STJ Maio25 - Execução Penal - Vedação de Imposição de Pena substitutiva como Condição para Progredir ao Regime Aberto

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de ANTÔNIO JXXXX em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS (fl. 2). Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 6 anos e 8 meses de reclusão em regime aberto pela prática do delito tipificado no art. 217-A, caput, do Código Penal.

Alega que o Juízo das execuções criminais impôs, como condição especial ao regime aberto, o pagamento de prestação pecuniária no valor de um salário mínimo, o que teria resultado na regressão de regime devido ao não pagamento.

Sustenta que a imposição de prestação pecuniária como condição especial para cumprimento de pena no regime aberto configura constrangimento ilegal, em afronta à Súmula n. 493 do STJ, que veda a fixação de pena substitutiva como condição especial ao regime aberto.

Afirma que o paciente não conseguiu arcar com a prestação pecuniária devido à insuficiência de recursos financeiros, sendo pessoa carente e desempregada, assistida pela Defensoria Pública.

Requer, liminarmente e no mérito, a concessão da ordem para afastar o pagamento de prestação pecuniária como condição especial para cumprimento da pena no regime aberto e revogar os efeitos da regressão de regime.

É o relatório.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável a utilização do habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio, previsto na legislação, impondo-se o não conhecimento da impetração. Sobre a questão, confiram-se os seguintes julgados desta Corte Superior:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. ABSOLVIÇÃO IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NA FLUÊNCIA DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. 1. "O writ foi manejado antes do dies ad quem para a interposição da via de impugnação própria na causa principal, o recurso especial. Dessa forma, a impetração consubstancia inadequada substituição do recurso cabível ao Superior Tribunal de Justiça, não se podendo excluir a possibilidade de a matéria ser julgada por esta Corte na via de impugnação própria, a ser eventualmente interposta na causa principal" (AgRg no HC n. 895.954/DF, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo - Desembargador Convocado do TJSP, Sexta Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 20/8/2024.) 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 939.599/SE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024 – grifo próprio.) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto por Pablo da Silva contra decisão monocrática que não conheceu de habeas corpus, com base no entendimento de que o habeas corpus foi utilizado em substituição a revisão criminal. O agravante foi condenado a 1 ano de reclusão, com substituição da pena por restritiva de direitos, pela prática de furto (art. 155, caput, CP). A defesa pleiteou a conversão da pena restritiva de direitos em multa, alegando discriminação com base na condição financeira do paciente. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível o conhecimento do habeas corpus utilizado em substituição à revisão criminal; e (ii) estabelecer se a escolha da pena restritiva de direitos, em vez de multa, configura discriminação por condição financeira. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corpus não é admitido como substituto de revisão criminal, conforme a jurisprudência consolidada do STJ e do STF, ressalvados casos de flagrante ilegalidade. 4. Não houve demonstração de ilegalidade evidente na escolha da pena restritiva de direitos, sendo esta compatível com a natureza do crime e as condições pessoais do condenado. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de revisão criminal, salvo em casos de flagrante ilegalidade. 2. A escolha de pena restritiva de direitos, em substituição à privativa de liberdade, não configura discriminação por condição financeira, desde que adequadamente fundamentada. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 155; STJ, AgRg no HC 861.867/SC; STF, HC 921.445/MS. (AgRg no HC n. 943.522/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 4/11/2024 – grifo próprio.)

Portanto, não se pode conhecer da impetração. Em atenção ao disposto no art. 647-A do CPP, verifico que o julgado impugnado possui ilegalidade flagrante que permite a concessão da ordem de ofício, conforme se depreende da fundamentação a ser exposta a seguir. Assim constou do acórdão (fls. 50 e 52):

Em síntese, pretende o agravante a reforma da decisão que decretou a regressão do regime de cumprimento de pena que lhe foi imposto, sobre a fundamentação de que o apenado, ora agravante, cometeu falta grave, descumprindo as condições impostas. Pela análise dos autos, observo que o agravante foi condenado ao cumprimento da pena unificada de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime semiaberto e deixou de cumprir uma das condições impostas (pagamento da prestação pecuniária), motivo pelo qual teve seu regime regredido pelo cometimento de falta grave. Portanto, a decisão de primeiro grau que determinou mencionada regressão do regime de cumprimento de pena para o fechado, teve como fundamento o cometimento de falta grave. Em que pesem as alegações do reeducando, verifica-se cristalina a caracterização de falta disciplinar de natureza grave, sendo que a regressão de regime é medida que se impõe, conforme previsão do art. 118 da Lei de Execução Penal – Lei 7.210/84: [...] Desse modo, entendo que ao descumprir as condições impostas no novo regime, o agravante não demonstrou senso de responsabilidade capaz de justificar a manutenção da confiança nele depositada quando da progressão de regime. (grifo próprio) Da decisão do Juízo das execuções (fls. 31-32): Como todos sabemos, o regime aberto é aquele baseado na autodisciplina e sendo de responsabilidade do reeducando, consoante previsto no art. 36 do Código Penal, momento em que ele demonstra seu interesse junto à autoridade judiciária que está se preparando para o convívio junto à sociedade, após condenação criminal por ato por ele praticado. Entretanto, o reeducando demonstra que não está adequado para o cumprimento da pena no regime aberto, quiçá no aberto aberto domiciliar a ele concedido, por não demonstrar qualquer sendo de responsabilidade para com seus deveres e muito menos autodisciplina para cumprimento das suas obrigações. As condições do regime aberto domiciliar fixado para o reeducando incluem: a) Indicar seu endereço domiciliar dentro de 30 dias, por meio de seu advogado ou defensor público, via peticionamento; b) Recolher-se diariamente na sua residência, para o repouso das 19 horas às 6 horas e, no sábado, o recolhimento será a partir das 14 horas e saída na segunda-feira às 6 horas da manhã, bem como, lá permanecer nos domingos e feriados, com permissão para sair apenas para o trabalho ou eventos religiosos nos templos, igrejas ou congêneres; c) Efetuar trabalho externo lícito, devendo comprovar a respectiva ocupação nos autos, caso consiga, no prazo de 30 (trinta) dias, informando tal situação via peticionamento; d) Não ingerir bebida alcoólica em lugar público; e) Não frequentar bares ou festas abertas ao público ou locais de acesso ao público onde existam bebidas alcoólicas; f) Não frequentar shows onde tenham bebidas alcoólicas; g) Não mudar de residência sem prévia autorização; h) Caso consiga atividade lícita, informar a localidade bem como qualquer alteração de trabalho; i) Não portar armas de fogo ou branca; j) Prestação Pecuniária no valor de um salário mínimo, atualmente no importe de R$ 1.412,00 junto à conta judiciária Banco Caixa Econômica Federal, Agência 4381, Operação 40, Conta n.º 01500001-2 (boleto bancário) expedido pela serventia, de modo que deverá ser adimplida em 10 prestações mensais, sendo que a primeira parcela deverá ser paga até o dia 10 do mês subsequente. Pois bem. O reeducando estava submetido ao regime aberto ANTONIO JEFFERSON COSTA DA SILVA domiciliar, sendo que os relatórios anexados nos autos demonstram que as condições estabelecidas para o cumprimento da pena no regime não foram devidamente cumpridas, o que configura falta grave, quais sejam: a) Indicar seu endereço domiciliar dentro de 30 dias, por meio de seu advogado ou defensor público , via peticionamento; b) Prestação Pecuniária no valor de um salário mínimo, atualmente no importe de R$ 1.412,00 junto à conta judiciária Banco Caixa Econômica Federal, Agência 4381, Operação 40, Conta n.º 01500001-2 (boleto bancário) expedido pela serventia, de modo que deverá ser adimplida em 10 prestações mensais, sendo que a primeira parcela deverá ser paga até o dia 10 do mês subsequente. O descumprimento das condições estabelecidas para o regime aberto domiciliar pode levar à regressão para um regime mais severo, conforme previsto no e Art. 50, inciso V Art. 118 da Lei de Execuções Penais (LEP). Dispõe os artigos da Lei de Execuções Penais: "Art. 50, V, da Lei de Execuções Penais (LEP): ... V - descumprir, no regime aberto, as condições imposta" "Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado: I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;"... Tendo em vista o princípio da necessidade e adequação das penas, bem como a necessidade de garantir a ordem e a segurança pública, entendo ser necessária a regressão definitiva do reeducando ao regime fechado. No que tange à prestação pecuniária, as prestações até então pagas se consideram perdidas. DECIDO: Determino a REGRESSÃO DEFINITIVA do reeducando ANTONIO JEFFERSON COSTA DA SILVA, para o regime fechado conforma acima mencionado. Ordeno a expedição de mandado de prisão para que o reeducando seja imediatamente recolhido ao estabelecimento penal adequado ao regime fechado. Notifique-se o Ministério Público e a defesa sobre a presente decisão. A perda dos valores já pagos pelo reeducando a título de prestação pecuniária.

Como se vê, o Tribunal de origem manteve a conclusão adotada para determinação da regressão definitiva, consistente na prática de falta grave pelo não cumprimento de uma das condições do regime aberto domiciliar, qual seja, pagamento de prestação pecuniária no valor de R$ 1.412,00. Entretanto, como apontado na irresignação defensiva, tal entendimento se opõe à Súmula n. 493 do STJ: "É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao regime aberto."

Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. REGIME ABERTO. CONDIÇÕES ESPECIAIS. ART. 115 DA LEP. LIMITAÇÃO DE FINAIS DE SEMANA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. BIS IN IDEM. SÚMULA 493/STJ. 1. Impostas a prestação de serviços à comunidade e a limitação de fim de semana para o cumprimento da pena no regime aberto, não há como negar a existência de malferimento aos dispositivos legais referidos pela defesa, haja vista que a Terceira Seção, no julgamento do REsp 1.107.314/PR, representativo da controvérsia, firmou a orientação de ser incabível o estabelecimento da prestação de serviços à comunidade e da limitação de fim de semana como condição especial ao regime aberto, nos termos do art. 115 da LEP, por configurar afronta ao princípio ne bis in idem. 2. Tal orientação consolidou-se no enunciado n. 493 da Súmula do STJ, segundo a qual é inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial ao regime aberto. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 1.937.203/RO, relator Ministro Olindo Menezes – Desembargador Convocado do TRF 1ª REGIÃO, Sexta Turma, julgado em 8/2/2022, DJe de 15/2/2022.)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para afastar a prestação pecuniária como condição para o regime aberto, bem como a regressão de regime. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OG FERNANDES

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 1001047 - TO (2025/0157025-5) RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES, Publicação no DJEN/CNJ de 12/05/2025)

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