STJ Maio25 - Flagrante Preparado - Crime Impossível - Tentativa de Estupro de Vulnerável - Atipicidade da Conduta - Trancamento de Ação Penal: "Pai que preparou o Flagrante do Réu com sua Filha Vítima - agente provocador"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO T

rata-se de recurso em habeas corpus interposto por C D M contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ que denegou o habeas corpus (HC n. 0022868-77.2025.8.16.0000).

Consta dos autos que o recorrente foi denunciado pela prática do crime de estupro de vulnerável tentado. A defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, o qual lhe denegou a ordem, em acórdão assim ementado (e-STJ fls. 72/73):

Ementa: DIREITO PROCESSUAL PENAL E DIREITO PENAL. HABEAS CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL NA MODALIDADECORPUS TENTADA (CP, ART. 217-A, C/C 14, II). AUSENTES ASCAPUT, HIPÓTESES DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR MEIO DESTE MECANISMO CONSTITUCIONAL DE COGNIÇÃO NÃO EXAURIENTE. IMPETRAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado em favor de paciente denunciado pelo delito de estupro de vulnerável tentado (CP, art. 217-A, caput, c/c art. 14, II) nos autos de, ação penal n. 0003385-53.2022.8.16.0069, sob a afirmação de constrangimento ilegal decorrente da decisão do Juízo de Direito da Vara Criminal da Comarca de Cianorte que recebeu denúncia contra o paciente. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se é possível o trancamento da ação penal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1. O habeas corpus não se presta à avaliação de matéria fático-probatória e deve ser utilizado apenas para sanar ilegalidades evidentes e de plano verificáveis. Desse modo, é inviável apreciar as assertivas dos impetrantes de que na espécie houve flagrante preparado e, portanto, a caracterização do crime impossível. 3.2. O trancamento de ação penal por meio do mandamus é excepcional e cabível apenas diante de demonstração inequívoca da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, circunstâncias não configuradas no particular. IV. DISPOSITIVO E TESE 4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado. Tese de julgamento: O trancamento da ação penal na via estreita do se aplica writ apenas se for manifestamente indevido o oferecimento da denúncia.

Daí o presente recurso ordinário, no qual a defesa afirma que a denúncia foi fundamentada em um flagrante preparado pelo genitor da suposta vítima.

Aponta que "o próprio genitor da suposta vítima assumiu o papel de agente provocador, interagindo com o acusado de maneira dissimulada e agindo para induzi- lo a comparecer ao local do encontro, onde a prisão foi realizada. Em nenhum momento houve risco efetivo de dano ao bem jurídico tutelado, pois todas as circunstâncias foram previamente controladas para impedir qualquer resultado lesivo. Dessa forma, verifica- se a impossibilidade de consumação do crime, tornando inviável a persecução penal e exigindo o trancamento da ação penal de origem" (e-STJ fl. 90).

Requer, assim, o provimento do recurso para seja determinado o trancamento da ação penal. É o relatório. Decido. Conforme relatado, a defesa pede o trancamento da ação penal apontando a tese de flagrante preparado. Não constitui demasia enfatizar, a propósito do assunto, que a extinção da ação penal em tema de habeas corpus consiste em medida excepcional, apenas cabível em situações em que se evidenciarem, de plano, situações suficientes a ensejar o prematuro encerramento da persecução criminal.

Nesse contexto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não aceita, em regra, discussões fundadas na ausência de comprovação do elemento subjetivo do tipo ou na carência de indícios suficientes de autoria do delito, porquanto tais esclarecimentos demandam, na maior parte das vezes, apreciação detalhada dos elementos de convicção constantes do processo, providência manifestamente inconciliável com o rito célere e sumário deste remédio constitucional.

O Tribunal de origem, ao denegar o habeas corpus, consignou que (e-STJ fl. 75, grifei):

Na vertência, a exordial acusatória atende ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal , visto que relata todas as circunstâncias relevantes e aponta dados suficientes de se ajustar, em tese, a conduta do paciente àquela tipificada no artigo 217-A, caput, cumulado com o artigo 14, II, ambos do Código Penal. Isso porque, há indícios suficientes da prática pelo paciente do delito de estupro de vulnerável tentado, notadamente a partir do boletim de ocorrência n. 2021/225317 (mov. 1.2), do auto de prisão em flagrante (mov. 1.1), do relatório de escuta especializada da vítima (mov. 1.4), do interrogatório extrajudicial (mov. 1.5) e do relatório da autoridade policial (mov. 1.6), o que evidencia a presença de justa causa. Anota-se que para o oferecimento da peça inaugural, exige-se tão somente a descrição da ação delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que justifiquem a acusação. In casu, o paciente, supostamente, teria marcado um encontro com a vítima, de 13 anos de idade, por meio de uma rede social, com o fim de com ela praticar conjunção carnal e outros atos libidinosos. Ademais, no local e horário combinados, teria se dirigido até a vítima e a abordado, quando foi impedido por policiais de consumar o delito. Reitera-se não ser indubitável a atipicidade da conduta do paciente e que o enfrentamento da tese de crime impossível, alvitrada pelos impetrantes, demandaria uma análise incompatível com este remédio constitucional.

Conforme se verifica, o Tribunal de origem entendeu que não seria possível a análise da tese defensiva ao argumento de que demandaria análise de fatos e provas. Contudo, no presente caso, da análise dos documentos acostados aos autos, verifica-se que o recurso deve ser provido. Consta do Boletim de Ocorrência que (e-STJ fl.15, grifei):

NA DATA DE HOJE, POR VOLTA DAS 14H OS INVESTIGADORES DE POLÍCIA, MALAMAN E WAGNER FORAM ACIONADOS DEFRONTE A UNIDADE POLICIAL PELO SENHOR W B N, O QUAL TROUXE A CONHECIMENTO O CONTIDO NO BOLETIM DE OCORRÊNCIA N° 225317/2021. RELATOU QUE ELE E SUA ESPOSA TÊM O COSTUME DE ANALISAR OS APARELHOS TELEFÔNICOS DOS FILHOS MENORES E, EM DATA DE 26/02/2021, TOMARAM CONHECIMENTO QUE UM INDIVÍDUO - UTILIZANDO-SE DO PERFIL DO FACEBOOK - IDENTIFICADO COMO G L B TERIA PUXADO PAPO PELO APLICATIVO DE MENSAGENS MESSENGER COM SUA FILHA L G B N, 13 ANOS DE IDADE. A PARTIR DESSE MOMENTO TERIA PERGUNTADO À SUA FILHA SE ELA CONHECIA O TAL G E DIANTE DA NEGATIVA O SENHOR W CONTINUOU COM AS CONVERSAS, TENDO MARCADO PARA HOJE, ÃS 15H, NO CRUZAMENTO DA AVENIDA SÃO PAULO COM RUA ABOLIÇÃO UM ENCONTRO COM O RAPAZ. INFORMOU QUE O INDIVÍDUO POSSIVELMENTE ESTARIA NUM VEÍCULO PEUGEOT PRETO. CIENTIFICADOS DOS FATOS, A AUTORIDADE POLICIAL, DR CARLOS GABRIEL GOMES GORDO STECCA, DETERMINOU QUE OS INVESTIGADORES MONTASSEM VIGILÂNCIA E ACOMPANHASSEM O ENCONTRO. FOI VISUALIZADO A MENOR CHEGANDO AO LOCAL, BEM COMO UM UM JEEP RENEGADE, DE COR BRANCA, PLACA LMJ-1F89 PASSANDO DEVAGAR E PARANDO UM POUCO ACIMA, MOMENTO EM QUE O CONDUTOR ESTACIONOU E ENTROU NUM VEÍCULO PEUGEOT/2 06, DE COR PRETA, PLACA HXL-3E62. O INDIVÍDUO SAIU COM ESSE VEÍCULO E PAROU AO LADO DA MENOR SENDO ENTÃO PROCEDIDO Â ABORDAGEM DO MESMO, SENDO IDENTIFICADO COMO SENDO C D M [...] Do depoimento da vítima menor, consta, ainda, que (e-STJ fl. 21, grifei): Questionada sobre os relatos do Boletim de Ocorrência, respondeu "um homem desconhecido me solicitou amizade no facebook e eu mostrei ao meu pai e perguntei se ele conhecia. Meu pai ficou conversando com ele como se fosse eu e então ele marcou encontro de frente a uma casa que ficar a na esquina de uma rua. No dia marcado eu fiquei esperando o homem na frente da casa combinada e o meu pai e os policiais ficaram escondidos em outra rua e quando o homem chegou para encontrar comigo os policiais apareceram e abordaram o homem e o meu pai também chegou no local e nos saímos de Iá e não sei o que aconteceu depois" (sic).

Assim, verifica-se, tanto no boletim de ocorrência, quanto no depoimento da vítima, que o genitor da ofendida continuou a conversa com o recorrente, sendo o próprio pai que marcou o encontro com o réu.

Dessa maneira, entendo que a consumação do crime seria impossível, uma vez que foi o genitor da vítima, ainda que utilizando o Facebook da ofendida, quem marcou o encontro com o recorrente.

Assim, conclui-se que, apesar de o réu imaginar estar conversando com a vítima, não era o caso, uma vez que estaria sendo mantido em erro pelo genitor da menor, de modo que, de fato, não é possível falar que existiria a vítima do crime de estupro de vulnerável.

Nesse mesmo sentido, cito a decisão monocrática proferida no Habeas corpus n. 785.591/BA, de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, no qual foi consignado que:

Conforme se observa, após receber a foto íntima do paciente, a criança supostamente vítima da tentativa de estupro não teve mais contato com o acusado por meio de mensagens. A mãe da criança, ao saber do envio da fotografia, passou a interagir com o acusado como se a vítima fosse e, após reportar o caso à Autoridade Policial, e no intuito de obtenção de um flagrante, foi orientada a esperar o paciente marcar um encontro. Assim, demonstrado está que, embora a criança tenha ido ao encontro, ela foi levada pela mãe e já com o conhecimento da Autoridade Policial, que efetuou a prisão em flagrante logo após a criança se apresentar e apertar a mão do paciente. O fato do paciente ter marcado o encontro e ter ido ao encontro combinado não configura ato executório da conduta de tentativa de estupro, mas ato meramente preparatório. Importante destacar que a mãe da criança e a Polícia estavam presentes no local, de modo que a conduta seguramente não se consumaria, o que implica concluir que se trata mesmo de crime impossível. Outrossim, para além do debate de hipótese ou não de crime impossível, vale registrar que, quando da marcação do encontro, apesar de imaginar que estava mantendo contato com a criança, o paciente estava, em verdade, falando por meio de mensagens com a mãe da criança, de modo que, efetivamente, vítima de tentativa de estupro de vulnerável não havia, tendo o paciente sido mantido em erro pela mãe, conforme orientação da própria polícia. Portanto, o que se pode concluir a partir do contexto da narrativa dos autos, é que a conduta atribuída ao paciente, embora reprovável e repugnante, não pode ser definida como tentativa de estupro de vulnerável. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem, de ofício, para reconhecer o flagrante preparado e absolver o paciente do crime do art. 217-A, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal.

Assim, de rigor o provimento do recurso em habeas corpus para reconhecer o crime impossível e determinar o trancamento da ação penal. Ante o exposto, dou provimento ao recurso em habeas corpus para determinar o trancamento da Ação Penal n. 0003385-53.2022.8.16.00. Publique-se. Intimem-se.

Relator

ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 215579 - PR (2025/0161131-0) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJEN/CNJ de 13/05/2025.)

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