da inépcia da denúncia pelo STF, oferecer nova peça acusatória, sanando a falha verificada anteriormente, e não ressuscitar-se um processo já encerrado definitivamente para o paciente e acobertado pela coisa julgada formal. 6. Ordem concedida para, anulando a decisão do MM. Juiz de Primeiro Grau que afastou os efeitos da litispendência, trancar a Ação Penal 2000.50.01.002862-2 em relação ao paciente. (HC n. 106.181/ES, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 2/8/2011, DJe de 9/9/2011.)

E nem se aduza que, uma vez que a decisão extintiva da ação penal não envolveu análise de mérito, a denúncia poderia ser novamente proposta a qualquer tempo, de modo que a anuência do MPF com a retomada da ação equivaleria à proposição da denúncia.

Isso implicaria em evidente prejuízo para defesa, dada a alteração dos marcos interruptivos da prescrição, notadamente porque a denúncia havia sido recebida há muitos anos, em 2010. Isso posto, com fundamento no art. 34, c/c art. 203, II, do Regimento Interno do STJ, não conheço do habeas corpus, entretanto, concedo a ordem, de ofício, para determinar a anulação da Ação Penal n. 003139-94.2018.4.04.7015, a partir da decisão de seu desarquivamento. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

( HABEAS CORPUS Nº 830560 - PR (2023/0201052-5) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 21/03/2025.)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ Jun24 - Consunção Aplicada entre Receptação e Adulteração de Sinal de Identificador de Veículos - Exclusão da Condenação da Receptação

STJ Fev25 - Execução Penal - Prisão Domiciliar para Mãe Com Filho Menor de 12 Anos se Aplica para Presas Definitivas

STJ Set24 - Júri - MP Proibido de Usar Documentos da Vida Pregressa do Réu em Plenário - Uso Como Argumento de Autoridade :"Direito Penal do Autor - Ilegalidade Absoluta"