STJ Abr25 - Quebra de Sigilo Telemático - Decisão Genérica - Provas Digitais Anuladas - Art 93, inc IX da CF c/c art. 315, §2º do CPP - Lavagem - Corrupção - Suplementação de Fundamentação em HC pelo TJ - Ilegalidade - Fundamentação do 1ª grau: "facilitar a persecução penal"

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de MARCOS AXXXXXX em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO no HC n. 2234759-06.2022.8.26.0000, assim ementado (fl. 52):

HABEAS CORPUS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO; ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA; CORRUPÇÃO ATIVA; CORRUPÇÃO PASSIVA - Nulidade da decisão que inaugurou a sequência de quebras telemáticas decretadas pela autoridade coatora Nome do paciente não mencionado diretamente na decisão – Mero erro material – Decisões posteriores – Nulidade - Descabimento - A proteção, nesse caso, é relacionada ao tráfego dessas informações e não ao que se encontra registrado no aparelho - Teratologia, ilegalidade ou descabimento manifesto não verificados de plano, respeitados os limites do writ Legítimo prosseguimento das investigações ORDEM DENEGADA.

Consta nos autos que o juízo de primeiro grau autorizou a realização de interceptações telemáticas, além da quebra de sigilo fiscal e bancário em desfavor do paciente.

Neste writ, a parte impetrante sustenta que a decisão que deferiu a quebra de sigilo telemático foi baseada em crimes que não eram objeto da investigação original, utilizando um modelo padronizado de outro caso, sem fundamentação própria.

Aduz que a decisão de prorrogação da medida restritiva também careceu de fundamentação idônea, repetindo o padrão genérico da primeira decisão. Alega que as decisões judiciais não apresentaram fundamentação própria, não demonstraram a indispensabilidade da medida, e não correlacionaram os alvos da investigação com o objeto investigado.

Ressalta que a nulidade das decisões de quebra do sigilo telemático contamina todas as provas subsequentes, conforme a teoria dos frutos da árvore envenenada.

Afirma que o acórdão do TJSP complementou indevidamente a fundamentação das decisões de primeiro grau, inovando com argumentos que não se aplicam ao caso concreto.

Requer, liminarmente, a suspensão do andamento da ação penal originária. No mérito, pleiteia a declaração de nulidade das decisões que decretaram e prorrogaram a quebra do sigilo telemático do paciente, assim como todas as provas delas decorrentes.

Memorial às fls. 2322/2328.

É o relatório. DECIDO.

Conforme informado pelos próprios impetrantes, posteriormente às decisões questionadas, sobreveio sentença absolutória (fls. 2271/2292) - ao que se seguiu recurso de apelação do Ministério Público ao Tribunal de Justiça, que lhe deu provimento, determinando o prosseguimento da ação penal (fls. 2293/2318).

Em ambas as decisões, a questão da nulidade tratada neste writ foi abordada. Verifica-se, assim, que o habeas corpus em tela foi impetrado contra decisão colegiada já superada (pelo acórdão em apelação), bem como substituindo o recurso próprio para atacá-la. Pontuo que esta Corte Superior, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018), pacificou orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do instrumento legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado (HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020).

Por outro lado, segundo entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, "para cada ato coator deve ser impetrado um habeas corpus, sendo inviável a apreciação de mais de um ato coator em uma única impetração (v.g. HC n. 389631/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 08/03/2017), ainda que para fins de economia processual ou de celeridade" (AgRg no RHC n. 108.528/AM, relator Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/6/2019, DJe de 27/6/2019).

Desse modo, não seria possível o aproveitamento do mesmo writ para atacar o acórdão proferido em apelação. Assim, há mais de um motivo processual para o não conhecimento do mandamus - o que é de rigor. Entretanto, diante da flagrante ilegalidade da ordem judicial que determinou a quebra de sigilo, passível de verificação ictu oculi, o writ merece a concessão ex officio e de plano.

Conforme se extrai da decisão de fls. 67/69, foi determinada a quebra de sigilo de dados com a seguinte fundamentação:

Trata-se de pedido de QUEBRA DO SIGILO DE DADOS ESTÁTICOS/ARMAZENADOS DOS E-MAILS e INTERRUPÇÃO TEMPORÁRIA DO SERVIÇO DE PACOTE DE DADOS (internet móvel) abaixo especificados e providências outras afetas a matéria, formulado pelos Promotores de Justiça com atribuição no GAECO – núcleo de Franca, porquanto estariam ocorrendo e em apuração, em tese, os crimes de advocacia administrativa, corrupção, organização criminosa, tráfico de influência, usurpação de função pública, envolvendo servidores públicos municipais de Franca, vereadores municipais e terceiros ainda não identificados. Em análise dos autos, constata-se necessidade da medida, como um todo, para apuração dos crimes versados, com vistas a facilitar a persecução penal, estando presentes, portanto os pressupostos autorizadores contidos na Lei 12.965/2014. Desse modo, AUTORIZO a QUEBRA DO SIGILO DE DADOS ESTÁTICOS/ARMAZENADOS DOS E-MAILS e INTERRUPÇÃO TEMPORÁRIA DO SERVIÇO DE PACOTE DE DADOS (internet móvel) abaixo especificados e nos termos do requerimento de fls. 128/139: A decisão subsequente teve justificativa igualmente sucinta (fl. 70): Trata-se de pedido de QUEBRA DO SIGILO DE DADOS ESTÁTICOS/ARMAZENADOS DOS E-MAILS e providências outras afetas a matéria, formulado pelos Promotores de Justiça com atribuição no GAECO – núcleo de Franca, porquanto estariam ocorrendo e em apuração, em tese, os crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e ativa e associação criminosa, todos praticados nesta comarca de Franca/SP. Em análise dos autos, constata-se necessidade da medida, como um todo, para apuração dos crimes versados, com vistas a facilitar a persecução penal, estando presentes, portanto os pressupostos autorizadores contidos na Lei 9396/96. A) Desse modo, AUTORIZO a quebra dos e-mail, e determino que os provedores das contas de e-mail abaixo que FORNEÇAM: (i) dados cadastrais, os logs de acesso e os endereços de IP disponíveis nos provedores, com as respectivas portas lógicas, bem como históricos de geolocalização acaso existentes (localhistory); (ii) TODO CONTEÚDO ESTÁTICO/ARMAZENADO, notadamente as MENSAGENS ELETRÔNICAS existentes nas caixas de mensagens enviadas, recebidas, lixeira, rascunho e outras porventura criadas pelo usuário, com relação as seguintes contas de e-mails: [...]

Como se sabe, o entendimento deste Tribunal é de que "[a] quebra de sigilo de dados telemáticos deve ser limitada ao necessário para a investigação, respeitando a privacidade e a intimidade dos indivíduos" (RMS n. 73.398/AM, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 16/12/2024).

Sobre o tema, confira-se:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. QUEBRA DE SIGILO TELEMÁTICO. FUNDAMENTAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento a recurso em habeas corpus, no qual se alegava nulidade da decisão de quebra de sigilo telemático de celulares. No RHC n. 187.698/SC, conexo, interposto pela corré, inclusive, a mesma matéria aqui posta restou decidida pela Quinta Turma, em 17/6/2024, estando o feito atualmente transitado em julgado neste STJ. 2. O recorrente foi preso em flagrante e denunciado por tráfico de drogas, sendo determinada a quebra de sigilo telemático dos celulares apreendidos. 3. A defesa alega que a decisão de quebra de sigilo possui motivação idêntica a outras decisões do mesmo juiz, não podendo ser considerada fundamentada. II. Questão em discussão 4. A questão em discussão consiste em saber se a decisão de quebra de sigilo telemático dos dados celulares seria sem fundamentação concreta e nula. III. Razões de decidir 5. A decisão de quebra de sigilo telemático não exige fundamentação exaustiva, mas deve demonstrar a existência dos requisitos autorizadores da medida. 6. No caso concreto, a decisão de quebra de sigilo foi considerada devidamente fundamentada, com base na necessidade de coleta de elementos de prova e pela proporcionalidade da medida. Essa também foi a conclusão no RHC n. 187.698/SC, conexo neste STJ. 7. A jurisprudência do STJ admite fundamentação concisa, sucinta, para a quebra de sigilo, desde que bem demonstrada a imprescindibilidade da medida. IV. Dispositivo e tese 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. A decisão de quebra de sigilo telemático não exige fundamentação exaustiva, mas deve demonstrar a existência dos requisitos autorizadores da medida. 2. A fundamentação concisa, sucinta, é suficiente, desde que demonstrada a imprescindibilidade da medida". Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, X; Lei nº 9.296/1996, art. 5º.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg nos EDcl no RHC n. 134.603/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 15/9/2023; STJ, AgRg no AREsp n. 2.293.848/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 5/12/2023; STJ, RHC 100.922/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 01/02/2019. (AgRg no RHC n. 211.112/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 2/4/2025, DJEN de 8/4/2025 - grifamos).

Na espécie, não se extrai das decisões de quebra de sigilo analisadas a demonstração argumentativa (dever de fundamentação), ainda que sucinta, da devida justificativa para a excepcional medida.

O fundamento - idêntico - de ambas as decisões de primeiro grau (modificada apenas a legislação a que fazem alusão) é o seguinte:

Em análise dos autos, constata-se necessidade da medida, como um todo, para apuração dos crimes versados, com vistas a facilitar a persecução penal, estando presentes, portanto os pressupostos autorizadores contidos na Lei 12.965/2014. Em análise dos autos, constata-se necessidade da medida, como um todo, para apuração dos crimes versados, com vistas a facilitar a persecução penal, estando presentes, portanto os pressupostos autorizadores contidos na Lei 9396/96.

Não se observa indicação de justificativa idônea - somente menção de que são autorizadas para "facilitar a persecução penal", fundamento que se adequa a toda e qualquer medida investigativa.

Sequer há atrelamento ao caso concreto, ou qualquer juízo acerca do acervo indiciário já existente e que correlacione minimamente os destinatários das invasivas medidas às infrações sob investigação.

Quanto a este último requisito, o Tribunal a quo é quem apresenta tal fundamentação, no julgamento do habeas corpus originário, ou seja, no ato coator atacado (fl. 56):

In casu, diferentemente do alegado pelos impetrantes, há enérgicos e robustos indícios de autoria e materialidade delitivas, consubstanciados pelo extenso conjunto probatório coligido aos autos, inclusive com interceptações telefônicas, quebra de sigilo de dados estáticos e telemáticos, bem como quebra de sigilo fiscal e bancário. Da análise documental, infere-se a existência de uma suposta organização criminosa que criara um mecanismo de lavagem de capitais, através da exploração de jogos de azar cibernéticos, bem como do comércio de equipamentos para a viabilização de tais jogos. Com o intuito de ocultar e dificultar a descoberta de tais práticas delitivas, a suposta organização criminosa da qual o paciente faria parte construiu elaborado e complexo esquema dissuasório, através da circulação de documentos fiscais simulados entre diversas pessoas jurídicas, as quais simulavam receber valores decorrentes de vendas e locações de peças, maquinários e softwares, tudo isso com o intuito de dar aparente legitimidade ao patrimônio ilicitamente percebido, quando, em verdade, estavam apenas o diluindo e o maquiando.

Ocorre que, como cediço, [a] jurisprudência deste Tribunal Superior não admite a suplementação de fundamentos da decisão de primeira instância na via do habeas corpus, pois o vício do decisum do Juiz não pode ser sanado pelo Tribunal estadual ao julgar a ação mandamental, meio exclusivo de defesa do cidadão (HC n. 533.649/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 26/11/2019, DJe de 5/12/2019).

Na mesma linha, mutatis mutandis:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. IMPOSSIBILIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Inexistindo fundamentação idônea no decreto de prisão, que se valeu de motivação abstrata e genérica, sem discriminar qualquer conduta do paciente que extrapole as elementares do tipo penal de tráfico de drogas, deve ser reconhecida a ilegalidade, com a revogação da prisão preventiva. 2. É pacífico o entendimento desta Corte Superior, bem como no Supremo Tribunal Federal, de que o Tribunal de origem não pode suprir a ausência de motivação do decreto prisional proferido pelo juiz singular, sob pena de o habeas corpus servir de vetor convalidante do encarceramento ilegal. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 632.474/MG, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 2/3/2021, DJe de 5/3/2021).

Assim, o zeloso acórdão acaba por demonstrar a carência de fundamentação da decisão primeva, descortinando o vício que, conforme a jurisprudência deste Tribunal Superior, não é capaz de suplantar na via em que lavrado - meio impugnativo exclusivo da defesa. Mais ainda, no acórdão que reformou a sentença de absolvição sumária, o Tribunal de origem alinhavou que nem mesmo os crimes sob apuração indicados na decisão de quebra de sigilo telemático correspondiam àqueles efetivamente investigados - o que tratou como mero erro material (fl. 2317):

E embora tenha havido a menção à apuração dos crimes de advocacia administrativa, corrupção, organização criminosa, tráfico de influência e usurpação da função pública pelo MM Juiz, evidente que se tratou de mero erro material, sem qualquer prejuízo às defesas dos denunciados, já que era do conhecimento de todos que a investigação em questão apurava a prática dos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Salta aos olhos, destarte, o caráter absolutamente genérico da ordem judicial, a contrariar a obrigação constitucional de fundamentação contida no artigo 93, inciso IX, da Lei Maior e corporificada pelo art. 315, §2º do CPP, que não considera fundamentada a decisão que invoca motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão - justamente a hipótese dos autos.

Em hipóteses como essa (mutatis mutandis), este colegiado tem considerado nulas as decisões desfundamentadas. Confira-se: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO (ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993). NULIDADE. QUEBRA DO SIGILO TELEMÁTICO. (I) DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. REFERÊNCIA À EXISTÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS, SEM A MÍNIMA IDENTIFICAÇÃO DO CASO CONCRETO E DA IMPRESCINDIBILIDADE DA MEDIDA EXCEPCIONAL PARA O ÊXITO DAS INVESTIGAÇÕES. ELEMENTOS UTILIZADOS PARA A CONDENAÇÃO. PREJUÍZO IDENTIFICADO. (II) EFETIVAÇÃO DA MEDIDA POR PERÍODO NÃO COMPREENDIDO NA DECISÃO AUTORIZATIVA. ALEGAÇÃO SUPERADA COM O RECONHECIMENTO DA ILEGALIDADE. (III) OITIVA DE AGENTE DE PROMOTORIA QUE ATUOU NA FASE INVESTIGATIVA COMO TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO. INCOMPATIBILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO QUE ATUA COMO LONGA MANUS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Lei n. 9.296/1996, aplicável à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática (art. 1º, parágrafo único), dispõe que a interceptação dependerá, sob pena de nulidade, de ordem fundamentada do juiz competente da ação principal e exigirá a configuração de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal punida com reclusão e que a prova não possa ser obtida por outros meios. 2. Hipótese em que a autoridade judicial se limitou a afirmações genéricas de que estariam presentes os requisitos legais para a autorização da medida, sem demonstrar, por meio de elementos concretos, o motivo pelo qual a providência adotada seria imprescindível para o êxito das investigações, tratando-se de decisão que poderia ser adequada a qualquer pedido de quebra dos sigilo. Precedente. 3. Verificado que tais elementos de informação foram consistentemente utilizados para justificar a condenação, denota-se a ocorrência do prejuízo, indispensável ao reconhecimento da nulidade. 4. Evidenciada a ilegalidade decorrente da ausência de fundamentação para a decretação da quebra do sigilo telemático, perde o objeto a alegação de que a medida foi realizada por período não compreendido na decisão autorizativa. [...] 6. Ordem concedida para: a) anular a sentença em relação ao paciente e o corréu (art. 580 do CPP); b) determinar que o Magistrado singular da Vara Única da comarca de Tambaú/SP desentranhe todos os elementos de informação dos autos relacionados à quebra do sigilo telemático declarado ilegal, bem como os elementos contaminados pelo vício; c) desentranhar dos autos da ação penal o depoimento da testemunha de acusação Juliano Meneghel Gobbet (assistente de promotoria que atuou na fase de investigação); e d) determinar que o Juízo de primeiro grau verifique se, com o desentranhamento dos elementos declarados ilegais, subsistem elementos para a persistência da ação penal, devendo, em caso positivo, abster-se de utilizar tais elementos em eventual prolação de nova sentença. (HC n. 854.588/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 27/2/2024, DJe de 1/3/2024 - grifamos). Nem se cogite da existência de fundamentação per relationem, modalidade que não foi sequer minimamente delineada nas decisões analisadas - e com o que não se confunde a mera menção, em sede de relatório, à existência de requerimento policial ou ministerial para o provimento jurisdicional, o que é corolário da inércia da jurisdição e do sistema acusatório. Soma-se a isto a ausência completa tanto da descrição de fundamentos aproveitados quanto o acréscimo de fundamentos próprios, exigidos para a validade da utilização da aludida técnica: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. BUSCA DOMICILIAR. DECISÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA. INDÍCIOS DE INTEGRAÇÃO A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. NULIDADE NÃO VERIFICADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA JÁ TRANSITADA EM JULGADO. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Consoante imposição do art. 93, IX, primeira parte, da Constituição da República de 1988, "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade", exigência que funciona como garantia da atuação imparcial e secundum legis (sentido lato) do órgão julgador. Presta-se a motivação das decisões jurisdicionais a servir de controle, da sociedade e das partes, sobre a atividade intelectual do julgador, para que verifiquem se este, ao decidir, considerou todos os argumentos e as provas produzidas pelas partes e se bem aplicou o direito ao caso concreto. 2. À luz do referido comando constitucional, é necessária fundamentação idônea a justificar a medida de busca e apreensão, mediante demonstração da presença de indícios de autoria e da existência de fundadas razões (art. 240, § 1º, do CPP), a fim de evidenciar a necessidade da medida naquele estágio da persecução penal. Para tanto, admite-se a chamada fundamentação per relationem, desde que o juiz, ao reportar-se a fundamentação e a argumentos alheios, ao menos os reproduza e os ratifique, com acréscimo de seus próprios motivos. 3. No caso dos autos, a medida foi fundamentada em indícios concretos de autoria e de participação dos investigados nos crimes de organização criminosa, associação para o tráfico e tráfico de drogas no município de Franca-SP, como integrantes do alto escalão da cúpula de organização criminosa. Logo, inviável a anulação pleiteada, notadamente nesta estreita via, já depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 861.265/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/3/2025, DJEN de 10/3/2025 - grifamos). A adequação ao caso concreto, ausente na espécie, é exigência trazida pela jurisprudência da Quinta Turma: DIREITO PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRORROGAÇÕES FUNDAMENTADAS. FUNDAMENTAÇÃO PER RELATIONEM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. EMBARGOS REJEITADOS. I. CASO EM EXAME 1. Embargos de declaração opostos contra acórdão da Quinta Turma que desproveu agravo regimental interposto contra decisão monocrática que negou provimento a recurso especial. A defesa sustenta omissão no acórdão embargado quanto à legalidade das prorrogações das interceptações telefônicas, alegando fundamentação genérica e per relationem. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão é verificar se o acórdão embargado omitiu-se na análise da legalidade das prorrogações das interceptações telefônicas e da utilização de fundamentação per relationem. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. Os embargos de declaração são cabíveis apenas para sanar obscuridade, contradição, omissão ou ambiguidade, nos termos do art. 619 do CPP, não se prestando à rediscussão do mérito do julgado. 4. O acórdão embargado enfrentou expressamente a legalidade das prorrogações das interceptações telefônicas, fundamentando-se na complexidade dos crimes investigados, no número de envolvidos e no caráter transnacional dos delitos, além de destacar que a medida foi corroborada por outros meios de prova. 5. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece a validade das prorrogações sucessivas das interceptações telefônicas quando devidamente fundamentadas, sendo admitida a fundamentação per relationem desde que não genérica e contextualizada ao caso concreto. 6. A alegação de ilegalidade da fundamentação per relationem não foi prequestionada nas instâncias ordinárias, incidindo as Súmulas 282 e 356 do STF, o que impede a análise da questão em recurso especial. 7. A revisão da legalidade das interceptações e a alegação de insuficiência de provas demandariam reexame do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7 do STJ. 8. A discordância da parte embargante com a decisão não configura omissão ou contradição no julgado, revelando mero inconformismo com a solução adotada. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Embargos de declaração rejeitados. Tese de julgamento: 1. As prorrogações sucessivas das interceptações telefônicas são válidas quando fundamentadas na complexidade das investigações e na necessidade de continuidade da medida. 2. A fundamentação per relationem é admitida, desde que contextualizada ao caso concreto e não genérica. 3. A ausência de prequestionamento impede a análise da tese defensiva em recurso especial, conforme Súmulas 282 e 356 do STF. 4. O reexame de provas para afastar a validade das interceptações telefônicas ou a condenação é inviável na instância especial, nos termos da Súmula 7 do STJ. Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 619; Lei n. 9.296/1996, art. 2º; Súmulas 7/STJ, 282/STF e 356/STF. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 2512284/SP, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 15/10/2024, DJe 18/10/2024; STJ, AgRg no RE no AgRg nos EAREsp 2040830/PR, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 08/10/2024, DJe 16/10/2024. (EDcl no AgRg no REsp n. 2.173.544/RN, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 1/4/2025, DJEN de 9/4/2025 - grifamos).

Assim, não são passíveis de validação, por ausência de fundamentação idônea, as decisões de primeiro grau inquinadas, devendo ser reconhecida a sua nulidade, bem como dos elementos colhidos a partir delas e, por contaminação, de todos os atos delas decorrentes - por incidência do art. 157 e parágrafos do CPP -, devendo ser desentranhados do processo e realizada nova avaliação do acervo porventura remanescente.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício, para (i) anular as decisões de quebra de sigilo telemático e das que se seguiram - inclusive o acórdão que reformou a sentença absolutória; (ii) determinar o desentranhamento de todos os elementos colhidos a partir de tais decisões e daqueles deles derivados; e (iii) determinar que o juízo de primeiro grau verifique se, com o desentranhamento dos elementos declarados ilegais, subsistem elementos para a persistência da ação penal, devendo, em caso positivo, abster-se de utilizar tais elementos em eventual prolação de nova sentença. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 996372 - SP (2025/0131882-4) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP), Publicação no DJEN/CNJ de 28/04/2025.)

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